Taxas longas de juros futuros disparam com temor fiscal após alta da dívida bruta
Setor público consolidado registrou um déficit primário de R$ 21,348 bilhões
As taxas dos DIs com prazos mais longos dispararam nesta sexta-feira refletindo os temores do mercado quanto ao equilíbrio fiscal do país após dados do Banco Central demonstrarem aumento da dívida bruta em julho, e quanto ao controle da inflação depois de mais um número forte do mercado de trabalho.
Declarações do presidente do BC, Roberto Campos Neto, pela manhã contribuíram para redução das apostas de alta de 50 pontos-base da Selic em setembro, o que fez as taxas de curtíssimo prazo estagnarem, mas isso também deu um impulso adicional às taxas dos DIs mais longos.
No fim da tarde, a taxa do DI para outubro de 2024 — cuja negociação foi bastante líquida nesta sexta, refletindo apostas para o Copom de setembro — estava em 10,526%, ante 10,528% do ajuste anterior. A taxa do DI para janeiro de 2025 — também de curtíssimo prazo — estava em 10,995%, ante 10,984% do ajuste anterior.
Entre os contratos mais longos, a taxa para janeiro de 2031 estava em 12,11%, ante 11,846%, e o contrato para janeiro de 2033 tinha taxa de 12,08%, ante 11,816%.
As taxas dos DIs mostraram ganhos firmes já no início da sessão, após o BC informar que o setor público consolidado registrou um déficit primário de R$ 21,348 bilhões em julho, bem acima dos R$ 5 bilhões projetados por economistas ouvidos pela Reuters.
Com isso, a dívida bruta do governo geral saltou para 78,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em julho, acima dos 77,8% em junho.
Para o mercado, os números sugeriram uma deterioração das contas públicas acima do esperado.
“A alta mais forte (das taxas) na ponta mais longa da curva reflete uma precificação de deterioração que o mercado vê para o futuro”, comentou durante a tarde Diego Faust, operador da Manchester Investimentos.
“A questão da nossa relação dívida bruta/PIB voltou a bater na ponta mais longa da curva e as taxas abriram o dia subindo forte”, acrescentou.
De fato, o percentual de 78,5% da dívida bruta em julho já superou a projeção de 78,1% para o indicador no fim deste ano, contida nas Expectativas de Mercado do relatório Focus da última segunda-feira.
Além disso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou na abertura da sessão que a taxa de desemprego no Brasil ficou em 6,8% nos três meses até julho, em linha com o esperado por economistas, mas no menor nível para o período desde o início da série histórica, em 2012.
Os dados reforçaram os receios de que o mercado de trabalho aquecido pode pressionar a inflação de serviços e, no limite, exigir uma taxa básica Selic mais elevada no futuro. A curva a termo também refletiu isso.
O cenário desfavorável foi reforçado pela alta firme do dólar ante o real e pelo avanço dos rendimentos dos Treasuries no exterior.
Durante a manhã, algumas declarações de Campos Neto aliviaram a pressão na ponta curta da curva a termo.
Em evento promovido pela XP Investimentos, Campos Neto afirmou que eventual ajuste na Selic, se ocorrer, será gradual e que o prêmio de risco marcado pelos agentes de mercado na parte curta da curva de juros futuros não é compatível com as comunicações recentes do BC.
Os comentários, conforme profissionais ouvidos pela Reuters, foram uma indicação de que a precificação de alta de 50 pontos-base da Selic em setembro, que vinha subindo na ponta curta, estava exagerada.
Com isso, essas apostas caíram, trazendo as taxas de curtíssimo prazo para perto dos ajustes anteriores: após registrar uma máxima de 10,55% às 10h05 (alta de 2 pontos-base ante o ajuste anterior), a taxa do DI para outubro de 2024 marcou a mínima de 10,49% às 11h35 (baixa de 4 pontos-base), já em meio aos comentários de Campos Neto.
Este alívio na ponta curta foi mais um fator de pressão para os contratos com prazos longos, avaliou o economista-chefe do banco Bmg, Flavio Serrano.
Perto do fechamento a curva precificava 63% de probabilidade de alta de 25 pontos-base da Selic em setembro e 37% de chance de elevação de 50 pontos-base. Na véspera os percentuais eram de 54% e 46%, respectivamente.
Durante a tarde, Campos Neto afirmou em outro evento que o desemprego baixo não tem provocado “inflação grande” na área de serviços, mas reforçou a preocupação da instituição sobre isso.
Durante todo o dia o mercado também demonstrava ansiedade antes da apresentação, pelo governo, do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025, com o detalhamento das despesas e das receitas para o próximo ano. Investidores estarão atentos aos números para avaliar se o resultado primário projetado pelo governo é compatível com a meta de primário zero estabelecida para o próximo ano. Os dados devem sair ainda nesta sexta-feira.
Ao tratar da questão fiscal em evento da Associação Brasileira de Franchising (ABF), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que, se o governo não tivesse sofrido algumas derrotas “compreensíveis” no Congresso Nacional em 2023, o país teria um déficit fiscal zero de forma sustentável este ano.
No exterior, os yields seguiam em alta no fim desta tarde. Às 17h15 o rendimento do Treasury de dez anos — referência global para decisões de investimento — subia 3 pontos-base, a 3,902%.