Análise: Governo e STF colocam IOF no divã
Natureza do imposto é colocada em xeque por chancela do ministro Alexandre de Moraes a argumentos do governo

“No Brasil, até o passado é incerto”. Essa máxima, ironicamente, traduz a realidade do país — inclusive pela autoria incerta da frase. Ora atribuída ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan; ora ao ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, a declaração voltou à tona com a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), acerca da validade do decreto do governo que tange ao aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
O impacto de uma elevação da alíquota básica de 1,1% para 3,5% sobre as operações pode até parecer distante do bolso da população, como quer fazer colar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), atrelando a incidência do imposto a operações dos “ricos”. Mas a realidade se impõe sobre o discurso.
O custo do crédito, inevitavelmente, vai ficar mais caro para as empresas, o que pressiona preços, provoca a transferência de custos, e pressiona a inflação para a população. A correlação é simples: com o aumento do custo do crédito, fica comprometido o crescimento do país e enrijece o consumo.
A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) estima que o IOF elevado encarece o custo efetivo total do crédito de curto prazo em 14,5% a 40%. Para empresas que precisam fechar as contas, empréstimos de curto prazo também subiram de 1,1% para 3,5% de IOF.
A IFI (Instituição Fiscal Independente) estima que o incremento de arrecadação com o IOF será de aproximadamente R$ 10 bilhões em 2025 e R$ 28 bilhões em 2026, conforme a decisão de Alexandre de Moraes. No entanto, a IFI ressalta que a elasticidade da receita — ou seja, o quanto o governo realmente vai ter de impulsionamento do ponto de vista arrecadatório — é baixa, especialmente se a atividade econômica desacelerar em resposta ao crédito mais caro.
Segundo o Sebrae, o Brasil conta com mais de 15 milhões de MEIs (microempreendedores individuais) que, em 2024, responderam por 29% do PIB (Produto Interno Bruto) do setor de serviços e por 55% dos novos postos de trabalho com carteira assinada.
Para esse grupo, que costuma tomar crédito com valor médio abaixo de R$ 20 mil, o aumento do IOF representa um salto significativo no custo: o encargo passou de cerca de R$ 88 para aproximadamente R$ 195 a cada R$ 10 mil tomados emprestados.
Evitando o caos completo e tentando mitigar a dúvida de que ainda existe qualquer aura de previsibilidade no Brasil, a Receita Federal demorou, mas esclareceu na quinta-feira (17): o Fisco não se debruçaria sobre as operações feitas desde o início do imbróglio, depois de a decisão de Moraes abrir margem para discussão.
Se sob o aspecto econômico a incerteza tira o sono de qualquer um — faça ou não operações de crédito —, do ponto de vista jurídico a medida é alvo de questionamentos.
Primeiro, sobre a natureza do imposto. O IOF é, do ponto de vista jurídico, um tributo regulatório. Sua finalidade principal não é arrecadar, mas intervir no comportamento econômico dos agentes econômicos. Essa é a essência do que a doutrina tributária chama de imposto extrafiscal.
Sua função original é permitir ao Estado atuar de forma ágil sobre o crédito, câmbio, seguros e títulos mobiliários, ajustando a oferta e a demanda por esses ativos conforme as necessidades da política monetária ou cambial — intenções alheias ao incremento arrecadatório ensejado pelo governo com a medida.
Taxar crédito sob o pretexto de combater privilégios é tão eficaz quanto subir o preço do pão para punir quem frequenta padaria gourmet.
Afora isso, a manutenção de uma taxação de 5% sobre os aportes mensais acima de R$ 300 mil em planos de previdência VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) em 2025 e de R$ 600 mil em 2026 partem de uma premissa equivocada.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, argumenta que a medida visa combater a elisão fiscal dos “super-ricos” — argumento acatado por Alexandre de Moraes em sua decisão.
“Chama muito atenção, especialmente, a manutenção da cobrança do IOF no VGBL. Me parece que o ministro relator claramente foi induzido a erro pela Fazenda Nacional, que sustentou um argumento absurdo relativo à fraude no uso do produto. Tenho muita convicção de que ele reconsiderará esse aspecto da decisão”, disse ao blog o advogado tributarista Luiz Gustavo Bichara.
O governo transformou a natureza do IOF duas vezes: metamorfoseia imposto regulatório em arrecadatório e um tributo que impacta a todos em “taxação de quem mora na cobertura”.
Se o passado no Brasil, de fato, é incerto, o presente mostra-se calçado no improviso para fechar as contas. E sobre o amanhã ou até mesmo o ontem ninguém sabe absolutamente nada.