Entenda o que muda na relação entre Brasil e Reino Unido com provável vitória trabalhista

A provável vitória do Partido Trabalhista nas eleições gerais no Reino Unido vai mudar alguns aspectos das relações entre o país europeu e o Brasil em pelo menos quatro pontos.
Outros dois importantes fatores devem continuar exatamente como estão.
Veja abaixo o que deve mudar:
Proximidade ideológica
O Partido Trabalhista, de centro-esquerda, e o seu líder, Sir Keir Starmer, têm posições ideológicas muito mais alinhadas com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do que o atual primeiro-ministro Rishi Sunak, do Partido Conservador.
Lula visitou Sunak em Londres em maio do ano passado, na véspera da coroação do Rei Charles III, e as relações institucionais entre os dois países são sólidas, cordiais e maduras.
No entanto, há uma distância natural entre os dois líderes, com visões de mundo muito diferentes.
Na Suíça, em junho deste ano, Lula disse durante uma entrevista que torcia pela vitória de Starmer, que fez carreira como advogado de direitos humanos e procurador-geral da Inglaterra e do País de Gales antes de entrar na política.
O presidente brasileiro afirmou que conhecia bem o líder trabalhista e que sua vitória era importante como um contraponto ao avanço da extrema direita na Europa.
Pautas globais
A afinidade ideológica entre os dois líderes pode ajudar muito a alinhar algumas posições entre os países, especialmente em fóruns e pautas globais.
Um importante embaixador brasileiro disse à CNN que o alinhamento entre Lula e Starmer pode resultar em apoio britânico a algumas iniciativas globais propostas pelo Brasil, especialmente as relacionadas ao G20.
Na Presidência do grupo das maiores economias do mundo durante este ano, o governo brasileiro defende, por exemplo, a criação de uma Aliança Global Contra a Fome e a Desigualdade e o aumento da taxação dos chamados super-ricos.
A iniciativa contra a fome parece ter tido o apoio de praticamente todos os países do bloco, mas pode haver sérias divergências relacionadas aos detalhes de sua implementação.
Já a questão da taxação dos bilionários mundiais é bem mais controversa.
Um governo de centro-esquerda, como será o de Starmer, tende a ver com muito mais simpatia as duas ideias defendidas por Lula.
Mudanças Climáticas
O Reino Unido já investe e apoia muito o combate às mudanças climáticas, tendo várias parceiras no momento no Brasil – especialmente relacionadas à Amazônia.
Nos últimos meses de seu governo, no entanto, Rishi Sunak adotou um tom muito menos entusiasmado com relação à defesa do meio ambiente tanto no seu país como no tabuleiro global.
Isso se deve, entre outras coisas, aos elevados custos das políticas climáticas.
David Lammy, cotado para ser o ministro das Relações Exteriores do provável governo trabalhista, disse nesta semana que duas das suas prioridades no gabinete serão ampliar as políticas contra mudanças climáticas e se engajar muito mais com o chamado Sul Global – o grupo de grandes países em desenvolvimento.
Esses dois pontos são música para o governo Lula, já que o Brasil é líder nas duas áreas.

Apesar de suas próprias dificuldades econômicas, o Reino Unido poderá, por exemplo, ampliar o seu apoio ao Fundo Amazônia, um mecanismo de preservação da floresta financiado em grande parte por países estrangeiros.
Durante a visita a Sunak, o governo de Sua Majestade Charles III anunciou um aporte de 80 milhões de libras (cerca de R$ 500 milhões na época) ao fundo.
A notícia foi considerada positiva, já que foi a primeira vez que os britânicos colaboraram com a iniciativa. Mas muita gente esperava doações muito mais generosas – o que pode acontecer em um governo trabalhista.
Comércio bilateral
Na mesma entrevista desta semana, com a presença da CNN, Lammy, o possível próximo chanceler britânico, afirmou que pretende investir mais no relacionamento com a América Latina, onde o Brasil tem uma posição de vantagem por ser o maior país da região.
Ele defendeu um aumento das relações comerciais entre os dois lados, até com a possibilidade de discussão de um acordo de livre comércio.
Acordos do tipo são o sonho do Reino Unido desde que o país deixou a União Europeia, bloco que decide coletivamente todos os seus tratados comerciais.
No entanto, os britânicos nunca trataram oficialmente do tema com o governo brasileiro.
Em 2023, o comércio entre os dois países foi de "apenas" US$ 6,1 bilhões. Há, portanto, muito espaço para crescimento – especialmente para as exportações brasileiras.
No ano passado, o Reino Unido comprou apenas 1% de tudo o que o Brasil exportou.
Mesmo com as mudanças, pelo menos dois pontos importantes das relações serão mantidos. Eles são:
Divergências em relação às guerras na Ucrânia e em Gaza
Keir Starmer não mudará a política de total apoio britânico à Ucrânia.
Trata-se de uma política de Estado, que contou com grande apoio do Partido Trabalhista em sua implementação.
Londres considera a Rússia um grande rival e o país que apresenta potencialmente mais riscos à sua segurança nacional.
Assim, o provável novo governo não apoiará a proposta brasileira de cessar-fogo imediato com negociações para a paz, já que interpreta esse movimento como uma vitória do Kremlin.
Israel também continuará tendo o apoio britânico contra o Hamas, grupo considerado terrorista pelo Reino Unido.
Além disso, Starmer dedicou muito esforço para conter posições antissemitas que se espalhavam pelo partido na gestão de seu antecessor, Jeremy Corbyn – um líder muito mais à esquerda no espectro político.
Com isso, os trabalhistas também não darão nenhum apoio à posição de Lula, que já chamou as ações militares israelenses de ”genocídio” e chegou a compará-las ao holocausto judeu na Segunda Guerra Mundial.
Uma fonte importante no Itamaraty lembrou que a manutenção de posições de divergências entre os dois países são normais, já que o Reino Unido não está entre as maiores prioridades da política externa brasileira e vice-versa.
Apoio para o Conselho de Segurança da ONU
O Brasil poderá continuar contando com o apoio, pelo menos retórico, do governo britânico para entrar no Conselho de Segurança da ONU em caso de uma reforma da instituição.
A reforma é defendida por muitos países e está sendo discutida, entre outros assuntos, na esfera do G20 por insistência do Brasil.
Londres já apoia formalmente o ingresso do Brasil no órgão desde o segundo mandato de Lula na Presidência, quando essa questão era uma prioridade para ele.
O sonho do Conselho de Segurança, no entanto, deverá continuar distante.
Os cinco países com direito de veto (Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China) não têm muitos incentivos para abrir mão desse poder em nomes de nações emergentes.