Américo Martins
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Américo Martins

Especialista em jornalismo internacional e fascinado pelo mundo desde sempre, foi diretor da BBC de Londres e VP de Conteúdo da CNN; já visitou mais de 70 países

Análise: Por que a Europa teme um acordo entre Trump e Putin

Líderes europeus acreditam que Kremlin tentará convencer presidente americano a pressionar a Ucrânia a ceder territórios, enfraquecendo aliança ocidental

Vladimir Putin e Donald Trump em Osaka, no Japão  • 28/6/2019 Sputnik/Mikhail Klimentyev/Kremlin via REUTERS
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Os principais líderes europeus acompanham com extrema apreensão a cúpula desta sexta-feira (15) entre os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e dos Estados Unidos, Donald Trump, para discutir a guerra na Ucrânia.

Eles têm três motivos centrais para temer o resultado do encontro no Alasca — onde a Europa não terá assento à mesa.

 

 

Troca de territórios

O primeiro é o medo de que Putin convença Trump, numa reunião sem a presença do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, de que a saída mais curta e rápida para encerrar o conflito é pressionar Kiev a ceder oficialmente as regiões atualmente ocupadas pela Rússia.

Essas regiões, Donetsk, Luhansk, Zaporizhia e Kherson — além da Crimeia, tomada ilegalmente pelo Kremlin em 2014 –, representam quase 20% de todo o território ucraniano.

A Rússia vem insistindo há muito tempo que qualquer paz real deve “reconhecer a realidade no terreno”, com vários de seus líderes afirmando que a Ucrânia nunca terá de volta aquelas regiões.

Para complicar ainda mais a situação, os militares russos conseguiram romper esta semana as linhas de defesa ucranianas em vários pontos no leste do país, avançando ainda mais e cortando linhas de suprimentos da resistência.

Para aumento da preocupação da Europa e da Ucrânia, Trump disse às vésperas da cúpula que a conversa com Putin certamente trataria de uma possível “troca de territórios para o bem de todos”.

O presidente americano chegou a reclamar dos ucranianos, as maiores vítimas de uma guerra iniciada sem provocação pelo líder russo.

“Fiquei um pouco incomodado com o fato de Zelensky dizer que ele precisa de aprovação constitucional (para a cessão de territórios)”, afirmou Trump.

“Ele tem aprovação para entrar em guerra e matar todo mundo, mas precisa de aprovação para fazer uma troca de terras. Porque haverá alguma troca de terras acontecendo. Sei disso pela Rússia e por conversas com todos”, confirmou o americano.

Divisão do Ocidente

Para diplomatas europeus, esse discurso antecipa o segundo risco: que Trump condicione o apoio militar dos EUA à Ucrânia à aceitação de um acordo territorial, rachando a unidade ocidental.

Tal movimento poderia criar uma crise de confiança quase irreversível entre Washington e seus aliados.

A Europa quer evitar a qualquer custo que as fronteiras do continente sejam redesenhadas pela força — algo que remete à Conferência de Yalta, em 1945, quando um acordo entre Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética resultou em décadas de domínio soviético sobre o Leste Europeu.

Sem o suporte militar americano, a resistência ucraniana dificilmente sobreviveria. E a percepção de que os EUA podem abandonar a defesa europeia deixaria cicatrizes políticas profundas.

Incentivo a novas invasões

O terceiro temor é que a concessão de territórios a Putin sirva de estímulo para novas agressões.

O histórico é claro: Moscou interveio na Geórgia em 2008, anexou a Crimeia em 2014 e invadiu a Ucrânia em 2022.

Países como Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia veem no atual impasse um prenúncio de futuras ameaças.

Embora poucos acreditem que a reunião desta sexta-feira (15) produzirá um acordo imediato, a proximidade entre Trump e Putin preocupa.

Para a Europa, qualquer entendimento inicial entre os dois no Alasca poderá ter consequências duradouras e potencialmente perigosas para a segurança do continente.