Lourival Sant'Anna
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Lourival Sant'Anna

Analista de Internacional. Fez reportagens em 80 países, incluindo 15 coberturas de conflitos armados, ao longo de mais de 30 anos de carreira. É mestre em jornalismo pela USP e autor de 4 livros

Viktor Orbán é a versão bem-sucedida de Jair Bolsonaro

Orbán e Bolsonaro têm em comum a rejeição aos homossexuais, ao chamado “globalismo”, à imigração, e a admiração pelo autocrata russo Vladimir Putin

O premiê da Hungria, Viktor Orbán
O premiê da Hungria, Viktor Orbán
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O primeiro-ministro Viktor Orbán, da Hungria, cuja embaixada acolheu Jair Bolsonaro por duas noites no mês passado, é um dos mais significativos governantes conservadores, e um dos poucos líderes com os quais o ex-presidente teve afinidade durante seu governo. Bolsonaro buscou abrigo na embaixada depois que a Polícia Federal confiscou seu passaporte e Orbán publicou no X, antigo Twitter: "Um patriota honesto. Continue lutando, Sr. Presidente! @jairbolsonaro”.

Orbán e Bolsonaro têm em comum a rejeição aos homossexuais, ao chamado “globalismo” e à imigração, uma relação de confronto com a Justiça, que o húngaro conseguiu domesticar, e a admiração pelo autocrata russo Vladimir Putin, aliás compartilhada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Um dos primeiros atos de Bolsonaro ao assumir, em janeiro de 2019, foi retirar o Brasil do Pacto Global de Migrações, ao qual o país tinha aderido no mês anterior, no final do governo de Michel Temer. O documento, que propõe procedimentos comuns aos países para lidar com o tema, foi rejeitado por Orbán também. Ambos alegaram que o Pacto violava a soberania dos países, o que não é verdade: a formulação e aplicação das regras continuam sendo prerrogativa de cada governo.

Em 2022, Bolsonaro, que não era afeito à política externa, visitou Moscou e Budapeste. Na época, a Rússia concentrava mais de 100 mil soldados na fronteira com a Ucrânia. Oito dias antes da invasão, em 16 de fevereiro, Bolsonaro disse a Putin: “Somos solidários à Rússia”. E salientou a crença comum de ambos os presidentes de que a família deve ser formada por um homem e uma mulher.

Desde 2012, Putin tem adotado medidas para tolher os direitos dos homossexuais e transgênero, como o de se casar e adotar filhos, por exemplo. Na sexta-feira, enquanto o Estado Islâmico realizava em Moscou um dos atentados mais letais de sua história, o governo russo incluía grupos de defesa dos direitos LGBT na lista de organizações terroristas.

Orbán tinha acabado de visitar Putin em Moscou, para lhe emprestar sua solidariedade também -- assim como o então presidente argentino, Alberto Fernández, de esquerda. Bolsonaro seguiu para Budapeste, onde fez um discurso semelhante: “Ataques têm sido feitos à família. Faremos tudo o que pudermos para preservar essa instituição”.

Em dezembro de 2020, o Parlamento dominado pelo governo de Orbán aprovou emenda na Constituição, que passou a definir o casamento como uma instituição heterossexual. Curiosamente, no mesmo mês, Jozsef Szajer, de 59 anos, fundador e líder do Fidesz, o partido de Orbán, confidente do primeiro-ministro e ferrenho defensor de suas políticas homofóbicas, foi flagrado tentando fugir em uma tubulação de esgoto em Bruxelas, depois que a polícia interrompeu uma orgia gay da qual ele participava, com cerca de 25 homens. O caso levou Szajer a renunciar o cargo de deputado do Parlamento europeu.

“Temos valores em comum”, celebrou Bolsonaro, no encontro com Orbán. “Deus, pátria, família e liberdade. Comungamos a defesa da família com muita ênfase. Bem estruturada, ela faz a sociedade sadia.”

O presidente brasileiro contou que havia trocado informações com o primeiro-ministro húngaro sobre a possibilidade de guerra entre a Rússia e a Ucrânia: “Passei para ele meu sentimento sobre essa viagem, ainda mais que, coincidência ou não, estávamos no voo quando começou a retirada das tropas”, observou Bolsonaro, referindo-se a um diálogo orquestrado entre Putin e seu chanceler, Sergey Lavrov, transmitido pela TV russa, no qual eles simulavam intenção de buscar uma saída negociada para o desejo da Rússia de tomar o país vizinho.

Orbán se manteria fiel a Putin mesmo depois da invasão não-provocada, dos ataques e atrocidades contra civis, incluindo o sequestro de milhares de crianças ucranianas, que levou o Tribunal Penal Internacional a emitir ordem de prisão contra o autocrata russo.

Membro da União Europeia e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a Hungria tenta atrapalhar as iniciativas de ajuda à Ucrânia. Só não consegue ser mais efetiva nisso porque é um país pequeno, pobre e dependente das ricas nações europeias.

Outro governante do Leste Europeu, o presidente polonês Andrzej Duda, que Bolsonaro citava como referência no movimento conservador internacional, rompeu com Putin, por causa da invasão. Os poloneses temem ser as próximas vítimas do expansionismo russo, como ocorreu no passado, se Putin vencer na Ucrânia.

O ex-presidente e seu filho Eduardo Bolsonaro têm cultivado esses laços. Em 2019, o deputado federal visitou Orbán e o nacionalista Matteo Salvini, na época vice-primeiro-ministro da Itália. O próprio Jair Bolsonaro se reuniu com Salvini em novembro de 2021, depois da cúpula do G20 na Itália.
Bolsonaro e Orbán se reencontraram em dezembro em Buenos Aires, na posse de Javier Milei, que elogia a ditadura militar e promete reverter o direito ao aborto aprovado pelo Congresso argentino em dezembro de 2020. Na ocasião, o húngaro chamou o brasileiro de "herói".

Orbán no entanto tem tido muito mais êxito do que Bolsonaro. No poder desde 2010, vitorioso em quatro eleições consecutivas, o líder húngaro aproveitou a maioria no Parlamento para retirar a autonomia da Justiça. Essa iniciativa, assim como as políticas homofóbicas, têm motivado processos na União Europeia, com a ameaça de multas e outras sanções.

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