OPINIÃO
A luta mundial contra as superbactérias
A revista científica The Lancet divulgou recentemente um estudo preocupante. Estima-se que mais de 39 milhões de pessoas no mundo possam morrer nos próximos 25 anos em razão de infecções resistentes a antibióticos. Nada menos que 1,56 milhão de óbitos projetados por ano em decorrência desse fenômeno.
Essas infecções, não tratáveis pelos antimicrobianos atuais, superarão as mortes causadas por câncer e afetarão mais pessoas do que doenças como a Aids e a malária. Algo alarmante, e que exige providências imediatas.
A preocupação a microrganismos já vem de longa data. Alguns hábitos da população, as prescrições médicas incorretas e o desserviço prestado por alguns “pseudomédicos” explicam o motivo de o número de casos de resistência a antibióticos subir a cada ano.
O princípio é o mesmo da teoria da evolução. Conforme os organismos são expostos a uma determinada substância, eles se adaptam para poder sobreviver e, eventualmente, se reproduzir.
A vigilância médica e epidemiológica é fundamental para definir, mediante culturas de sangue, urina e outros materiais, a sensibilidade ou a resistência dos antibióticos disponíveis. A prescrição deve ser correta, nas doses certas, intervalos regulares e por períodos adequados.
Na pandemia do COVID-19, motivada pela gravidade de muitos casos, o uso de antibióticos foi amplificado, às vezes de forma inadequada, contribuindo ainda mais para o surgimento de agentes infecciosos intratáveis.
Adicionalmente, existe uma forma simples e eficiente de evitar a propagação das bactérias, algo que chega a ser até subestimado: lavar as mãos. A higienização correta evita que esses microrganismos se reproduzam e que sejam levados de um lugar para outro.
Apesar de inúmeras campanhas e de treinamentos envolvendo profissionais de diversos setores, esse ainda é um problema que persiste. Um ato tão simples e que pode evitar uma série de doenças.
Em 1928, Alexander Fleming descobriu o primeiro antibiótico, a penicilina. Muitos imaginaram que era o fim das infecções bacterianas. O que se viu durante todos esses anos foi o desenvolvimento de novas classes de antimicrobianos.
Por outro lado, até por uma questão de sobrevivência surgiram bactérias e fungos multirresistentes que estão entre nós, nos hospitais, nas unidades de terapia intensiva e nos centros cirúrgicos, dentre outros ambientes, colocando em risco inúmeros procedimentos considerados seguros, até então. Não é incomum que infectologistas e clínicos se deparem com a identificação de um agente infeccioso com poucas ou nenhuma opção terapêutica.
A comunidade do agronegócio faz uso de antibióticos em suas atividades, algo muitas vezes indispensável, mas que pode comprometer a eficácia dos antibióticos disponíveis e reforçar a importância desse assunto entre as lideranças globais.
A microbiologia moderna, os testes moleculares e outros, infelizmente, não estão acessíveis à maioria da população, culminando com uma equação cruel de quem pode e de quem não pode pagar. Os estudos nessa área não são baratos, e acabam sendo mais vagarosos do que a evolução dos microrganismos.
A racionalização do uso de antimicrobianos é uma exigência inadiável. Para que seja eficaz, é essencial o comprometimento integral de hospitais públicos e privados, seguido de um controle rigoroso das prescrições, incluindo tanto os consultórios médicos quanto os ambulatórios do Sistema Único de Saúde.
Termino com um apelo veemente, dirigido àqueles que se preocupam em minimizar esta ameaça, que já está entre nós: é fundamental que exista uma política pública global eficiente, forte e duradoura. Faz-se necessária a conscientização de todos os cidadãos, além de investimentos de grande porte da indústria farmacêutica e dos governos.
Milhões de vidas podem ser salvas. Depende de todos nós, e não há mais tempo a perder.