"Red flags" masculinas podem ser evitadas com educação emocional infantil

Segundo psicanalista, muito dos comportamentos tóxicos e relacionados à irresponsabilidade afetiva em relações heterossexuais estão associados ao "analfabetismo emocional" dos homens

Gabriela Maraccini, da CNN
Educação emocional na infância é importante para saber lidar com sentimentos ruins, como raiva e frustração, já na vida adulta, podendo salvar relacionamentos e a vida profissional  • PeopleImages/GettyImages
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Por muitos anos, expressões como "engole o choro" e "menino não chora" foram naturalizadas em casas e escolas, moldando um ideal de masculinidade associado à força, independência e resistência emocional. Atualmente, já são conhecidos os impactos dessa educação: irresponsabilidade afetiva, dificuldade para lidar com a complexidade das próprias emoções e, consequentemente, piora da saúde mental.

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que a taxa de suicídio entre homens é cerca de 2,3 vezes maior do que entre mulheres. Em países de alta renda, a diferença chega a mais de 3 para 1. No Brasil, um estudo publicado nos Cadernos de Saúde Pública revela que, entre 2000 e 2017, a taxa de suicídio entre homens passou de 6,5 para 11,3 por 100 mil habitantes — quase quatro vezes a registrada entre mulheres no mesmo período.

Para Ana Tomazelli, psicanalista e presidente do Instituto de Pesquisas & Estudos do Feminino (Ipefem), o cenário acende o alerta para a necessidade de rever práticas de educação emocional desde a infância, principalmente entre os meninos.

"Começar cedo é vital para qualquer tipo de aprendizagem que demande amadurecimento 'interno', sobretudo para meninos que, desde a infância, são pressionados a 'não fazer drama' ou 'agir como homem'", afirma Tomazelli à CNN. "Essas frases, aparentemente inofensivas e com fundo religioso, são injeções diárias de castração afetiva. A criança vai entendendo que sentir é perigoso, e que expressar sentimentos a torna vulnerável — ou, pior, indesejável", completa.

Para a psicanalista, a educação emocional, nesse contexto, é um "antídoto contra o embrutecimento". "Ensinar um menino a dizer que está com medo, que se sentiu rejeitado ou que está com saudade é oferecer a ele liberdade emocional", afirma.

O que é educação emocional e por que ela é importante?

A educação emocional é a habilidade de identificar, compreender, nomear, expressar e regular as próprias emoções — e reconhecer as emoções dos outros com empatia. Inspirada nos estudos de Daniel Goleman, autor de "Inteligência Emocional" (1995), o termo propõe que o sucesso na vida — pessoal, profissional e relacional — está muito mais ligado à nossa capacidade de lidar com os sentimentos e entregar respostas emocionais reguladas/adequadas ao mundo do que à nossa capacidade de racionalização.

"Na prática, a educação emocional nos ensina o que fazer com a raiva, como lidar com o medo, de que forma nos posicionar sem ferir o outro", explica Tomazelli. "Mas não é um ferramental exclusivo de sentimentos 'ruins': também atua na regulação de emoções entendidas como 'boas', para que a alegria, o amor ou o entusiasmo não nos roube o discernimento, por exemplo."

Segundo a psicanalista, trabalhar a educação emocional desde a infância pode melhorar relacionamentos já na vida adulta, evitando comportamentos que podem levar a vínculos frágeis ou tóxicos, como abandono emocional, dependência afetiva, explosões de ciúmes, controle ou ausência de diálogo.

"Comportamentos como ghosting, gaslighting, falta de responsabilização, incapacidade de pedir desculpas ou reconhecer o impacto das próprias ações são, muitas vezes, o resultado de uma infância sem espaço para elaboração emocional", afirma.

"Educar emocionalmente uma criança é, portanto, formar um adulto mais íntegro, mais consciente, menos cruel — com os outros e consigo mesmo", completa.

"Red flags" e irresponsabilidade afetiva estão relacionadas à falta de educação emocional

Recentemente, uma série de relatos de mulheres sobre experiências ruins em relacionamentos, principalmente nos heterossexuais, tem tomado conta das redes sociais. Muitos listam "red flags" (ou "bandeiras vermelhas"), características e personalidades consideradas sinais de alerta para problemas emocionais ou de irresponsabilidade afetiva: incapacidade de conversar sobre sentimentos, de pedir desculpas ou reconhecer erros, falta de empatia com a dor alheia ou reações desproporcionais a críticas e frustrações são alguns exemplos.

"O fenômeno viral das 'red flags masculinas' -- relatos de homens que desaparecem, que não sabem conservar sobre sentimentos, que humilham emocionalmente suas parceiras ou que repetem ciclos de traição e abandono -- é, em grande parte, o sintoma de uma sociedade que ensinou os homens a dominar, não, a sentir", afirma Tomazelli.

Segundo a psicanalista, a irresponsabilidade afetiva vista nessa história é cultural, resultado de uma masculinidade que associa vínculo à fraqueza, cuidado à submissão, escuta à perda de poder.

"Homens que não passaram por uma alfabetização emocional tornam-se muitas vezes sedutores afetivos, mas analfabetos empáticos. São habilidosos em conquistar, mas frágeis em sustentar intimidade", afirma.

Homens já adultos podem ser educados emocionalmente?

A repressão emocional já na vida adulta pode ser revertida, mas ainda é um desafio. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ideia mostrou que 80% dos homens nunca fizeram terapia, apesar de 74% relatarem ansiedade e 83% mencionarem estresse.

"A grande maioria dos homens nunca foi ensinada a expressar emoções com palavras — só com ações (às vezes violentas, às vezes silenciosas). Abrir espaço para esse aprendizado na vida adulta exige coragem, contexto e acesso", analisa.

"Nem todos vão buscar terapia. Mas é possível começar com rodas de conversa entre amigos, leituras, práticas de escuta, grupos de paternidade ativa, oficinas com homens, ou até com influenciadores que tratam desses temas com responsabilidade", orienta.

Empresas que têm investido em programas voltados à saúde emocional masculina relatam impactos positivos. Grupos de escuta, palestras, treinamentos e ações de incentivo ao autocuidado têm melhorado o engajamento e o clima organizacional.

"O mais eficaz é quando eles percebem que a inteligência emocional melhora tudo: o casamento, a paternidade, o trabalho, a saúde mental e até o sono, mas que, também, é sobre abrir mão de pequenos privilégios cotidianos - e, isso, ninguém quer", afirma.

Para especialistas, a transformação depende de um esforço conjunto — de pais, educadores, lideranças e da sociedade como um todo. "A masculinidade do futuro pode, e deve, ser plural, sensível e integral. Criar meninos livres para serem inteiros é abrir caminho para homens livres para serem humanos", finaliza.