Américo Martins
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Américo Martins

Especialista em jornalismo internacional e fascinado pelo mundo desde sempre, foi diretor da BBC de Londres e VP de Conteúdo da CNN; já visitou mais de 70 países

À CNN, Krugman diz que Trump ataca a democracia no Brasil

Em entrevista exclusiva, Prêmio Nobel de Economia diz que ameaças de impor tarifas contra produtos brasileiros são ilegais e voltou a defender o impeachment do presidente americano

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O Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman afirmou, em entrevista exclusiva à CNN Brasil, que as ações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, são um ataque contra a democracia brasileira e configuram uma grave violação das leis nacionais e internacionais.

Krugman também reafirmou que o uso de tarifas como instrumento de pressão política externa, como Trump agora faz contra o Brasil, deveria levar ao impeachment do líder americano.

“Os Estados Unidos assinaram muitos acordos comerciais. O Brasil faz parte desses acordos. Eles não são apenas promessas vazias. São leis”, disse o economista, em crítica direta à decisão de Trump de anunciar um aumento de 50% sobre todas as importações brasileiras.

“Tivemos o presidente dos Estados Unidos fazendo algo completamente ilegítimo, sem qualquer justificativa econômica, apenas para interferir na política interna de outro país”,
declarou ele.

Krugman afirmou que se algum outro país tentasse fazer algo semelhante contra os Estados Unidos, isso seria considerado “uma declaração de guerra”. Ele acrescentou: “E aqui temos o presidente dos Estados Unidos fazendo exatamente isso com o Brasil.”

Para o ganhador do Nobel, a tentativa de Trump de condicionar as relações comerciais ao fim dos processos judiciais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro é uma ameaça inaceitável à soberania do Brasil e ao funcionamento das instituições democráticas.

“Do meu ponto de vista, Bolsonaro se parece muito com o Trump. Perdeu uma eleição, se recusou a admitir e tentou anular o resultado”, analisou.

O economista defendeu uma resposta firme por parte do governo brasileiro, e elogiou a opção por tarifas recíprocas como um instrumento legítimo de reação. Segundo ele, essa estratégia pode funcionar especialmente bem no caso do Brasil.

“Isso, na verdade, vai prejudicar os Estados Unidos. Esse tiro sai pela culatra imediatamente. Eu vou pagar um preço por isso todas as manhãs, na forma de uma xícara de café mais cara”, disse. “E acontece que o Brasil é um dos poucos países que importa mais dos Estados Unidos do que exporta. Então uma tarifa recíproca vai irritar diretamente a indústria americana.”

Questionado sobre a possibilidade de o Brasil negociar com Trump em vez de retaliar, Krugman foi categórico:

“Acho que não há espaço para isso. Todas as instituições que tentaram apaziguar Trump com concessões descobriram que não conseguem um acordo. Trump não faz acordos. Trump faz exigências. Se você cede, ele vê isso como fraqueza e faz novas exigências. A história não tem fim…”

Na avaliação de Krugman, a postura de confronto de Trump não é apenas uma ameaça ao Brasil, mas ao próprio sistema multilateral de comércio e ao Estado de Direito internacional. “Isso é extremo. É uma violação da lei nacional. É uma violação da lei internacional”, concluiu.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista exclusiva de Krugman:

CNN Brasil-O senhor gerou muita repercussão no Brasil com sua postagem pedindo o impeachment do presidente Trump. Por que o senhor defende o impeachment?

Paul Krugman-Há, sabe, pelo menos dez razões pelas quais Trump deveria sofrer impeachment. Então, este é provavelmente o número dez da lista. Os Estados Unidos assinaram muitos acordos comerciais. O Brasil faz parte desses acordos.

Eles não são apenas promessas vazias. São leis. E tivemos o presidente dos Estados Unidos fazendo algo completamente ilegítimo. Que não é simplesmente impor uma tarifa sem qualquer justificativa econômica, mas fazê-lo explicitamente para interferir na política interna de outro país.

Sabe, se alguém, se algum, outro país… se a China tentasse cortar as exportações dos EUA ou, no caso da China, se a China dissesse: “Vamos negar a vocês matérias-primas cruciais, a menos que parem de processar pessoas de quem gostamos”, se eles exigissem que mudássemos nossa própria política interna em resposta às demandas chinesas sob ameaça econômica, consideraríamos isso essencialmente um ato de guerra.

E aqui temos o presidente dos Estados Unidos dizendo: “estou impondo uma tarifa enorme, a maior tarifa com a qual alguém está sendo ameaçado, ao Brasil”, sem praticamente nenhuma tentativa de justificar economicamente. “A questão é que vocês precisam parar de pressionar o (ex-presidente Jair) Bolsonaro”.

Do meu ponto de vista, Bolsonaro se parece muito com o Trump. Ele perdeu uma eleição, se recusou a admitir e tentou anular o resultado. Mas você nem precisa chegar a uma conclusão sobre isso para simplesmente dizer que este não é um uso legítimo da autoridade tarifária do presidente.

 

Isso é extremo. É uma violação do direito interno. É uma violação do direito internacional. Isto é... Eu digo que deveria ser a notícia número um do dia, exceto que há tantas outras coisas terríveis acontecendo.

O presidente dos EUA, Donald Trump, e o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro • Agência Brasil — Alan Santos–PR
O presidente dos EUA, Donald Trump, e o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro • Agência Brasil — Alan Santos–PR

CNN Brasil-Então, na sua opinião, isso foi absolutamente uma violação da soberania brasileira.

Krugman-Ah, sim! Nós temos acordos comerciais. Acordos comerciais são sobre comércio e práticas econômicas, e ponto final. É aí que eles param. Esperava-se que os acordos comerciais fossem úteis, que servissem à causa da paz e da democracia. Mas os acordos são sobre comércio.

É uma violação completa de tudo o que já concordamos. É uma violação completa da lei, do espírito da lei, tentar interferir na política de outro país. E é especialmente ruim porque o que Trump está dizendo é: “sem penalidades para quem tenta derrubar uma democracia”.

CNN Brasil-E foi uma atitude deliberada para destacar que ele não respeita as leis internacionais, os acordos, até mesmo a lei americana?

Krugman-Bem, tudo o que ele tem feito mostra que ele não respeita esses acordos. Não parece que houve um processo político. Isso foi apenas o Trump desabafando. Mas também, além de tudo o mais, como eu disse, não é apenas extremamente errado. Também é loucura. É megalomania. Quer dizer, os Estados Unidos são um país muito grande.

É um mercado muito grande. Os países se importam com o que fazemos, mas o Brasil também é um país muito grande. E o Brasil exporta mais para a China e para a União Europeia do que para os Estados Unidos. Eu sei que Trump realmente acredita que pode influenciar, que pode ditar a política interna do Brasil. Mas se ele faz isso, ele é um megalomaníaco. Não temos esse tipo de poder.

CNN Brasil-Como o senhor acha que o Brasil deveria reagir a essas ameaças?

Krugman-Bem, eu vi que o Brasil está (optando por) tarifas recíprocas, o que, na verdade, neste caso, provavelmente é uma boa ferramenta. Isso, na verdade, vai prejudicar os Estados Unidos. Esse tiro sai pela culatra imediatamente. Eu vou pagar um preço por isso todas as manhãs, na forma de uma xícara de café mais cara.

Mas também acontece que o Brasil, por razões complexas, é um dos poucos países que realmente importa mais dos Estados Unidos do que exporta para os Estados Unidos. Então, este é um caso em que uma tarifa recíproca, que ataca diretamente os Estados Unidos, vai irritar a indústria americana.

CNN Brasil-E o senhor acha que Trump realmente vai levar isso adiante, ou é mais como uma tática do tipo TACO (Trump always chickens out — Trump sempre amarela, numa tradução livre)?

Krugman-Estamos todos nos perguntando isso… Os mercados acreditam totalmente na teoria do TACO, mas eu não acho isso. Acho que eles provavelmente estão errados, mas ninguém sabe. O Brasil, na verdade, é uma parte relativamente pequena disso. Ele está ameaçando impor tarifas a todos os países até o dia 1 de agosto. Ele realmente vai recuar? Quer dizer, sabemos que ele ouviu a história do TACO, ele sabe que as pessoas andam por aí fantasiadas de comida mexicana para zombar dele...

O que pode significar que ele estará ainda mais determinado a não parecer ridículo e recuar. Meu palpite é que ele realmente vai prosseguir com isso e com as tarifas sobre o Japão e a Coreia do Sul. O único tipo de ator importante que ele não ameaçou até agora, pelo menos nesta última rodada, é a União Europeia. E ele pode ter percebido que a UE é grande o suficiente para realmente contra-atacar e causar danos.

CNN Brasil-O senhor acha que, se ele realmente prosseguir com isso, seria possível, ou seria do interesse do Brasil, tentar negociar, em vez de apenas impor tarifas recíprocas?

Krugman-Acho que não há espaço para isso. Todos, não apenas os países, mas as instituições, que tentaram apaziguar Trump fazendo concessões, descobrem que não conseguem um acordo.

Trump não faz acordos de verdade. Trump faz exigências. Se você aceita a exigência, ele interpreta isso como um sinal de fraqueza e faz mais exigências. Então, a coisa continua. A história não tem fim…

E o que vocês poderiam fazer para apaziguá-lo? Seria uma coisa se ele estivesse se opondo à política comercial brasileira. Bem, poderíamos falar sobre isso. Mas ele está se opondo ao Brasil ser uma democracia. Eu não acho que você possa apaziguá-lo neste caso.

Modelo em miniatura impresso em 3D retratando o presidente dos EUA, Donald Trump, com a bandeira da União Europeia e a palavra "Tarifas" • 17/04/2025 REUTERS/Dado Ruvic/Imagem ilustrativa
Modelo em miniatura impresso em 3D retratando o presidente dos EUA, Donald Trump, com a bandeira da União Europeia e a palavra "Tarifas" • 17/04/2025 REUTERS/Dado Ruvic/Imagem ilustrativa

CNN Brasil - É muito impressionante para mim que ele tenha decidido reclamar do sistema judiciário brasileiro. Como se o governo brasileiro pudesse interferir no sistema judiciário. O Brasil é uma democracia, com separação de poderes. Então, não faz sentido. Mas ele não se importa com isso, certo?

Krugman - Bem, ele pode estar olhando para o próprio país, onde nosso sistema judiciário não parece disposto a enfrentá-lo. Então, ele pode pensar que Lula pode mandar os tribunais deixarem Bolsonaro em paz. Mas estaremos cometendo um erro se pensarmos nisso como parte de um plano bem elaborado. Isso é só Trump dizendo: "Ei, eu também sou alguém que disseram que perdeu uma eleição e se recusou a aceitar", então esse (Bolsonaro) é o meu tipo de cara.

CNN Brasil - Então, o senhor acha que isso é motivado por uma conexão pessoal com Bolsonaro por causa das experiências parecidas que tiveram?

Krugman - Ah, sim, há muitos paralelos. A única grande diferença é que vocês estão, na verdade, tentando responsabilizar Bolsonaro por suas ações, e nós nunca fizemos isso aqui (com Trump).

CNN Brasil - Por que as instituições estão se deteriorando tão rápido nos EUA?

Krugman - É um longo processo no qual, certamente no governo, ser um membro republicano do Congresso que não seja totalmente leal, tornou-se extremamente desagradável. Então, todas as pessoas que tinham alguns princípios foram embora, e você ficou apenas com os bajuladores, e de resto, eu realmente não entendo completamente.

Quer dizer, estamos todos perplexos com a facilidade com que nossas tão alardeadas instituições americanas se dobraram diante da ameaça autoritária, mas eu realmente não tenho nenhuma ideia original, mas algo claramente deu errado. Não somos o país que éramos há 10 anos. Não somos o país que pensávamos ser há dois anos.

CNN Brasil - O senhor acha que a democracia pode entrar em colapso nos Estados Unidos?

Krugman - Muito facilmente. Tente imaginar um cenário fantasioso em que agentes governamentais mascarados, que se recusam a se identificar, sequestram pessoas nas ruas. Bem, isso está acontecendo enquanto falamos. Estamos, estamos de muitas maneiras. Já nos parecemos muito com um estado policial. Então, pode ser que historiadores futuros olhem para trás e digam que a democracia já entrou em colapso nos Estados Unidos.

CNN Brasil - Algo mais o preocupa com relação a essa questão do Brasil?

Krugman - A única coisa que vale a pena destacar é que a ameaça de Trump ao Brasil, além de ser completamente fora dos limites e tudo mais, revelou claramente que ele não tem noção de quão pouca influência os Estados Unidos têm.

Ele tem uma noção enorme e exagerada do poder dos EUA e do seu próprio poder. E pode até conseguir se safar de qualquer coisa aqui. Mas há 211 milhões de brasileiros e eu acho que ele não tem ideia da pouca capacidade que tem para intimidar uma grande nação como o Brasil.

CNN Brasil - Então as tarifas não vão funcionar, mesmo que ele decida implementá-las?

Krugman - Quase espero que ele as implemente. Porque acho que quanto mais cedo as pessoas perceberem o quão louco ele é, melhor.