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    Pedro Côrtes
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    Pedro Côrtes

    Professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e um dos mais renomados especialistas em Clima e Meio Ambiente do país.

    Mudança climática: um século de registros de temperaturas é suficiente?

    Em muitas cidades, as temperaturas têm sido mensuradas há apenas um século ou pouco mais do que isso; como dizer, então, que o clima na Terra está mudando? Há muita ciência nisso

    Com frequência, pessoas questionam que não seria possível afirmar que o clima está mudando na Terra com base em dados de temperatura e chuvas coletados há pouco mais de um século. Afinal, o planeta tem 4,5 bilhões de anos e uma centena de anos apenas arranha, muito suavemente, toda a história da Terra.

    Processos lentos

    O clima na Terra está em constante mudança, pois o planeta está vivo. Há grandes fenômenos geológicos em ação, como a migração dos continentes e os vulcões ativos. Também há processos biológicos em ação, seja nos mares ou nos continentes. Os ventos se encarregam de transportar o vapor e formar as chuvas e as correntes oceânicas transportam nutrientes e regulam a temperatura.

    Entretanto, o clima na Terra muda lentamente, seja devido à migração dos continentes, seja por movimentos planetários amplamente conhecidos. Basicamente, há dois grandes eventos naturais que podem provocar mudanças abruptas em nosso clima: vulcanismo intenso ou a queda de um grande meteorito.

    Foi isso o que aconteceu com o Meteorito de Chicxulub que caiu na região da atual Península de Yucatán. A dispersão de poeira na atmosfera levou a um bloqueio de parte da luz solar, gerando um inverno que durou anos e reduziu a disponibilidade de alimentos, levando à extinção dos dinossauros.

    A erupção do Monte Tambora, na Indonésia, levou a um grande acúmulo de cinzas na atmosfera que impediu parte da luz solar de chegar ao solo. Como resultado, 1816 ficou conhecido como o ano sem verão.

    O clima está mudando rapidamente

    Os eventos extremos, como chuvas intensas ou secas sem precedentes históricos conhecidos mostram que o clima está mudando rapidamente e não há causas naturais que expliquem essa velocidade, como vulcanismo ou queda de algum meteorito de maior tamanho.

    Essa mudança é atribuída ao acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera. A Terra absorve parte da radiação solar e reflete outra parte para o espaço. O acúmulo desses gases impede que parte dessa radiação escape, retendo o calor e elevando a temperatura do planeta.

    Como afirmar que a atmosfera está mudando com a queima de combustíveis fósseis desde o início do período industrial? Essa é uma ciência que nasceu nos EUA em 1970 com a publicação do artigo “Carbon Dioxide and its Role in Climate Change” por George S. Benton da Johns Hopkins University.

    Esse trabalho foi publicado nos Proceeding of the National Academy of Sciences em outubro de 1970. Vários outros trabalhos se seguiram ao publicado por George S. Benton levando a um grande acúmulo de estudos em mais de cinquenta anos.

    Amostras de gelo

    A coleta direta de dados meteorológicos, como temperatura e volume de chuvas, nos ajuda a detectar tendências e sinalizar mudanças. Mas esses dados não são a única fonte de informação que os cientistas utilizam para entender a história climática da Terra.

    Uma das mais belas formas de verificar como era a atmosfera no passado é a perfuração das camadas de gelo na Antártica ou na Groenlândia. A primeira delas a atingir grande profundidade foi concluída por cientistas da antiga União Soviética em 1988 na estação antártica de Vostok. Foram coletadas amostras de gelo formado há 160 mil anos. Posteriormente, outras bases científicas conseguiram realizar perfurações ainda maiores que permitiram obter amostras de gelo com 420 mil anos.

    Quando a neve se deposita e depois se solidifica em uma camada de gelo, em seu interior ela guarda bolhas da atmosfera. São amostras preciosas que mostram qual era a concentração de gases na época em que a neve foi depositada. Em todas as perfurações realizadas, houve grande coincidência dos dados obtidos, como, por exemplo, as concentrações de dióxido de carbono ou metano, dois gases que ampliam a intensidade do efeito estufa.

    O cálculo da idade das diversas camadas é simples. Durante o verão, como a camada de gelo marinho que envolve a Antártica é menor, os ventos conseguem levar maior quantidade de poeira e sal que se depositam com a neve. No inverno, a camada de gelo marinho faz com que o mar fique mais distante e as amostras de gelo contêm menos sal e poeira.

    Essa alternância de camadas permite mensurar a idade do gelo coletado. É algo similar à idade de uma árvore, medida a partir dos anéis que se formam no tronco, um para cada ano.

    A análise de isótopos de oxigênio e hidrogênio permite mensurar a temperatura de cada camada coletada. Há outros métodos utilizados para datação do gelo ou verificação das temperaturas. Apresento aqui os mais simples.

    Outras possibilidades

    Registros históricos são de grande valia para os cientistas. Por exemplo, a presença de núcleos urbanos no Rio Grande do Sul remonta há mais de 250 anos. É importante utilizar relatos históricos, embora nem sempre disponíveis, para avaliar a ocorrência de eventos extremos em todo esse período. Isso ajuda a verificar se a tragédia ocorrida em 2024 foi algo excepcional em termos históricos ou um evento que tem certa recorrência.

    Rochas sedimentares podem conter amostras de plantas (paleobotânica) ou mesmo pólen (palinologia) que indicam como era o ambiente quando essas rochas foram formadas. Juntamente com registros de fósseis de espécies animais, é possível determinar se o ambiente era terrestre, marinho e as condições climáticas.

    A mais pura ciência

    Esses são alguns exemplos de como o clima do passado pode ser conhecido. Não se trata de uma “suposição” baseada em dados coletados nos últimos cem anos. Os cientistas, ao longo de mais de cinquenta anos de pesquisa sobre mudanças climáticas, avaliaram diversas possibilidades.

    A única possibilidade que realmente se mostrou factível para explicar os eventos extremos que estamos enfrentando foi o acúmulo de gases de efeito estufa proveniente da queima de combustíveis fósseis.

    Para se ter uma base da quantidade de estudos disponíveis, na Scopus — uma das principais bases internacionais de publicações científicas — há mais de meio milhão de trabalhos científicos de qualidade publicados nos últimos 55 anos sobre mudanças climáticas. Isso é ciência.

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