Inteligência artificial: escolas americanas estão ensinando alunos a usar o ChatGPT
Segundo educadores, como o uso de ferramentas de inteligência artificial é inevitável, o melhor é saber aproveitá-las com inteligência
Quando o administrador de faculdade Lance Eaton criou uma planilha de trabalho sobre as políticas generativas de inteligência artificial (IA) adotadas pelas universidades no semestre passado, ele basicamente só compilou dicas sobre como banir ferramentas como o ChatGPT.
Mas agora a lista é bem diferente: as escolas passaram a encorajar e até a ensinar os alunos como usar melhor essas ferramentas.
“Antes, tínhamos uma reação instintiva à IA e iríamos bani-la no semestre, mas depois pensamos nas razões de os alunos precisarem dela”, contou Eaton, que trabalha na organização College Unbound, em Rhode Island.
Do mesmo modo, ele disse que sua lista ainda é objeto de discussão e costuma ser compartilhada em grupos populares do Facebook focados em IA, como o Higher Ed Discussions of Writing and AI (Discussões sobre Escrita e IA na Alta Educação) e o grupo do Google AI in Education (IA na Educação).
Adaptação
“O trabalho vem ajudando os educadores a ver como os colegas estão se adaptando e enquadrando a IA na sala de aula”, contou Eaton. “A IA ainda vai soar desconfortável, mas agora os profissionais podem olhar e ver como uma universidade ou uma série de cursos diferentes, da codificação à sociologia, estão trabalhando com ela”.
Desde sua disponibilização para o público, no fim de novembro de 2022, o ChatGPT passou a ser usado para gerar ensaios, artigos, histórias e letras de músicas em resposta às solicitações do usuário.
A ferramenta “elaborou” sumários de trabalhos de pesquisa que enganaram alguns cientistas e “passou” em exames em conceituadas universidades. O ChatGPT e ferramentas semelhantes, como o Bard do Google, são treinados em grandes quantidades de dados online a fim de gerar respostas aos prompts do usuário.
Mesmo com muita popularidade, as ferramentas também levantaram algumas preocupações sobre imprecisões, trapaças, disseminação de desinformação e potencial para perpetuar vieses e preconceitos.
Alunos já usam ChatGPT
Um estudo realizado pelo grupo de pesquisa do ensino superior Intelligent.com, cerca de 30% dos estudantes universitários norte-americanos utilizaram o ChatGPT para trabalhos escolares no último ano letivo.
Jules White, professor associado de ciência da computação na Universidade Vanderbilt, acredita que os professores devem ser explícitos nos primeiros dias de aula sobre a postura do curso sobre o uso da inteligência artificial e que esse ponto deve ser incluído no currículo.
“Não dá para ignorar”, afirmou. “Acho tremendamente importante que estudantes, professores e ex-alunos se tornem especialistas em IA, porque ela será muito transformadora em todos os setores em demanda. Dessa forma, precisamos fornecer o treinamento certo”.
A Vanderbilt está entre as primeiras universidades de ponta a assumir uma posição de forte apoio à IA generativa, oferecendo treinamento e workshops em toda a universidade para professores e alunos.
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Desafios
Um curso online de White, que tem duração de três semanas e 18 horas/aula, recentemente foi assistido por mais de 90 mil alunos. Seu artigo sobre as melhores práticas de “engenharia de prompt” é fonte de pesquisa entre acadêmicos.
“O maior desafio é com a forma como você enquadra as instruções, ou ‘prompts’”, avaliou. “Há um impacto profundo na qualidade da resposta e perguntar a mesma coisa de várias maneiras pode gerar resultados muitíssimo diferentes. Queremos ter certeza de que nossa comunidade saiba como aproveitar isso de forma eficaz”, finalizou
Empregos de engenharia de prompt, que normalmente exigem experiência básica de programação, podem pagar até US$ 300 mil (cerca de R$ 1,5 milhão) por ano.
Apesar de o professor White afirmar que as preocupações sobre trapaça ainda existam, ele acredita que os alunos que querem plagiar ainda podem procurar outros métodos, como a Wikipédia ou as pesquisas do Google. O que eles devem aprender, finalmente, é que, se usarem a IA de forma inteligente, apresentarão melhores resultados.
Inteligência artificial na sala de aula
A professora de comunicação Diane Gayeski disse que planeja incorporar o ChatGPT e outras ferramentas em seu currículo no próximo semestre.
Ela pediu aos alunos que colaborassem com a ferramenta para apresentar perguntas de entrevista para tarefas. Entre elas, escrever posts nas redes sociais e criticar o resultado com base nos prompts fornecidos.
“Meu trabalho é preparar os alunos para relações públicas e gerenciamento de comunicação e mídia social. Pessoas dessas áreas já estão usando ferramentas de IA como parte de seu trabalho diário para serem mais eficientes”, afirmou. “Preciso ter certeza de que eles entendem como a tecnologia funciona, e que eles sempre citem quando o ChatGPT está sendo usado.”
Gayeski acrescentou que, com transparência, ninguém deve ter vergonha em adotar a tecnologia.
Contratação de especialistas
Algumas escolas estão contratando especialistas externos para ensinar professores e alunos sobre como usar ferramentas de inteligência artificial.
Tyler Tarver, ex-diretor do ensino médio que agora ensina educadores sobre estratégias de tecnologia, disse que deu mais de 50 palestras sobre o tema nos últimos meses. Ele também oferece um treinamento online de três horas para educadores.
“Os professores precisam aprender a usar a IA, Mesmo que eles nunca a usem, seus alunos irão utilizá-la”, explicou.
Tarver disse que ensina aos estudantes, por exemplo, como as ferramentas podem detectar erros gramaticais. Mostrou também como os professores podem usá-las para dar as notas. “Assim podemos reduzir o viés do professor”, disse Tarver.
Ele argumenta que os professores podem classificar os alunos sempre de uma certa maneira. Mesmo que eles apresentem evolução ao longo do tempo.
Ao executar uma tarefa por meio do ChatGPT e pedir para a ferramenta classificar a estrutura da frase em uma escala de um a dez, a resposta poderia “servir como um segundo olhar para garantir que o professor não está perdendo nada”, explicou o professor e palestrante.
“A ferramenta, portanto, não deve dar a nota final. Professores também não podem usá-la para enganar ou cortar caminho, e sim para ajudar a informar a classificação”, disse.
“Em síntese, vivemos um momento como aquele da invenção do automóvel. Ninguém quer ser a última pessoa a andar a cavalo ou carroça.”