Israel: entenda o polêmico projeto de lei que limita poderes da Suprema Corte
Mesmo com manifestações que reúnem milhares de pessoas há meses, governo de Benjamin Netanyahu aprovou a medida
O Parlamento de Israel aprovou, nesta segunda-feira (24), o projeto de lei da “razoabilidade”, um plano do governo que enfraquece o Judiciário do país apesar de seis meses de protestos e pressão dos Estados Unidos contra a mais significativa mudança no sistema judiciário desde a fundação do país.
O projeto de lei foi aprovado por 64 votos a zero, com todos os membros da coalizão governista votando a favor. Os parlamentares da oposição deixaram a Câmara enquanto ocorria a votação nominal.
Após rumores na semana passada de que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, poderia recuar na votação ou mesmo suavizar alguns de seus componentes, o líder avançou com o projeto, chegando ao Parlamento, chamado de Knesset, logo após receber alta do hospital.
O chamado projeto de lei da “razoabilidade” retira da Suprema Corte o poder de declarar as decisões do governo “irracionais” — ou “não razoáveis”.
É o primeiro passo importante do plano de revisão judicial a ser aprovado pelo Knesset. Os legisladores começaram uma maratona de debates sobre o assunto no domingo (23), que durou até a manhã seguinte.
A reforma dividiu o país, com centenas de milhares de pessoas saindo às ruas em protesto. Abaixo, a CNN explica o que é necessário saber sobre o caso.
Quais são as mudanças?
A revisão judicial é um pacote de projetos de lei que precisam passar por três votações no Knesset, o Parlamento israelense.
Embora Netanyahu e seus apoiadores digam que o objetivo é reequilibrar os poderes entre os ramos do governo, os críticos pontuam que isso representa uma ameaça à democracia do país e à independência do Judiciário.
A doutrina da razoabilidade não é exclusiva do Judiciário de Israel. O princípio também é usado, por exemplo, em Reino Unido, Canadá e Austrália.
O padrão é comumente usado pelos tribunais para determinar a constitucionalidade ou legalidade de uma determinada legislação e permite que os juízes se certifiquem de que as decisões tomadas pelos funcionários públicos sejam “razoáveis”.
Essa premissa foi usada neste ano, quando Netanyahu demitiu um de seus aliados-chave, Aryeh Deri, de todos os cargos ministeriais.
Isso aconteceu em conformidade com uma decisão da Suprema Corte de Israel de que não era razoável nomeá-lo para cargos no governo devido a condenações criminais e porque ele havia dito no tribunal no ano passado que se aposentaria da vida pública.
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Forças de Israel intervêm em manifestantes durante protesto contra a aprovação do projeto de lei que limita poderes da Suprema Corte, em 24 de julho de 2023. • Mostafa Alkharouf/Anadolu Agency via Getty Images
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A polícia de Israel intervém em protesto contra projeto de lei que limita poderes da Suprema Corte, em 24 de julho de 2023. • Mustafa Alkharouf/Anadolu Agency via Getty Images
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A polícia de Israel intervém em protesto contra projeto de lei que limita poderes da Suprema Corte, em 24 de julho de 2023. • Mustafa Alkharouf/Anadolu Agency via Getty Images
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A polícia de Israel intervém em protesto contra projeto de lei que limita poderes da Suprema Corte, em 24 de julho de 2023. • Mustafa Alkharouf/Anadolu Agency via Getty Images
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Forças de Israel intervêm em manifestantes durante protesto contra a aprovação do projeto de lei que limita poderes da Suprema Corte, em 24 de julho de 2023. • Mustafa Alkharouf/Anadolu Agency via Getty Images
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Manifestantes protestam contra aprovação de projeto de lei que limita poderes do Judiciário, em Jerusalém, Israel, em 24 de julho de 2023. • Mustafa Alkharouf/Anadolu Agency via Getty Images
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A polícia de Israel intervém em protesto contra projeto de lei que limita poderes da Suprema Corte, em 24 de julho de 2023.
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Manifestantes protestam contra aprovação de projeto de lei que limita poderes do Judiciário, em Jerusalém, Israel, em 24 de julho de 2023. • Mustafa Alkharouf/Anadolu Agency via Getty Images
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Policiais de Israel entram em confronto com manifestantes em protesto por conta de projeto de lei, em 24 de julho de 2023. • Amir Levy/Getty Images
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Manifestantes e policiais de Irsael se enfrentam durante uma manifestação perto do Knesset israelense, em 24 de julho de 2023. • Amir Levy/Getty Images
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Policiais de Israel usam canhões de água para tentar retirar manifestantes de estrada durante protestos contra lei que reforma Judiciário. • Amir Levy/Getty Images
Outros elementos da reforma dariam ao governo mais controle sobre a nomeação de juízes, além de remover consultores jurídicos independentes dos ministérios. Esses projetos de lei ainda não avançaram tanto no processo legislativo quanto o projeto de razoabilidade.
O primeiro-ministro e seus partidários argumentam que a Suprema Corte se tornou um grupo elitista e isolado que não representa o povo israelense. Eles advertem que o órgão teria extrapolado seu papel, entrando em questões sobre as quais não deveria se pronunciar.
Defendendo seus planos, Netanyahu citou exemplos de países como os Estados Unidos, onde os políticos controlam quais juízes federais são nomeados e aprovados.
Os críticos também afirmam que o chefe de governo está avançando com a reforma para se proteger de seu próprio julgamento por corrupção, no qual enfrenta acusações de fraude, suborno e quebra de confiança. Ele nega qualquer irregularidade.
Outro projeto de lei, já votado em março, torna mais difícil que um primeiro-ministro em exercício seja declarado inapto para o cargo, restringindo os motivos à incapacidade física ou mental e exigindo que o próprio primeiro-ministro ou dois terços do gabinete votem a favor de tal declaração.
Por que essas mudanças são importantes?
Se a revisão judicial for aprovada, as mudanças serão o abalo mais extremo no Judiciário de Israel desde sua fundação, em 1948, mesmo que propostas para mudar o processo judicial não sejam novas, vindas de figuras de todo o espectro político no passado.
Israel, que não tem constituição escrita, mas apenas um conjunto de leis básicas quase constitucionais, tem uma Suprema Corte relativamente poderosa, que os defensores das alterações argumentam ser problemática.
Mas a Suprema Corte é o único controle do poder do Parlamento e do governo, uma vez que os poderes Executivo e Legislativo são sempre controlados pela mesma coalizão de governo.
Os críticos dizem que a reforma destruirá a única via disponível para fornecer freios e contrapesos no governo do país.
Eles também alertam que isso prejudicará a independência do Judiciário israelense e prejudicará os direitos não consagrados nas leis básicas por lá, como os direitos das minorias e a liberdade de expressão.
Netanyahu está à frente do governo mais de direita da história de Israel, incluindo partidos ultranacionalistas e ultrarreligiosos. Alguns membros da administração federal foram criticados por expressar pontos de vista extremistas.
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Manifestantes caminham pela Estrada 1, rumo a Jerusalém, para protestar contra a proposta de reforma judicial em Israel • 20/7/2023 REUTERS/Amir Cohen
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Manifestantes passam por policiais montados durante um protesto contra o plano do governo israelense de reformar o sistema de Justiça, em Jerusalém • Noam Galai/Getty Images
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Um manifestante segura uma placa que diz "criminosos assumiram o controle" durante um protesto contra o plano do governo israelense de reformar o sistema de Justiça • Noam Galai/Getty Images
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As pessoas seguram bandeiras israelenses durante um protesto contra o plano do governo israelense de reformar o sistema de Justiça • Noam Galai/Getty Images
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O governo do primeiro-ministro Netanyahu tem avançado com uma legislação controversa para reformar a Suprema Corte do país, provocando uma onda de manifestações • ABIR SULTAN/Pool via REUTERS
O que acontece agora que o projeto de lei foi aprovado?
O descontentamento em Israel tende a se intensificar. Aqueles que se opõem à medida prometeram não aceitá-la, e o país pode enfrentar greves trabalhistas, recusas de servir nas forças armadas e até mesmo uma crise constitucional como resultado.
O principal sindicato trabalhista do país, o Histadrut, alertou momentos após a aprovação do projeto de lei que, se o governo continuasse a legislar unilateralmente, haveria sérias consequências, fazendo preparativos para declarar uma greve.
E o Movimento para o Governo de Qualidade, uma ONG israelense, apresentou uma petição ao Supremo Tribunal, pedindo-lhe que considerasse a lei de razoabilidade ilegal, alegando que ela muda a estrutura básica da democracia israelense, solicitando que bloqueie a implementação da lei até que o tribunal se pronuncie sobre ela.
A Ordem dos Advogados de Israel já está preparando uma contestação legal, disse o grupo no domingo. Seu executivo, o Council de Advogados, aprovou a decisão de petição ao Supremo Tribunal para cancelar a lei de razoabilidade assim que ela for aprovada, disse a Ordem.
A associação também alertou que ficará fechada “como um ato de protesto contra o processo legislativo antidemocrático”, disse o comunicado. Isso significa que a Ordem dos Advogados não prestaria serviços profissionais aos seus membros, e não que os advogados entrariam em greve.
A oposição à reforma também chegou ao aparato de segurança de Israel, com membros das forças armadas protestando contra o projeto de lei e mais de 1.000 reservistas da Força Aérea ameaçando parar de se voluntariar.
Petições para que a Suprema Corte anule a lei e bloqueie sua implementação até que haja uma decisão judicial devem ser apresentadas quando o tribunal começar a funcionar, na terça-feira (25).
Se a Suprema Corte decidir que a lei de razoabilidade é irracional, invalidando a lei que despoja o próprio tribunal de seus poderes, isso pode desencadear uma crise constitucional que colocará o governo e o tribunal um contra o outro.
Falta de apoio da população
De acordo com pesquisas divulgadas em fevereiro pelo Instituto de Democracia de Israel, a mudança é apoiada por uma minoria de israelenses.
A grande maioria – 72% – quer que um acordo seja alcançado e, mesmo assim, 66% acham que a Suprema Corte deveria ter o poder de derrubar leis, e 63% dos israelenses acham que o atual método de nomeação de juízes deveria permanecer como está.
Milhões de israelenses se opõem ao projeto de lei, incluindo dezenas de líderes empresariais. Até o próprio ministro da Defesa de Netanyahu, Yoav Gallant, pediu várias vezes para adiar a reforma a fim de buscar um amplo consenso.
O primeiro-ministro disse no início deste ano que iria demitir Gallant por criticar a reforma, mas nunca o fez.
Um grupo de 150 importantes empresas israelenses também entrou em greve na segunda-feira para protestar contra o projeto de lei.
Quando surgiram as notícias da nova lei, o principal índice de ações de Israel, o TA-35, estava sendo negociado mais de 2% abaixo.
O índice vinha desfrutando de uma alta nas últimas semanas, subindo mais de 6% no último mês. O shekel israelense também foi mais fraco em relação ao dólar, caindo pouco menos de 1%.
O que os aliados de Israel estão dizendo?
Os aliados de Israel, incluindo os Estados Unidos, expressaram preocupação com a reforma.
O presidente dos EUA, Joe Biden, enviou uma mensagem a Netanyahu na semana passada por meio de Thomas Friedman, do New York Times, dizendo que o primeiro-ministro está arriscando o relacionamento EUA-Israel caso a revisão seja aprovada sem um amplo consenso.
“Esta é obviamente uma área sobre a qual os israelenses têm opiniões fortes, inclusive em um movimento de protesto duradouro que está demonstrando a vitalidade da democracia de Israel, que deve permanecer o cerne de nosso relacionamento bilateral”, disse Biden a Friedman.
“Encontrar consenso em áreas controversas da política significa levar o tempo necessário. Para mudanças significativas, isso é essencial. Portanto, minha recomendação aos líderes israelenses é não se apressar. Acredito que o melhor resultado é continuar buscando o consenso mais amplo possível aqui”, complementou o chefe de Estado.
Netanyahu ainda não recebeu um convite para ir à Casa Branca, mas o presidente de Israel, Isaac Herzog – que vem tentando chegar a um acordo entre governo e oposição sobre a reforma – foi convidado a se encontrar com Biden em Washington na semana passada.
Em sua viagem, Herzog chamou os EUA de “nosso maior parceiro e amigo”, ao mesmo tempo em que reconheceu as críticas de alguns progressistas da Câmara.
Clare Foran, Haley Talbot, Morgan Rimmer, Lauren Fox e Nadeen Ebrahim contribuíram para esta reportagem, da CNN