Juristas listam exageros em decisões de Moraes contra Bolsonaro

Magistrado determinou uma série de medidas cautelares contra o ex-presidente; ações foram referendadas pela Primeira Turma do STF

Da CNN, São Paulo
Compartilhar matéria

Juristas ouvidos pela CNN criticaram exageros em decisões do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Na última segunda-feira (21), Moraes determinou que a defesa de Bolsonaro explicasse o descumprimento da proibição de usar redes sociais, uma das medidas cautelares impostas ao ex-presidente no âmbito da investigação pelos crimes de coação no curso do processo, obstrução à Justiça e ataque à soberania nacional.

Após os advogados do ex-chefe do Executivo solicitarem explicações sobre a medida, o magistrado reiterou na quinta-feira (24) que Bolsonaro não está proibido de conceder entrevistas aos veículos de imprensa, mas de fazer o uso de redes sociais, de forma direta ou por meio de terceiros.

De acordo com Moraes, a medida cautelar será considerada descumprida caso haja a replicação, por parte de “terceiros”, com conteúdo de Bolsonaro nas redes relacionadas à determinação judicial.

Caio Paiva, professor e ex-defensor público, considera que o parecer trouxe esclarecimentos que poderiam ter sido feitos ainda nas primeiras decisões quanto às medidas cautelares. “Um episódio que deveria ter sido evitado pelo ministro, considerando todo o acompanhamento que há em torno do caso”, destacou.

Paiva, no entanto, considera que o episódio deixou saldo para o STF que não parece positivo, tendo em vista que Moraes considerou que houve descumprimento de medida cautelar, mas decidiu relevar.

O professor chama atenção para um ponto da decisão em que Moraes afirma que se houver novo descumprimento, a prisão preventiva será automática. Segundo ele, porém, o Código de Processo Penal prevê que a medida depende de pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) ou da PF (Polícia Federal).

O advogado criminalista Michel Saliba, por sua vez, considera que, tendo em vista a articulação da família Bolsonaro nos EUA, “deveria interpretar a decisão do modo mais restritivo possível e se dar por satisfeito de não ter sido preso cautelarmente já no primeiro momento”.

"Efeito inibidor"

André Marsiglia, professor de Direito Constitucional, diz que Moraes, ao restringir o uso de redes por Bolsonaro, tenta um efeito inibidor.

"Situação em que a autoridade não censura de forma expressa, mas cria um cenário de intimidação e constrangimento que desestimula o exercício da liberdade de expressão", explica.

"A decisão de Moraes não oferece a Bolsonaro qualquer segurança jurídica para se manifestar. Ao exercer sua liberdade de expressão, não tem como controlar terceiros que venham a repercutir suas falas, ficando à mercê de eventual interpretação do ministro — o que é, de forma evidente, inconstitucional e caracteriza censura indireta", continua.

O que motivou a investigação contra Bolsonaro?

Em 18 de julho, o ministro Alexandre de Moraes autorizou a PF a cumprir mandados de busca e apreensão na casa do ex-presidente e na sede do PL (Partido Liberal), em Brasília.

Bolsonaro é investigado pela PF pelos crimes de coação no curso do processo, obstrução à Justiça e ataque à soberania nacional.

A investigação foi instaurada após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar uma taxa de 50% sobre os produtos brasileiros. No anúncio do "tarifaço", Trump atribuiu a medida, além de uma relação que diz ser injusta com o país, à postura do STF com Bolsonaro, principalmente por parte de Moraes.

Na decisão que determina as cautelares, Moraes justifica que Bolsonaro e o filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), atuaram contra a soberania nacional, para instigar e auxiliar “o governo estrangeiro a prática de atos hostis ao Brasil e à ostensiva tentativa submissão do funcionamento do Supremo Tribunal Federal aos Estados Unidos da América”.

As citações de Trump se referem ao processo que apura uma tentativa de golpe de Estado em 2022, na qual Bolsonaro é réu.

Para o advogado e professor de Direito da UFF (Universidade Federal Fluminense) João Pedro Padua, podem existir controvérsias entre Moraes ser julgador e objeto no processo.

"Então, o enquadramento desse caso nessa hipótese é um enquadramento que, nesse momento, foi decidido como pertinente pelo Supremo Tribunal Federal. Mas eu repito que há pontos aí de controvérsia, de potencial controvérsia, e não se trata aqui só de uma questão moral, assim do tipo: 'Ah, não vamos beneficiar quem fez alguma coisa ruim'. Para isso, existe o crime de ameaça, o crime de injúria, o crime de atentado violento ao Estado Democrático de Direito e outros crimes pelos quais o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu grupo estão sendo acusados", disse.

"O que a gente tá lidando aqui, na questão da suspeição e do impedimento do ministro Alexandre de Moraes e de outros juízes, é com a imparcialidade do órgão julgador. Para isso, a questão não é punir ou não punir o réu pela sua conduta, mas sim garantir que o réu, quando for julgado, vai ser julgado por alguém que não tem uma predisposição contra ou a favor desse mesmo réu", prosseguiu.

"Bastava pegar passaporte"

Além da proibição de uso de redes sociais, Bolsonaro cumpre recolhimento domiciliar entre 19h e 7h, de segunda a sexta-feira, e em tempo integral aos finais de semana e feriados. E também é monitorado por tornozeleira eletrônica, além de não poder manter contato com embaixadores, autoridades estrangeiras e nem se aproximar de sedes de embaixadas e consulados.

questão foi referendada pela maioria da Primeira Turma do STF.

Para o ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello, a imposição de uso de tornozeleira a Bolsonaro é contrário à Presidência da República e bastaria o recolhimento de seu passaporte.

"Eu vejo, por exemplo, a colocação de tornozeleira no ex-presidente Bolsonaro como algo contrário à grande instituição, não contrário a ele, cidadão, mas contrário, principalmente, à grande instituição, que é a Presidência da República", disse Marco Aurélio.

"Onde é periculosidade? Ah, bastaria recolher simplesmente o passaporte, como parece que já foi recolhido, do ex-presidente Bolsonaro. Mas tem-se a utilização de tornozeleira que alcança a dignidade em si da pessoa, que não deixa de ser uma medida cautelar apenadora, já que a liberdade de ir e vir do cidadão fica prejudicada", seguiu.

ex-presidente teve seu passaporte apreendido pela PF em fevereiro de 2024.

Divergência de Fux

A imposição de medidas cautelares foi referendada pela maioria da Primeira Turma do STF. Os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia seguiram o entendimento de Alexandre de Moraes.

Último a votar, o ministro Luiz Fux divergiu. Para ele, neste momento, as medidas cautelares impostas ao ex-presidente não são necessárias.

“Em decorrência dessa constatação, verifico que a amplitude das medidas impostas restringe desproporcionalmente direitos fundamentais, como a liberdade de ir e vir e a liberdade de expressão e comunicação, sem que tenha havido a demonstração contemporânea, concreta e individualizada dos requisitos que legalmente autorizariam a imposição dessas cautelares”, citou o ministro.

“Mesmo para a imposição de cautelares penais diversas da prisão, é indispensável a demonstração concreta da necessidade da medida para a aplicação da lei penal e sua consequente adequação aos fins pretendidos”, finalizou.