"Dragão marinho" pré-histórico caçava em silêncio e tinha olhos gigantes
Carne fossilizada descoberta pela primeira vez em um ictiossauro gigante revela uma vantagem evolutiva que o tornava acusticamente “invisível”

Répteis adaptados à vida aquática, os ictiossauros formaram um grupo de répteis marinhos que antecederam e depois conviveram com os dinossauros durante os períodos Triássico e Jurássico. Parecidos com os golfinhos atuais, esses predadores dos mares mesozoicos podiam ultrapassar 10 metros de comprimento.
Relativamente raros no registro fóssil, os chamados “dragões do mar” nos deixaram pistas sobre a anatomia e a biologia de espécimes pequenos e médios comedores de peixes, lulas e polvos. No entanto, não temos praticamente nenhuma evidência dos ictiossauros gigantes, superpredadores dos oceanos.
Por isso, foi com imensa surpresa que o colecionador de fósseis Georg Göltz descobriu, totalmente por acaso, a nadadeira frontal inteira, com um metro de comprimento, de ictiossauro gigante — um Temnodontosaurus —, com tecidos moles fossilizados preservados de uma forma rara e especial.
Publicado recentemente na revista Nature, o estudo destaca a raridade extrema do achado, pois esse material, que quase nunca se fossiliza (pois apodrece antes), permite um vislumbre da anatomia real dos ictiossauros, não só de seu esqueleto, como também de suas partes “carnudas”.
Em entrevista à IFLScience, o coautor Dean Lomax, da Universidade de Manchester, disse que os detalhes, “não apenas da pele, mas o padrão listrado, a incrível forma de asa e aquelas estruturas 'semelhantes a espinhos', revelam características que nenhum outro ser humano havia visto antes”.
Uma vantagem evolutiva do ictiossauro

Em um comunicado, o primeiro autor do estudo, Johan Lindgren, pioneiro em tecidos moles de répteis marinhos, explica que a nadadeira em forma de asa, com bordas serrilhadas e pontas flexíveis permitia uma natação silenciosa — parecida com o padrão em ziguezague das asas das corujas atuais, que voam em silêncio.
Além de ser inédita por revelar os primeiros tecidos moles de um ictiossauro gigante, a pesquisa também apresentou uma novidade evolutiva jamais observada em criaturas aquáticas, vivas ou extintas: estruturas mineralizadas em forma de bastonete na nadadeira, que os autores batizaram de “condrodermos”.
Além dessa organização estratégica da cartilagem na pele, o dragão possuía os maiores olhos conhecidos entre vertebrados — equivalentes a bolas de futebol — reforçando a hipótese de que esse réptil aquático caçava em ambientes de baixa luminosidade, seja durante a noite ou em águas profundas.
Göltz, que também é coautor do estudo atual, descobriu a nadadeira quando procurava fósseis expostos na camada geológica de uma rocha cortada na construção de uma estrada em Dotternhausen, na Alemanha. O fóssil apresentava a parte e sua contraparte “sanduichadas” entre as camadas de rocha.
Em seguida, o colecionador procurou a expertise do paleontólogo (e também coautor) Sven Sachs, do Museu de História Natural de Bielefeld, na Alemanha, que imediatamente reconheceu a raridade da descoberta. Como a parte superior da nadadeira está faltando, a equipe pensa que ela foi arrancada por um exemplar maior.
Quais as implicações das revelações sobre o ictiossauro?

Para analisar as estruturas fossilizadas, uma equipe multidisciplinar de paleontólogos, engenheiros, biólogos e físicos realizou análises elementares e moleculares de imagem. Eles usaram técnicas como microtomografia síncrotron, espectrometria de massa e microespectroscopia infravermelha.
Depois, criaram um modelo 3D digital da nadadeira fossilizada, e, por meio da dinâmica de fluidos computacional, um software que simula água fluindo ao redor do modelo, reconstruíram as capacidades furtivas de um animal extinto há milhões de anos, “um feito científico notável” segundo Lindgren.
Isso porque, além de revelar informações inéditas sobre tecidos moles das nadadeiras desse “leviatã” gigante, afirmam os autores, o fóssil fornece evidências comportamentais únicas sobre estratégias de caça, combinando uma anatomia com implicações ecológicas inovadoras para a paleobiologia.
Levando em conta o impacto negativo da poluição sonora marinha, o paleontólogo diz que “nossas descobertas podem servir de inspiração para ajudar a limitar os efeitos biológicos adversos do impacto antropogênico sobre a paisagem sonora marinha moderna”.
Para Lomax, a descoberta vai além das expectativas científicas: “Embora eu possa ser um pouco tendencioso, na minha opinião, esta representa uma das maiores descobertas fósseis já feitas”, ou seja, um fóssil que revela anatomia, comportamento e ainda oferece soluções tecnológicas.