Em 4 pontos, entenda o caso da Covaxin e dos irmãos Miranda

Funcionário do Ministério da Saúde e deputado federal afirmam que há irregularidades no processo de compra da vacina

Gregory Prudenciano, da CNN, em São Paulo
Irmãos Miranda
Chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda (E), e deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) (D)  • Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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Na última quarta-feira (23), o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) detalhou, em entrevista à CNN, suspeitas de corrupção e supostas irregularidades envolvendo os contratos da vacina Covaxin. A denúncia, endossada também por Luis Ricardo Miranda, funcionário do Ministério da Saúde e irmão do deputado, levou o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, a uma resposta pública, por meio da imprensa.

O caso gerou muita repercussão. Nesta sexta-feira (25), os irmãos Miranda prestaram depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia.

Em meio a tantos personagens, reações, suspeitas e versões, a CNN explica, em quatro pontos, a polêmica sobre a compra da vacina indiana Covaxin.

1 - A denúncia dos irmãos Miranda

Na quarta-feira, em entrevista à CNN, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) afirmou que foi procurado no mês de março por seu irmão, Luis Ricardo Fernandes Miranda, que é chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde e que estaria sofrendo pressão para fechar a compra da Covaxin.

Segundo Luis Ricardo, houve uma pressão "incomum" durante o processo de adequação de documentos para a compra da vacina indiana, o que fez com que ele suspeitasse da operação.

Além disso, o servidor afirma que a primeira invoice - documento semelhante a uma nota fiscal, que detalha o produto, fornecedores, destinatários, formas e prazos de pagamentos - ao Ministério da Saúde não estava de acordo com o contrato firmado entre o governo brasileiro e a Precisa Medicamentos, empresa que fez a intermediação entre o Ministério da Saúde e o laboratório Bharat Biotech.

Diferiam o número de doses a serem entregues no primeiro lote (300 mil, enquanto o contrato previa quatro milhões) e também o pagamento, que pelo contrato só seria feito depois da entrega dos imunizantes, enquanto o invoice falava em pagamento antecipado.

Diante das suspeitas e do estranhamento com a situação, Luis Ricardo teria procurado seu irmão, Luis Miranda, que é deputado federal. Juntos, foram conversar com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), no dia 20 de março. Durante encontro, que rendeu fotos nas redes sociais, entre os assuntos tratados estaria a compra da Covaxin e as suspeitas levantadas pelos irmãos.

O deputado federal Luís Miranda (DEM- DF) será ouvido na PF em Brasília
O deputado federal Luís Miranda (DEM- DF) será ouvido na PF em Brasília
Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO

Nesta sexta, em depoimento à CPI da Pandemia, os irmãos reafirmaram que conversaram com Bolsonaro e que o presidente teria dito que encaminharia o caso para a Polícia Federal. Até o momento, não há indícios de que isso aconteceu.

Durante a CPI, Luis Miranda disse acreditar que Bolsonaro já sabia da possível fraude antes mesmo de ser avisado por ele e por seu irmão. Segundo o deputado, Bolsonaro disse que a compra do imunizante seria "rolo de um deputado".

Depois de dizer e reiterar que não se lembrava do nome do deputado, Luis Miranda confirmou que o deputado citado pelo presidente da República é Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara dos Deputados e ex-ministro da Saúde, cargo que ocupou entre maio de 2016 e abril de 2018, durante o governo de Michel Temer (MDB).

2 - A compra das vacinas

Segundo o Ministério da Saúde, o contrato entre o governo federal e a Precisa Medicamentos foi assinado na tarde de 25 de janeiro. O acordo previa compra de 20 milhões de doses da Covaxin, um investimento total de R$ 1,614 bilhão.

No comunicado publicado no site do Ministério da Saúde, a pasta disse que a previsão era de que as primeiras oito milhões de doses chegassem ao Brasil "já no mês de março, em dois lotes de 4 milhões a serem entregues entre 20 e 30 dias após a assinatura do contrato", o que não aconteceu.

Em 31 de março, a Anvisa rejeitou o pedido de importação da Covaxin. Segundo a autoridade sanitária brasileira, não foi possível confirmar a eficácia e a segurança do imunizante. Também havia informações conflitantes nos documentos apresentados à agência relacionados ao prazo de validade da vacina.

O revés imposto ao governo só foi minimizado em 4 de junho, quando a Anvisa aprovou a importação da Covaxin, mas impôs uma série de restrições ao uso da vacina, proibindo que pessoas grávidas, lactantes, pessoas com HIV, hepatite B ou C e outras condições pudessem receber as doses.

Outra questão que chamou a atenção em relação à Covaxin foi seu preço: US$ 15 (R$ 75,25) por dose, o maior valor pago pelo governo por um imunizante. A Precisa Medicamentos afirma que o valor está em conformidade com vendas feitas pelo laboratório Bharat Biotech a outros 13 países, e que não houve sobrepreço.

O tempo de negociação também foi bastante curto: três meses, enquanto as negociações com a Pfizer se arrastaram por 11 meses e os dois contratos foram fechados com valores mais em conta: US$ 10 (R$ 50,17) no primeiro contrato e US$ 12 (60,20) no segundo.

A CPI da Pandemia também recebeu documentos do Ministério das Relações Exteriores que revelam que o valor pelo qual o governo fechou a compra das doses de Covaxin foi 1000% superior ao estimado inicialmente por executivo da Bharat Biotech.

3 - A defesa do governo

Horas depois de Luis Miranda detalhar suas suspeitas em entrevista à CNN, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorezoni, convocou uma coletiva de imprensa na qual negou qualquer irregularidade na compra da Covaxin e defendeu a gestão de Eduardo Pazuello, que era ministro da Saúde na época em que as suspeitas dos irmãos Miranda chegaram até o presidente Bolsonaro.

Onyx atacou Luis Miranda, a quem acusou de mentir e de ter traído Bolsonaro -- o deputado era aliado do presidente -- e disse que os documentos apresentados pelo parlamentar eram adulterados.

"Deus está vendo. Mas o senhor não vai só se entender com Deus, vai se entender com a gente também. E vem mais. O senhor vai explicar e o senhor vai pagar pela irresponsabilidade, pelo mau-caratismo, pela má-fé, pela denunciação caluniosa e pela produção de provas falsas", disse Onyx Lorenzoni.

O governo afirma que nenhum real foi gasto com a Covaxin, uma vez que as doses ainda não foram entregues. No entanto, o contrato com a Precisa Medicamentos continua valendo.

O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni / Foto: Isac Nóbrega/PR
O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni / Foto: Isac Nóbrega/PR

Durante o depoimento de Luis Miranda e Luis Ricardo à CPI da Pandemia, o senador Marcos Rogério (DEM-DF), que frequentemente faz a defesa do governo, disse que o deputado age por motivação política, embora não tenha especificado a que se referia, e classificou como "erros formais" as diferenças entre as invoices apresentadas pela Precisa Medicamentos e o contrato firmado com o governo federal.

Políticos ligados ao governo Bolsonaro também passaram a questionar a credibilidade de Luis Miranda em entrevistas e em publicações nas redes sociais.

Em nota, A Precisa Medicamentos também negou irregularidades e acusou os irmãos Miranda de agirem politicamente.

Na quinta-feira (24), o presidente da República voltou a afirmar que seu governo não tem escândalos de corrupção e disse que "não adiante inventar vacina, porque não recebemos uma dose sequer dessa que entrou na ordem do dia da imprensa".

4 - Francisco Maximiano

Uma das figuras centrais do caso é o empresário Francisco Maximiano, sócio-administrador da Precisa Medicamentos e um dos alvos da CPI da Pandemia. Ele será ouvido pela comissão do Senado no dia 1º de julho.

Inicialmente, seu depoimento ocorreria na quarta-feira (23), mas o empresário disse que estava cumprindo quarentena depois de uma viagem à Índia. Embora tenha confirmado que comparecerá à CPI, Maximiano entrou com pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) para poder deixar a sessão caso julgue necessário.

O empresário também negou a oferta de proteção pessoal oferecida pela CPI e, por ora, afirma que não tem nada a depor contra o governo federal e diz que a venda das doses de Covaxin ao Ministério da Saúde não teve nenhuma ilegalidade.

Atuando há anos no setor farmacêutico, Maximiano é próximo do deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara. O empresário é dono de empresas que já tiveram contratos contestados por órgãos de investigação e também alvo de uma série de processos judiciais de cobranças de dívidas.

Uma de suas empresas é a Global Gestão em Saúde, que vendeu, mas não entregou, remédios de alto custo ao Ministério da Saúde durante o período em que Ricardo Barros comandou a pasta.

Maximiano também conhece o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente da República, que facilitou um encontro do empresário com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, em outubro de 2020.

Nesta sexta-feira, Flávio Bolsonaro divulgou vídeo nas redes sociais admitindo que tem "amigos em comum em Brasília" com Francisco Maximiano e que o conhece, mas afirmou que não tem relação financeira ou comercial com ele.

Reportagem da CNN que foi ao ar na terça-feira (22) mostrou que uma semana antes de a Precisa Medicamentos assinar contrato para fornecimento da Covaxin ao Brasil, a empresa apresentou um aditivo em um contrato também com o Ministério da Saúde para a venda de preservativos femininos. O aditivo dobrou o valor da licitação. Na operação, a Precisa representa a empresa Cupid Limited, que é sediada na Índia, assim como a Bharat Biotech.

Depois que a matéria foi divulgada, o Ministério da Saúde retificou o aditivo e restabeleceu o valor original da licitação.

(Com informações do Estadão Conteúdo)