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    BCE mais duro pode ajudar na queda da inflação no Brasil, dizem analistas

    Juros maiores contribuem para desaceleração global e queda nos preços de commodities

    BCE elevou taxa de juros da zona do euro em 0,75 ponto percentual
    BCE elevou taxa de juros da zona do euro em 0,75 ponto percentual Wolfgang Rattay//File Photo/Reuters

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business

    em São Paulo

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    A decisão do Banco Central Europeu (BCE) de elevar os juros em 0,75 ponto percentual representou uma posição mais dura da autarquia no combate à inflação, o que pode reverberar também na inflação brasileira, segundo analistas.

    O BCE realizou nesta quinta-feira (8) a maior alta de juros desde 1999, em uma magnitude inédita desde que o euro se tornou a moeda comum de 19 países europeus. Além disso, sinalizou que o ciclo de alta continuará nas próximas reuniões.

    A tendência, com isso, é de enfraquecimento da economia da zona do euro, já abalada em meio a uma crise de fornecimento de gás natural.

    O quadro, afirmam especialistas, tende a impactar negativamente nos preços de commodities, cuja cotação internacional afeta tanto a Europa quanto o Brasil, e pode influenciar os planos do Banco Central, mesmo que em menor intensidade.

    Um BCE mais agressivo

    A mudança de postura do BCE se deu não apenas pela elevação de juros em uma magnitude alta, mas também pelo discurso e justificativa dessa decisão, avalia Marilia Fontes, sócia-fundadora da Nord Research.

    “O BCE já disse que próxima elevação não está definida e depende dos dados, e pode ser outra nessa magnitude, algo que o mercado não cogitava antes”, avalia.

    Fontes destaca que, durante muitos meses, o BCE se apoiou no fato da inflação da Europa estar mais ligada a problemas de oferta, em especial de gás natural, que em outros países, como os Estados Unidos.

    Agora, o BCE indicou que, mesmo o problema sendo de oferta, a postura será diferente, e a inflação “é algo que tem que ser combatida. Antes, estavam se pautando no fato de ser de oferta e que não precisava agir”.

    Nesse sentido, a decisão da autarquia foi importante mesmo já sendo esperada pelo mercado, diz Stephan Kautz, economista-chefe na EQI Investimentos.

    “Ela mostra uma determinação bastante contundente de controlar a inflação. Entre as duas decisões de juros houve deterioração de inflação, chegou a 9,1%, com núcleos pressionados indicando que, além de energia e alimentos, outros produtos têm pressionado inflação para cima”, explica.

    Kautz considera que a decisão foi “bastante forte”, sinalizando novas altas de juros nos próximos meses e indicando que a taxa terminal deve ser maior que o esperado pelo BCE anteriormente.

    Já Victor Candido, economista-chefe da RPS Capital, observa que a fala da presidente do BCE, Christine Lagarde, após a decisão pode ter sido lida pelo mercado como mais suave que o esperado, mesmo com a indicação dela de novas elevações de juros.

    O motivo é que Lagarde adotou uma fala semelhante à do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, alguns meses atrás, de que uma alta de 0,75 p.p. “não é normal”.

    “Está ligado a ela falar da questão de não continuar subindo nesse ritmo, e que boa parte da inflação é de energia. É verdade, mas os problemas são os efeitos que a energia produz nos demais componentes da inflação”, afirma Candido.

    Fontes pondera, porém, que o mercado manteve a perspectiva de alta nas taxas de juros de curto prazo, indicando que as falas não mudaram uma interpretação de postura mais dura.

    Para Candido, a dinâmica inflacionária na zona do euro para os próximos meses preocupa, sem um horizonte de resolução para a guerra na Ucrânia e a perspectiva de que os preços da energia continuarão subindo.

    “A economia europeia está capotando com a questão do gás, e se os racionamentos piorarem, vai afetar bastante a indústria, em especial as mais dependentes do gás natural”, explica.

    Ele afirma que o desafio do BCE é conciliar uma “pressão inflacionária de curto prazo muito forte” com uma desaceleração econômica já esperada devido à crise energética.

    Commodities e câmbio

    Para Kautz, a postura do BCE reforça a perspectiva de recessão para a região, que se soma à esperada contração da economia dos Estados Unidos, também em um processo de alta de juros.

    No caso da zona do euro, o economista credita a recessão mais aos problemas de oferta de gás do que a alta de juros, mas o movimento piora o quadro.

    Nesse sentido, Kautz acredita que há chance dos bancos centrais ampliarem seus horizontes de convergência de inflação para os próximos anos, e não no fim de 2023, o que abriria espaço para o BCE e o Fed subirem os juros em um ritmo mais lento.

    Para o Brasil, ele acredita que a postura do BCE “dificulta um pouco mais o nosso crescimento ano que vem, com o crescimento global desacelerando ao longo dos próximos meses. O Brasil tem um setor exportador importante, de commodities, que pode sofrer um pouco em termos de crescimento”.

    Por outro lado, ele aponta que uma desaceleração da inflação global ajudaria o Banco Central, já que nos últimos meses a inflação importada, via preços de energia, está muito elevada.

    Um quadro global mais recessivo impactaria os preços de commodities, como o petróleo, dando espaço para novos cortes de preços pela Petrobras e ajudando a inflação a desacelerar, com patamar menor em 2022 e 2023.

    Somado a isso, Kautz vê espaço para valorização do euro ante o dólar, com um enfraquecimento da moeda norte-americana também ajudado o câmbio de países emergentes, caso do Brasil.

    O economista afirma que há uma discrepância nos quadros inflacionários da Europa e dos Estados Unidos, obrigando o BCE a manter um discurso mais duro por mais tempo, o que tende a beneficiar o euro.

    Já Candido observa que a perspectiva de recessão mais forte na Europa prejudica o euro, abrindo espaço para um dólar mais forte, o que pode prejudicar moedas de países emergentes.

    Ele avalia que o quadro afeta os preços de commodities pela perspectiva de demanda menor, ajudando na inflação brasileira. “Existe uma sincronia dos bancos centrais desenvolvidos em subir juros, e isso derruba a atividade e faz os preços de commodities caírem, o que pode ajudar na desaceleração da nossa inflação”.

    “Há hoje um problema global também de produção de commodities, não estão sobrando, é um problema de restrição global, e isso deveria levar os preços para cima, mas o mercado projeta queda pela desaceleração”, ressalta.

    Fontes afirma que a postura global mais austera impacta as taxas de câmbio, favorecendo países que iniciaram os ciclos de alta de juros mais cedo. O processo ajuda o real a não ter uma desvalorização tão grande mesmo com a alta de juros nos Estados Unidos e Europa.

    Ela acredita que uma desaceleração global ajudaria na queda da inflação brasileira pelo recuo de commodities, mas isso ainda não é uma certeza.

    “Não é tão óbvio assim que teremos commodities em desaceleração. Minério de ferro sim, mas petróleo, ligado a energia e alternativa ao gás, talvez não, depende da commodity”, pondera.

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    Federal Reserve

    Além do BCE, outro banco central importante elevará sua taxa de juros neste mês, o dos Estados Unidos.

    Apesar de mostrar uma divisão nas últimas semanas, o mercado convergiu nos últimos dias para uma aposta de alta de 0,75 p.p., refletindo tanto dados que mostram uma economia mais aquecida quanto uma postura mais dura dos dirigentes da autarquia.

    Candido afirma que o Fed deve elevar a taxa nessa magnitude porque “a atividade econômica ainda está muito robusta, sem desaceleração forte. Mas a inflação pode cair por efeito de queda de combustíveis, e se continuar com esse cenário de commodities, pode ser o último nessa magnitude”.

    Fontes destaca que a divisão no mercado reflete um discurso “errático” do Fed, que “deveria focar mais na parte do emprego, controle da inflação de forma mais permanente, e focou muito tempo em dizer que não teria recessão”.

    “A linguagem está muito errática, e gera essa divisão. O próprio mercado fica um pouco perdido”, diz.

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