Estudo publicado na Science aponta que pandemia de Covid-19 quase não aconteceu

Dois fatores foram cruciais para a proliferação do vírus: má sorte e superlotação do mercado de frutos do mar de Huanan

Maggie Fox, da CNN
Mercado de frutos do mar de Huanan, em Wuhan
Mercado de frutos do mar de Huanan, em Wuhan, que foi fechado após surto de Covid-19  • Foto: China News Service/ Global Times/ Reprodução
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Pesquisadores de diversas universidades dos EUA, que estão estudando quando e como o vírus surgiu pela primeira vez na China, calculam que o primeiro contágio tenha sido no máximo até outubro de 2019 e que poderia não ter havido uma pandemia.

O estudo publicado na Science diz que dois fatores foram cruciais para a sua proliferação: má sorte e superlotação do mercado de frutos do mar de Huanan em Wuhan - o lugar onde a pandemia teoricamente começou.

"Foi uma tempestade perfeita. Se as coisas tivessem sido um pouquinho diferentes, se aquela primeira pessoa que trouxe isso para o mercado de Huanan tivesse decidido não ir naquele dia, ou apenas ficado em casa, isso tudo que estamos vivendo hoje pudesse não ter ocorrido”, disse à CNN Michael Worobey, professor de biologia evolutiva da Universidade do Arizona, um dos participantes do estudo.

A equipe realizou a datação molecular usando a taxa de mutações em andamento para calcular há quanto tempo o vírus existe. Eles também fizeram modelos de computador para mostrar quando e como isso poderia ter se espalhado e, claro, como isso acontecei.

"Nosso estudo foi elaborado para responder à questão de quanto tempo o SARS-CoV-2 pode ter circulado na China antes de ser descoberto", disse Joel Wertheim, professor associado da Divisão de Doenças Infecciosas e Saúde Pública Global da Universidade da Califórnia, Escola de Medicina de San Diego.

Para responder a esta pergunta, combinamos três informações importantes: uma compreensão detalhada de como o SARS-CoV-2 se espalhou em Wuhan antes do bloqueio, a diversidade genética do vírus na China e relatórios dos primeiros casos de Covid-19 na China.

Ao combinar essas linhas de pesquisa, os cientistas foram capazes de colocar como começo da circulação do SARS-CoV-2 o mês de outubro de 2019. "A evidência indica fortemente que o vírus não poderia ter circulado antes disso. Houveram relatos na Itália e em outros países europeus de que o vírus pode ter infectado pessoas lá antes de outubro, mas nosso estudo indica que apenas cerca de uma dúzia de pessoas foram infectadas entre outubro e dezembro”, disse Worobey.

"Diante disso, é difícil conciliar esses baixos níveis do vírus na China com alegações de que houveram infecções na Europa e nos EUA ao mesmo tempo", disse Wertheim em um comunicado. "Eu sou bastante cético em relação às alegações de COVID-19 fora da China naquela época."

O estudo também indica que o vírus surgiu na província chinesa de Hubei e não em outro lugar. "Nossos resultados também refutam as alegações de um grande número de pacientes que necessitaram de hospitalização devido ao COVID-19 na província de Hubei antes de dezembro de 2019", escreveram.

O estudo não mostra qual animal foi a fonte do vírus, mas evidências genéticas mostram que os morcegos carregam um vírus relacionado e também que outro tipo de animal, que tem mais contato com humanos, pode ter transmitido o vírus.

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos rastreiam e relatam regularmente casos de novas cepas de influenza que infectam pessoas que participam de feiras municipais e interagem com porcos, por exemplo. Mas, até agora, nenhuma dessas infecções levou a uma epidemia ou mesmo a um surto.

De acordo com a Universidade Johns Hopkins, foram diagnosticados com covid 121,7 milhões de pessoas e quase 2,7 milhões mortes.

O que se sabe é que é necessário apenas uma pessoa infectada ter contato com outras pessoas - como no caso do mercado de frutos do mar – para o Sars-Cov-2 evoluir. "Se o vírus não tiver a sorte de encontrar essas circunstâncias, mesmo um vírus bem adaptado, pode desaparecer", disse Worobey.

"Isso nos dá alguma perspectiva:  esses eventos provavelmente estão acontecendo com muito mais frequência do que imaginamos. Nós só nunca ouvimos falar deles", disse Worobey. Os modelos que a equipe de pesquisa realizou mostra que o vírus só muta cerca de 30% das vezes que é transmitido. No resto do tempo, os modelos mostram que ele acaba sendo extinto.

"O que pode ter acontecido aqui é que o vírus estava espalhando-se por um número muito baixo de pessoas em outubro, novembro e dezembro e então entrou neste mercado de frutos do mar de Huanan", disse Worobey.

É provável que o mercado não tenha sido o local onde o vírus infectou as pessoas pela primeira vez, mas sim onde foi amplificado. “Dado o pouco tempo de vida que o vírus tinha é notável que ele tenha sido identificado tão rapidamente”, disse Worobey. "Foi muito claro que em dezembro houve um grupo grande o suficiente de pessoas infectadas para que houvesse uma chance de descobrir um novo vírus", disse.

Em janeiro de 2020, ele foi sequenciado e caracterizado. O primeiro vírus da SARS matou em torno de 10% de suas vítimas de 2002 a 2004, antes de ser interrompido por meio de um esforço global conjunto.

"Como comunidade científica, certamente estávamos cientes do potencial pandêmico de um patógeno altamente transmissível e moderadamente virulento. Mas nosso sistema de notificação de doenças depende da detecção de picos de hospitalizações e mortes. Obviamente, isso não foi suficiente para impedir a Covid-19 ", disse Wertheim à CNN.

(Texto traduzido, clique aqui e leia o original em inglês)