Há 30 anos: relembre o programa do carro popular no Brasil, que trouxe o “Fusca Itamar”
Segundo pesquisa feita pela Anfavea, ajustado para preços de hoje, o popular lançado por Itamar custaria R$ 80 mil
Não é de hoje que a ideia do carro popular faz parte do imaginário brasileiro. Em 1993, o então presidente Itamar Franco lançava um programa de incentivo à indústria automobilística, deixando claro desde sua comunicação que se tratava de um projeto para popularizar o automóvel no Brasil.
Passados 30 anos, o atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) planeja lançar um novo incentivo à indústria, acenando mais uma vez para um retorno do segmento do “carro popular”. Assim como em 1993, para colocar em prática, o governo pretende se movimentar através dos impostos.
Sendo assim, o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, anunciou que carros de até R$ 120 mil comercializados no Brasil terão descontos em impostos federais.
O benefício deve incluir redução de PIS, Cofins e IPI, envolvendo, ao todo, 33 modelos de 11 marcas. A medida implicará redução de até 10,96% sobre o valor de mercado dos veículos.
Segundo especialistas, a indústria automobilística no Brasil vislumbrou incentivos ao longo de sua história e lembram, principalmente, o governo de Juscelino Kubitschek, que ficou conhecido pelas medidas e apoios à indústria brasileira de veículos.
No entanto, para Vinícius Müller, doutor em História Econômica e professor do Insper, o plano mais passível de comparações com a ideia do atual governo é de Itamar Franco.
Em 1993, o plano do governo atuou em duas frentes. Primeiro, estabeleceu a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos de mil cilindradas. Em paralelo, trouxe o relançamento do Fusca pela Volkswagen, através da Autolatina, uma joint venture formada entre Ford e Volkswagen presente nos mercados brasileiro e argentino entre 1987 e 1996.
Em 1990 e 1991, antes da criação do carro popular, a alíquota do IPI do carro 1.0 era de 20%. Em 1992, o tributo foi cortado para 14%. Já com o lançamento do conceito de carro popular, em 1993, o imposto foi para 0,1%, prevalecendo assim até 1994.
A redução surtiu grande efeito, segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Em 1990, os automóveis novos de motor 1.0 representavam 4,3% do mercado de licenciamentos. Em 1992, ano anterior ao programa, a participação aumentou para 15,5%.
Já em 1993, este percentual saltou para 26,7% de participação deste segmento no mercado. E, em 1994, ano seguinte ao projeto do carro popular, os veículos de 1000 cilindradas eram 39,7% dos licenciamentos de automóveis novos no país.
Fusca Itamar
A segunda medida teve grande apelo simbólico por se tratar de um modelo estabelecido no Brasil e que, por si só, já trazia a ideia do carro popular, segundo avaliação de Vinícius Müller.
Em agosto de 1993, o presidente brasileiro foi até a fábrica da VW em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, para reinaugurar a linha de montagem do Fusca. Lá, foi produzido o modelo que ficou conhecido como “Fusca Itamar”, básico com motor 1600 cilindradas, movido a álcool.
“O que nós queremos é que o Brasil tenha seu carro popular e esse carro popular significa hoje, através do Fusca, um símbolo. Esperamos, evidentemente, que ele possa ser acessível às classes mais populares do país”, disse Itamar durante o evento de relançamento do automóvel em São Paulo.
No entanto, até mesmo um dos veículos mais populares do Brasil não teria um preço acessível atualmente, segundo pesquisa feita pela Anfavea: o modelo lançado por Itamar custaria cerca de R$ 80 mil, com o valor ajustado pelo IGP-M.
Um fato curioso é que, naquela mesma fábrica, em 1959, o ex-presidente Juscelino Kubitschek participava da inauguração da Volkswagen no Brasil, dando início também à produção do Fusca nacional.
Assim como Kubitschek, Itamar desfilou em um fusca conversível e cumprimentou os funcionários quando reinaugurou a linha de produção do Fusca.
Ao lembrar de Kubitschek, Müller explica que a menção é válida, mas que em sua época, a ideia não tinha o mesmo apelo do carro popular, como foi no governo de Itamar Franco.
“Quando você lembra do Juscelino faz sentido, mas não porque ele fez uma política do carro popular, ou um incentivo. É por ter sido ele quem abriu o país e negociou a entrada das empresas e indústria automobilística multinacional. Por isso lembramos dele quando falamos em produção e mercado de automóveis”, afirma.
O professor complementa ainda dizendo que se tratava de um contexto “muito diferente”, sendo o momento da chegada da indústria automobilística e período de desenvolvimento da indústria brasileira.
“Na década de 1930 e 1940, houve um processo de crescimento da indústria de base no Brasil com a Petrobras, a CNS, Vale do Rio Doce, enfim. Quando Juscelino assumiu, o momento era de fato de consolidação e avanço de uma indústria de bens duráveis, eletrodomésticos, automóveis, muito vinculadas à um tipo de consumo entendido como mais moderno, um padrão norte-americano, e também que acompanharia o crescimento da classe média”.
Quando Itamar trouxe sua política nos anos de 1990, o professor avalia que, apesar de o automóvel ser um bem ainda com grande apelo por parte dos consumidores, a proposta já era entendida na época como uma medida que traria impactos no curto prazo, mas que em seguida mostraria seus limites.
“No fundo não era essa o tipo de política industrial que precisávamos. Era necessário uma indústria mais competitiva, mais tecnológica, mais produtiva. Por isso que a medida dele foi entendida muito da perspectiva populista, mais para fazer um tipo de impacto para que desse a ele uma popularidade ou que construísse uma certa euforia por parte da sociedade brasileira”, considera o professor do Insper.
Programa atual
Ainda sem ser apresentado formalmente, o programa que vem sendo planejado pelo governo tem ganhando mais detalhes. Segundo fontes da CNN, o programa de incentivo à compra de automóveis com preço final de até R$ 120 mil deve ter duração de quatro meses e gasto estimado em R$ 500 milhões.
Na quinta-feira (1°), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) validou a fonte de financiamento proposta para colocar em pé o programa.
“Nós redesenhamos o programa e submetemos ao presidente Lula hoje. Ele validou o programa e, agora, tramita aqui no Ministério do Desenvolvimento e na Fazenda para chegar à Casa Civil. Espero que a gente consiga fazer chegar amanhã e, ele [Lula] vê o dia de assinar a medida”, falou o ministro da Fazenda.
Especialistas ouvidos pela CNN avaliam que o Congresso Federal deve aprovar o texto devido ao tema de interesse público e pela popularidade do assunto.
*com informações de Daniel Rittner, Diego Mendes e Agência Senado.