Américo Martins
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Américo Martins

Especialista em jornalismo internacional e fascinado pelo mundo desde sempre, foi diretor da BBC de Londres e VP de Conteúdo da CNN; já visitou mais de 70 países

Disputa nos Brics vai congelar relações entre Brasil e Venezuela

Nota com críticas ao governo brasileiro sinaliza que Caracas pretende seguir um caminho de ruptura com Brasília similar ao adotado pela ditadura da Nicarágua

Nicolás Maduro em Cúpula dos Brics, na Rússia  • Divulgação
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A disputa entre o Brasil e a Venezuela ocorrida esta semana durante a cúpula dos Brics, em Kazan, na Rússia, mostra que as relações entre os dois países estão próximas de serem completamente congeladas.

Uma nota divulgada na noite de quinta-feira (24) pela chancelaria venezuelana, com pesadas críticas à posição do Brasil durante a cúpula do bloco, irritou profundamente o governo brasileiro e estressou a relação ainda mais.

A CNN apurou que existe uma avaliação em Brasília de que o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, está começando a seguir o mesmo caminho de ruptura traçado por Daniel Ortega, o ditador da Nicarágua.

Em agosto deste ano, Ortega expulsou o embaixador brasileiro no país, Breno Souza da Costa, depois de mais de um ano de péssimas relações entre os dois governos. Brasília usou o princípio da reciprocidade e, logo em seguida, expulsou também a embaixadora nicaraguense – congelando as relações.

Nesse período de mais de um ano, Ortega se recusou, inclusive, a atender a um pedido de conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para discutir a repressão da ditadura nicaraguense a opositores e a bispos católicos presos – um pedido feito a Lula pelo papa Francisco.

Agora, Maduro dá sinais parecidos.

Tensão nos Brics

O último capítulo das tensões está relacionado ao grande interesse da Venezuela de ingressar no grupo dos Brics, o bloco das nações em desenvolvimento, que está em expansão.

Para atingir esse objetivo, Maduro fez um forte lobby junto aos governos do bloco, especialmente Rússia e China.

Mas suas pretensões foram barradas pela diplomacia brasileira, antes e durante a cúpula, devido ao não cumprimento de diversos acordos relacionados às polêmicas eleições presidenciais ocorridas no final de julho – com grandes evidências de fraude por parte do líder venezuelano.

Em conversas diretas e indiretas, ocorridas inclusive nos últimos momentos da cúpula em Kazan, a diplomacia brasileira deixou claro que não aceitaria a entrada da Venezuela no bloco enquanto não fossem esclarecidas as questões relacionadas às eleições e à dura repressão aos opositores do chavismo.

Caracas prometeu seguidas vezes ao Brasil que apresentaria as já famosas atas de votação que comprovariam a suposta vitória de Maduro e também que garantiria o respeito aos direitos dos opositores.

Nada disso aconteceu.

Mesmo com a resistência brasileira, Maduro continuou insistindo no lobby para entrar nos Brics e apareceu de surpresa em Kazan. Isso foi avaliado como uma tentativa do venezuelano de passar por cima da posição brasileira e se alinhar ao presidente Vladimir Putin –que disse abertamente ser favorável ao ingresso de Caracas no grupo.

Por fim, a diplomacia brasileira fez valer a sua posição e bloqueou a Venezuela, lembrando que as normas dos Brics dizem que as decisões devem ser tomadas por consenso.

Derrotada nesse round, a chancelaria venezuelana resolveu soltar uma nota ofensiva, na qual disse que a postura brasileira foi um “gesto hostil” e uma “agressão” ao país.

Isso indica claramente que o líder venezuelano não pretende fazer gestos conciliatórios, que incluiriam conversas francas com os líderes brasileiros, fim da repressão à oposição e reconhecimento do espírito dos acordos de Barbados, que levaram à eleição de julho.

Ou, em outras palavras, abertura de um processo de diálogo com a oposição para encontrar saídas políticas para a crise.

Nada disso parece provável e o governo brasileiro não demonstra nenhuma inclinação para mudar de posição.

Essa combinação vai, quase inevitavelmente, levar ao congelamento das relações.