Análise: Cessar-fogo em Gaza depende dos desejos de Trump
Recentes combates entre Israel e Hamas mostram a fragilidade do acordo temporário entre os dois lados
A volta dos combates na Faixa de Gaza no último final de semana comprova que o acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas depende quase exclusivamente dos desejos do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Cada lado acusa o outro de ter violado primeiro o cessar-fogo e promete se defender de novos ataques.
Israel chegou a fechar temporariamente a fronteira de Gaza, suspendendo a entrada de comida e ajuda humanitária aos milhões de palestinos — uma ação também considerada como violação do acordo.
Segundo informações de cada lado, pelo menos dois soldados israelenses e mais de 40 palestinos foram mortos nos ataques mútuos — que só foram interrompidos depois que o presidente Trump deu um novo ultimato a Israel e ao Hamas para manter o cessar-fogo.
O episódio mostra que o cessar-fogo não é um fim em si mesmo, mas apenas o primeiro estágio de um longo e incerto processo de negociações destinado a encerrar a guerra e criar condições políticas para discutir o futuro do território palestino.
Para piorar a situação, neste momento, Trump é o único fiador real do frágil acordo.
Tudo depende da disposição — e da conveniência política — do presidente americano em continuar pressionando os dois lados a respeitarem os termos do cessar-fogo.
Essa centralização excessiva nas mãos de um único ator externo é uma receita para o desastre.
O papel de Trump no conflito
Trump, que tem ambições explícitas de ser visto como um mediador histórico e até como candidato ao Prêmio Nobel da Paz, usa o cessar-fogo como vitrine de sua influência internacional.
O presidente americano merece crédito por ter colocado muita pressão tanto sobre o Hamas como — especialmente — sobre o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu.
Ele foi explícito ao dizer que o Hamas seria eliminado militarmente caso não libertasse os reféns e concordasse com o acordo. E foi mais discreto, mas igualmente forte, com Netanyahu, lembrando a ele que o apoio dos Estados Unidos é fundamental para manter o poder militar e evitar o isolamento total do país do Oriente Médio.
Mas a paz em Gaza não pode depender apenas dos impulsos de um líder internacional. Um movimento brusco ou uma mudança de interesse em Washington pode significar o retorno imediato da guerra.

As esperanças de uma paz sólida e de longo prazo exigem três elementos fundamentais:
O primeiro é um processo político robusto, que inclua o desarmamento gradual do Hamas, a retirada completa das tropas israelenses do território palestino e a criação de uma administração civil e tecnocrata em Gaza, capaz de reconstruir as instituições locais e restabelecer serviços básicos.
O segundo é a presença em Gaza de uma força multinacional de paz, com mandato claro para monitorar violações do cessar-fogo, garantir a segurança da população e impedir que qualquer dos lados retome as hostilidades.
Também é crucial que a ajuda humanitária deixe de ser usada como instrumento de pressão política ou arma de guerra. Afinal, a reconstrução de Gaza e o alívio do sofrimento de sua população precisam ser tratados como objetivos independentes da disputa militar.
O problema é que nada disso começou a ser discutido ainda, e não há nenhum sinal de que tais medidas possam ser implementadas rapidamente.
Mas essas etapa são fundamentais para que seja possível retomar a discussão sobre a única solução duradoura e justa para o conflito: a criação do Estado da Palestina, viável, reconhecido internacionalmente e seguro. E que ofereça também garantias de segurança a Israel.
Esse caminho, contudo, exigirá tempo, paciência e um processo contínuo de construção de confiança mútua.
Tanto os extremistas do Hamas quanto os radicais israelenses precisam ser contidos — não apenas pela pressão internacional, mas também pela mobilização das próprias sociedades palestina e israelense.
Sem isso, qualquer trégua continuará sendo apenas uma pausa temporária entre novos ciclos de violência



