Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Tony Volpon
    Blog

    Tony Volpon

    Ex-diretor do Banco Central e professor-adjunto na Georgetown University (EUA)

    CNN Brasil Money

    Ontem não foi somente a vitória de Donald Trump

    O “blame game” – o jogo de achar os culpados – já começou; a lista é longa

    Mais uma vez as pesquisas erram. O que era para ser uma eleição disputada, com o resultado final demorando dias, efetivamente acabou com a confirmação da vitória de Trump no estado da Pennsylvania.

    E diferente de 2020, as margens de votos foram bastante folgadas, com Trump ganhando o voto popular e ajudando a retomar o Senado – também com folga – e provavelmente mantendo o controle do Congresso. Basicamente ontem não foi uma vitória eleitoral, e sim um massacre.

    O “blame game” – o jogo de achar os culpados – já começou. A lista é longa.

    Para um infelizmente grande grupo de Democratas – pelo menos aqueles que gastam bastante tempo nas plataformas como o ‘X’ – a culpa é de um eleitor sem educação, misógino e racista.

    Para aqueles com um mínimo de senso crítico, fica claro que a grande demora de Biden em passar a candidatura a Harris, como a incapacidade da candidata em reconhecer em endereçar as preocupações com a economia, imigração ilegal e violência, contribuíram para a sua derrota.

    Centrar quase a totalidade da sua campanha na questão do aborto e a suposta ameaça de Trump a ordem democrática não funcionou.

    Mas essa explicação conjuntural da derrota, apesar de correta, não reconhece que a vitória de Trump não foi somente devido à incapacidade de campanha dos Democratas, mas sim a profundas mudanças na representação do eleitorado pelos dois partidos políticos americanos.

    Historicamente, e ainda na visão de muita gente, os Democratas representam a classe trabalhadora e diversas minorias, enquanto os Republicanos representam aqueles com mais renda e riqueza.

    A verdade é que isso não reflete mais a realidade política do país. Vamos a alguns dados desta eleição.

    Levantamento do Washington Post mostra que Harris ganhou os votos de quem ganha mais de US$100 mil anualmente por 54% versus 45% para Trump.

    Enquanto isso, Trump ganhou os votos de quem ganha entre US$100-US$50 mil por 49% versus 47% para Harris. Em 2020, Joe Biden ganhou esse grupo por 55% versus 45% para Trump.

    Também houve forte migração de votos de minorias em direção a Trump. Enquanto homens afro-americanos votaram 78% em Harris – as mulheres votaram 92% na candidata – homens latinos votaram 54% em Trump, quando em 2020 Biden ganhou o voto dos latinos com grandes margens.

    O que todos esses dados mostram é que houve uma reorganização por classe – para usar um jargão marxista ainda útil neste caso – onde o populismo econômico e nacionalista de Trump captou os votos das classes trabalhadoras brancas e latinas (e uma fração maior dos votos de homens afro-americanos), enquanto Harris e os Democratas viraram o partido da classe “gerencial” de maior renda e educação concentrada nos centros urbanos.

    Há, obviamente, questões culturais que cruzam com essa divisão, mas para usar um outro conceito marxista, elas são de característica “superestrutural”.

    É evidente que pessoas mais ricas, que já tem (ou tem parentes que tem) casa própria e investem nas bolsas, têm bastante mais capacidade de se preocupar com a tal “ordem democrática”, combater o “patriarcado” e outras causas queridas da esquerda. Os de menor renda batalham no dia a dia para sustentar suas famílias frente uma crise de custo de vida, onde comprar a casa própria virou para muitos não um plano de vida, mas um sonho distante.

    Que Trump não tenha apresentado propostas coerentes a essas questões durante a campanha politicamente não importa. O importante foi que ele vocaliza a frustração de muitas pessoas com a situação atual.

    Quando Harris, no que foi certamente sua maior gafe de campanha, disse no show “The View” que não conseguia pensar em nada que faria diferente de Biden, ela se revelou um agente de continuidade, do “mais do mesmo” de um governo altamente impopular.

    O que o resultado de ontem revelou é que o partido Republicano sobre Trump virou o partido majoritário dos EUA. Sua eleição em 2016 e quase eleição em 2020, como sua eleição agora, não foram acidentes, mas fruto dessa inversão de representatividade.

    Se o partido Democrata não achar uma maneira de endereçar os desejos, preocupações e medos da maioria menos abastada da população, os Republicanos devem manter o poder bem além do atual mandato de Trump.

    Tópicos