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    Você está comendo e inalando plástico sem perceber

    Mais de 1,5 mil espécies de animais sofrem com ingestão de microplásticos; cientistas buscam entender efeitos no corpo humano

    Edison Veiga e Eduardo Geraque, colaboração para a CNN

    Olhe ao seu redor. Das embalagens do delivery à caneta sobre sua mesa, passando por partes do seu celular, é plástico por todo lado. Esse incrível material, feito geralmente a partir de petróleo, além de prático, promove uma sensação de assepsia mais que bem-vinda em tempos pandêmicos.

    Mas há um imenso desafio no uso desvairado do plástico. A maior virtude do material é também seu maior defeito: ele é descartável. E seu descarte é feito de forma incorreta na maior parte do tempo. Falando apenas de Brasil, o quarto maior produtor de lixo plástico no mundo, atrás dos Estados Unidos, China e Índia: são 11,3 milhões de toneladas de plástico produzidas anualmente por aqui, mas apenas 1,28% disso foi reciclado. No mundo, são aproximadamente 400 milhões de toneladas anuais, com reciclagem de menos de 10%.

    Então, é preciso falar sobre os microplásticos, os fragmentos do material que podem ser microscópicos ou chegar a até 5 milímetros. Ingeridas por animais, essas partículas acabam entrando na cadeia alimentar. Desprendidas das embalagens, elas grudam em partículas poluentes. E chegam, claro, ao ser humano. Você pode não perceber, mas está comendo e inalando plástico.

    Não adianta simplesmente vilanizar o plástico. “É um material fantástico. Leve, durável, não sofre influência de microorganismos no curto e médio prazo. Isso o torna ideal para, por exemplo, estocar alimentos”, pontua à CNN o biólogo Magno Botelho Castelo Branco, especialista em ecologia ambiental e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “O advento do plástico também serviu para reduzir a pressão sobre outros recursos naturais, como a madeira e o marfim dos elefantes.”

    Mas cientistas buscam entender agora os efeitos desse material no corpo humano e no meio ambiente. E os primeiros resultados de estudos não são positivos. 

    Humanos plastificados

    Por mais que as estimativas indiquem que uma pessoa possa engolir o equivalente a um cartão de crédito por ano em microplásticos, grande parte disso acaba saindo pelo intestino ou pela uretra. O que não significa que os especialistas em estudos toxicológicos não estejam interessados nos efeitos adversos que as partículas – que podem ser lançadas no meio ambiente a partir dos desgastes dos pneus, por exemplo, ou pelo uso da máquina de lavar – podem ter no corpo humano. Na verdade, as pistas que já existem e mostram uma realidade que merece atenção.

    Idosa recebe carinho de parente com luvas plásticas
    Idosa recebe carinho de parente com luvas plásticas para evitar contágio da Covid-19. Não adianta ‘vilanizar’ o plástico. Ele polui, mas também é útil, especialmente em tempos de pandemia
    Foto: Antonio Masiello/Getty Images

    Estudos atestam cada vez mais como os microplásticos se relacionam, de forma até bastante íntima, com o corpo humano. Dados publicados em várias partes do mundo mostram as partículas presentes na água da torneira, na atmosfera de Londres, no leite materno e na urina dos bebês. 

    No caso das crianças, as pesquisas estimaram que o processo usado para esterilizar as mamadeiras acaba desprendendo milhões de partículas de microplásticos e trilhões de estruturas ainda menores, os chamados nanoplásticos, com dimensões menores do que um fio de cabelo. Os dois tipos de estruturas são engolidas com o leite.

    O sistema respiratório pode ser afetado também. “Sabemos por estudos ocupacionais, em que funcionários são expostos a concentrações de fibras plásticas, que existe nesses casos um efeito deletério sobre a saúde pulmonar”, afirma Luís Fernando Amato-Lourenço, pesquisador ligado à Faculdade de Saúde Pública da USP. A pressão dos plásticos sobre o sistema respiratório dos trabalhadores se revela em manifestações inflamatórias e doenças intersticiais, que afetam o pulmão a ponto de causar falta de ar, tosse e até fibrose do tecido pulmonar.

    O grupo de Amato-Lourenço, liderado pela professora Thais Mauad, acaba de demonstrar, de forma inédita em nível mundial, que os microplásticos podem atingir o tecido pulmonar humano. Micropartículas menores que 16,8 micrômetros (1 micrômetro equivale a 0,001 mm) estavam em 13 das 20 amostras de pulmão, frutos de biópsias realizadas com ex-moradores de São Paulo.  

    Segundo Amato-Lourenço, é importante lembrar que no pulmão os plásticos são duplamente bioresistentes. “As partículas podem ficar presas por um longo período no local. O organismo reconhece o plástico como algo estranho, mas tem dificuldade de se livrar dele. Quanto maior a quantidade inalada, maior tende a ser o problema na saúde”, afirma o pesquisador.

    Além de serem criados pelo desgaste e decomposição das formulações plásticas existentes, os microplásticos podem ser adicionados de forma intencional a produtos da vida cotidiana, como cosméticos e substâncias abrasivas de limpeza, conforme explicou o pesquisador norueguês Dick Vethaak, da Deltares & VU University, em um artigo na Science em fevereiro.

    Essas pequenas partículas plásticas podem ter várias formas, como esferas, fragmentos, fibras, espuma e filmes. “No meio ambiente, o microplástico se liga a outros poluentes também, como compostos orgânicos que saem do escapamento dos veículos, metais pesados, entre outros. Além da partícula de plástico, portanto, nós inalamos também poluentes agregados a ela”, diz Amato-Lourenço.

    Outro avanço científico importante, também perseguido pelos grupos debruçados sobre o tema, é tentar entender até que ponto a dose de microplástico recebida pelo corpo humano pode se transformar em veneno, afirma Dick Vethaak. “Embora se espere que a poluição do plástico e a exposição a partículas de plástico continuem a aumentar globalmente, ainda não sabemos o quanto disso penetra realmente em nossos corpos”, diz o pesquisador radicado em Amsterdam. 

    Ao ser ingerido ou inalado, além de poder ser absorvido por vários órgãos e danificar as células ou deflagrar reações inflamatórias ou imunológicas, as pequenas partículas plásticas podem servir ainda de fonte para outros seres indesejados. “Elas podem abrigar micróbios e germes nocivos para resistência a antibióticos ou liberar compostos químicos, levando-os diretamente para o nosso corpo”, afirma o pesquisador holandês.

    À deriva num mar de plástico

    Em artigo publicado pela revista científica Science Advances em julho de 2017, os pesquisadores Roland Geyer, Jenna R. Jambeck e Kara Lavender Law fizeram a assombrosa soma: no total, o ser humano já produziu 8,3 bilhões de toneladas do material. Em outras palavras, todos os anos a humanidade coloca em circulação mais plástico do que o peso somado de todos os seres humanos vivos juntos. 

    Os cientistas concluíram que desse imenso total, 2,5 bilhões de toneladas correspondem ao plástico em uso — nunca descartados nem reciclados. Quase 5 bilhões foram descartados como lixo. E apenas 600 milhões estão num ciclo de reciclagem, ou seja, depois de inutilizados, voltam como outros produtos. 

    Plástico não é uma coisa só e isto é bastante óbvio. Basta ver a diferença entre uma sacola de mercado, um cano de PVC, o botão da sua camisa e o acetato da armação dos seus óculos. 
    Os tempos de deterioração variam também e as estimativas mais recorrentes calculam que sejam necessários 400 anos, em média, para que o material seja completamente absorvido pela natureza.

    Essa permanência no ambiente leva o plástico a ser ingerido por animais e humanos. Principal autor de um estudo recém-publicado pela revista Science, o biólogo Robson Guimarães dos Santos, professor da Universidade Federal de Alagoas, afirma que já há registros de ingestão de plásticos por mais de 1,5 mil espécies de animais, “de minhocas a elefantes, de zooplânctons a baleias”. “O plástico está contaminando diversos ramos da árvore da vida”, diz ele à CNN. 

    Sacola plástica flutua em meio a cardume de peixes no mar do Egito
    Sacola plástica flutua em meio a cardume de peixes no Mar Vermelho
    Foto: Andrey Nekrasov/Getty Images

    O estudo procurou entender por que os animais acabam ingerindo plástico — e não só o microplástico. “A imagem de uma tartaruga confundindo uma sacola plástica com uma água viva é apenas uma parte da história”, afirma ele, que define a questão como uma “armadilha evolutiva”.

    “Do ponto de vista evolutivo, a aparição do plástico nos ecossistemas se deu de maneira abrupta”, argumenta. “Hoje nós temos um cenário em que existe uma grande abundância de detritos plásticos nos ambientes, sem nenhum valor nutricional, mas que emitem sinais similares aos itens alimentares. Isso desencadeia a ingestão do plástico, que é uma resposta comportamental moldada pela evolução”.

    O alerta está dado. “Como nós não podemos contar que as espécies desenvolvam a habilidade de evitar o plástico, a única saída para desarmar esta armadilha é a intervenção humana, que deve ser focada na redução da poluição por plástico”, acredita Santos. 

    Em busca de alternativas

    Não existe solução mágica para esse problema criado pela humanidade. A única maneira comprovada de fazer esse material desaparecer é incinerá-lo — uma alternativa igualmente danosa ao meio ambiente.”Com exceção do plástico que foi incinerado, o que causa uma série de problemas de saúde e ambientais, é bem possível que a maior parte de todo o plástico produzido até hoje ainda esteja presente no ambiente, seja na forma de macro, micro ou nanoplástico, estando depositados nos ambientes terrestres e aquáticos, circulando na atmosfera ou no interior dos mais variados organismos, incluindo nós, seres humanos”, diz Santos, da Universidade Federal de Alagoas.

    O biólogo Castelo Branco avalia que sejam necessárias três frentes para diminuir o tamanho do problema. Primeiro, “reduzir ao máximo a quantidade de plástico de uso único no nosso cotidiano, como embalagens e outros”. Além disso, “fortalecer a coleta e reciclagem de plástico ao mesmo tempo em que se desestimula o descarte inadequado”. Por fim, tecnologia: “investir em pesquisas que criem materiais com propriedades mecânicas similares, mas que tenham tempo de degradação reduzido”.

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