Marte na Terra: conheça o lugar que mais se parece ao planeta vermelho
Considerado um dos locais mais secos da Terra, o deserto do Atacama tem paisagens semelhantes as retratadas em Marte, mas também conta com muita beleza e cor
Deserto do Atacama tem paisagens semelhantes as retratadas em Marte pela NASA (Foto: Getty Images)
Por Mark Johanson, CNN
(CNN) Imagens extraordinárias de Marte, captadas pelo rover Perseverance, movimentaram a internet desde que o robô de alta tecnologia da NASA pousou no planeta vermelho em 18 de fevereiro. As fotos, postadas no site da NASA, retratam uma paisagem seca de solo laranja-amarronzado sem vida, com colinas rochosas e escarpadas serpenteando no horizonte.
Embora, decididamente, sejam de outro mundo, também há algo surpreendentemente familiar nessas imagens. Talvez seja porque elas se parecem muito com um lugar aqui na Terra, um deserto remoto no Chile, que a própria NASA investiu tempo e dinheiro explorando.
“Pode-se questionar se os Vales Secos da Antártica ou a parte centro-norte do Atacama são os lugares mais secos da Terra, mas algumas partes do Atacama só recebem chuva a cada 20 ou até 100 anos”, diz Brian Glass, principal pesquisador do Atacama Rover Astrobiology Drilling Studies (ARADS; 2016-2019), que usou o deserto de Atacama para testar ferramentas e técnicas para futuras missões a Marte.
Como o Atacama é um lugar morto e desolado, a NASA passou a vê-lo como o análogo perfeito de Marte na Terra, testando rovers com certa regularidade desde 1997. Estes últimos usaram instrumentos de protótipo para tentar detectar vida, “porque se não pudermos fazer isso em um dos lugares mais mortos da Terra, não temos porquê levá-lo a Marte”, explica Glass.
O Atacama é uma fina faixa desértica de 1.600 quilômetros na metade norte do Chile, entre o Oceano Pacífico, a oeste, e os Andes, a leste. Glass diz que, para entender o quão sem vida são certas partes, podemos pensar em termos do sinal orgânico (ou seja, vida) no ruído de fundo.
“O sinal, mesmo em Mojave [deserto no sudoeste dos Estados Unidos] e em partes remotas do continente americano, ainda é muito forte”, diz ele. “Ainda é possível de se ver arbustos, cactos, microrganismos, escorpiões, insetos; ainda existe um ecossistema”. Em contraste, no hiperárido Atacama, “você pode literalmente cair, cortar o braço em uma pedra e não se preocupar em pegar uma infecção porque não há patógenos locais”, disse ele.
Como é visitar um lugar que a NASA compara a Marte na Terra? Como Marte, o Atacama tem uma topografia extrema com vastas salinas e vulcões imponentes, incluindo um que está ativo e é o mais alto da Terra. Lá também há um dos céus mais escuros do nosso planeta e é onde ficam as maiores instalações astronômicas.
Com o Chile vacinando a sua população mais rápido do que em qualquer outro lugar nas Américas (incluindo os Estados Unidos), o Atacama provavelmente será um dos primeiros lugares na região a receber visitantes internacionais. Portanto, se essas imagens dramáticas do Perseverance despertaram um novo interesse em Marte, o melhor que se pode fazer está a um voo terrestre de distância.
O lugar mais seco da Terra? Quando os cientistas chamam o Atacama de o lugar não polar mais árido da Terra, é de lugares como Yungay que eles falam. Este deserto remoto, a cerca de 88 quilômetros da cidade de Antofagasta, é onde a NASA conduz muitas de suas pesquisas. “Yungay está em um longo vale com colinas erodidas pelo vento em ambos os lados”, diz Glass. “É muito marrom e muito estéril; não há sinais de nada vivo”.
Há, ironicamente, uma escultura de 10 metros de altura de uma mão abrindo caminho pelo deserto próximo. Conhecida como Mano del Desierto (Mão do Deserto), foi colocada perto de Yungay, em 1992, pelo artista chileno Mario Irarrázabal, muito antes da área ser considerada um lugar onde a NASA um dia buscaria por sinais de vida escondidos sob a superfície.
Embora Yungay fosse considerado o lugar mais seco do Atacama, pesquisas recentes indicam que o título poderia pertencer a comuna María Elena Sur, que fica perto de um povoado mineiro de salitre, cerca de 270 quilômetros ao norte.
Nenhum dos locais oferece instalações ou atrações turísticas, mas são pontos-chave para apreciar o vazio do Atacama e seus paralelos com Marte, especialmente porque os Vales Secos McMurdo da Antártica (que muitos cientistas acreditam ser ainda mais secos) são excepcionalmente difíceis de chegar.
Vulcões e gêiseres. Marte abriga o vulcão mais alto de nosso sistema solar, Olympus Mons, enquanto Atacama abriga o vulcão ativo mais alto da Terra, Ojos del Salado. Essa montanha marrom-acinzentada se eleva a 6.893 metros acima do nível do mar e é o segundo pico mais alto do Hemisfério Ocidental, depois do Aconcágua, na Argentina.
No entanto, os superlativos não param por aí. Acredita-se que seu lago permanente na cratera seja o maior corpo de água do mundo. “A aparência deste impressionante vulcão em uma área cercada por outros vulcões altos a mais de 6 mil metros faz você se sentir muito pequeno”, diz Ercio Mettifogo, que dirige a operadora de turismo de aventura local Puna de Atacama.
Ojos del Salado não exige uma subida muito técnica, embora a altitude extrema, ventos fortes (até 120 km/h) e temperaturas congelantes (abaixo de -29º C) certamente a tornem um desafio. A maioria das subidas ao cume ocorre entre novembro e abril, em expedições de 8 dias para especialistas e 12 dias para montanhistas amadores.
O Altiplano do Atacama é frequentemente comparado ao planalto tibetano, e a região perto de Ojos del Salado abriga cerca de 17 montanhas acima de 6 mil metros, diz Mettifogo, tornando-o um centro para viagens de aventura.
Mais ao norte, perto da cidade turística de San Pedro de Atacama, está outra maravilha geotérmica do deserto: El Tatio, um mini-Yellowstone com 80 gêiseres borbulhantes e aberturas ainda mais efervescentes. Com um panorama de vulcões cobertos de neve, El Tatio é o maior campo de gêiseres do hemisfério sul e o mais alto da Terra, com 4.319 metros acima do nível do mar.
Salinas e flamingos
Grande parte do Atacama pode parecer tão morto quanto Marte, mas o deserto explode em cores em torno de suas espetaculares salinas, cujas águas salgadas abrigam uma grande variedade de vida, incluindo flamingos.
Lá se encontra o raro flamingo andino, que tem pernas amarelas e asas com pontas pretas, e o flamingo-de-james, um pouco menor, que tem pernas vermelho-tijolo e bico amarelo brilhante. Há também o flamingo mais rosa de todos: o flamingo chileno, que, apesar do nome, é o mais comum na América do Sul, encontrado da Argentina ao Equador.
Essas aves fofas e rosadas são mais facilmente vistas em parques nos altos andinos, como a Reserva Nacional Los Flamencos, perto de San Pedro, e o Parque Nacional Nevado Tres Cruces, perto da cidade de Copiapó.
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“As salinas também são famosas por suas lagoas multicoloridas”, diz Gabriel Rojas, do Turismo Atacamensis, que leva os visitantes para nadar na lagoa turquesa do Salar de Pedernales, ao norte do Parque Nacional Nevado Tres Cruces. Pedernales também tem piscinas vermelho-sangue, azul-marinho e verde-esmeralda, todas conectadas por uma trilha de caminhada de 3 quilômetros que Rojas construiu com seu irmão.
Alguns cientistas acreditam que, se vamos encontrar sinais de vida em Marte, será em seus lagos de sal históricos, que se formaram em lugares como a cratera Gale e são notavelmente semelhantes aos encontrados no Altiplano da América do Sul.
O céu mais claro do mundo. O deserto do Atacama não é apenas um local de teste da NASA para futuras missões a Marte, é também o mesmo local de onde algumas das observações planetárias mais avançadas são feitas aqui na Terra.
O norte do Chile abriga cerca de 70% da infraestrutura mundial de astronomia terrestre. Os maiores projetos da década de 2020, incluindo o Telescópio Gigante de Magalhães e o Telescópio Extremamente Grande, serão erguidos em colinas áridas do deserto nos próximos anos.
“Quando chega a noite, o silêncio e a escuridão produzidos pela ausência das grandes cidades – e seu ruído e poluição luminosa – tornam-se como uma escada para o céu que dá a sensação de poder tocar o cosmos com as mãos”, diz Cristóbal Vergara, fundador do Turismo Tembeta, que realiza tours de observação das estrelas a partir da cidade de La Serena.
O Vale de Elqui, no extremo sul do deserto do Atacama, tornou-se um importante centro não apenas para cientistas, mas também para os fãs da observação das estrelas.
“A cadeia montanhosa costeira retém a maior parte da neblina proveniente do Pacífico, permitindo pouca cobertura de nuvens e céu limpo quase constante aqui”, diz Vergara sobre as condições, observando que você pode simplesmente deitar no solo cheio de quartzo com uma manta uma vez que o sol se põe.
Para algo mais profissional, há quase uma dúzia de observatórios perto do centro turístico de Vicuña, abertos aos astro-turistas que desejam ver o céu de Jackson Pollock de perto. Várias das instalações baseadas em pesquisa, incluindo Gemini South, Cerro Tololo, La Silla e Las Campanas, também estão abertas nos fins de semana para visitas guiadas.
O Vale de Elqui foi nomeado o primeiro Santuário Internacional de Céu Escuro do mundo em 2015. Essa designação levou a um boom de acomodações com telhados transparentes para que você possa dormir confortavelmente sob um prado de estrelas.
Vergara diz que a melhor parte de observar as estrelas aqui é que você está “no mesmo lugar onde grandes explorações, avanços em tecnologia e novas descobertas astronômicas acontecem todos os dias que podem ajudar o futuro da humanidade”.
O Atacama pode não ser tão frio, severo ou estranho como Marte, mas é o mais próximo que temos do planeta vermelho na Terra. Visitá-lo é experimentar a incrível sensação de como seria viajar para fora deste mundo.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).