Basília Rodrigues
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Basília Rodrigues

Apura e explica. Adora Jornalismo e Direito. Vencedora do Troféu Mulher Imprensa e prêmios Especialistas, Na Telinha e profissionais negros mais admirados

A carta, escrita na prisão em Curitiba, que aproximou Lula de Francisco

Gilberto Carvalho, ex-chefe de gabinete do presidente, não quis despachar a carta pelos caminhos formais e foi a Roma para entregá-la a um amigo do papa. 

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Ex-chefe de gabinete e amigo de longa data do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Gilberto Carvalho foi um dos principais responsáveis pela aproximação do petista com o papa Francisco, como portador de uma carta levada ao Vaticano. “Lula e Francisco tinham coincidência de propósitos do ponto de vista social. A identificação foi muito forte”, contou.

Em 2018, preso em Curitiba após condenação no âmbito da Lava Jato, Lula foi aconselhado a escrever para Francisco. “Lula nunca teve manifestação de fé tão forte, mesmo sendo católico, sempre desconfiado, nem imaginava que teria resposta”, revelou. Quando a carta ficou pronta, Carvalho se recusou a despachá-la pelos caminhos formais e fez de tudo para assegurar que ela chegasse às mãos do pontífice.

“A gente não quis mandar pelos escaninhos normais do Vaticano. Eu levei a carta. Entreguei para um amigo dele. Passados dois meses, fui chamado”, contou Carvalho, que também foi ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República no governo Dilma Rousseff (PT);

O amigo do papa recebeu Carvalho em uma livraria em Roma. Na carta, Lula afirmava ser vítima de perseguição e de injustiça, e pedia uma bênção de Francisco.

O ex-ministro afirma que a resposta do papa impressionou a todos e trouxe muita esperança para Lula na ocasião. “A coragem do papa de enfrentar aquele clima político... O Lula era tido como criminoso. Isso despertou afeto e gratidão do presidente", recordou.

Depois de ser solto, em novembro de 2019, Lula visitou o papa no Vaticano. De acordo com Carvalho, os dois estabeleceram um compromisso contra a fome -- questão central para Lula na presidência brasileira do G20, em 2024, quando foi lançada a Aliança Global contra a Fome.

Ex-seminarista e ligado à Pastoral Operária, Carvalho atualmente é secretário de Economia Solidária no Ministério do Trabalho e evita conceder entrevistas. Pela forte proximidade com a Igreja Católica e enlutado pela morte do papa, o ex-ministro abriu uma exceção e conversou com a CNN.

“Um outro Francisco não teremos. Ele, sem dúvida nenhuma, pode ser colocado ao lado dos grandes santos da Igreja", afirma Carvalho.

Ele se demonstra preocupado, no entanto, com a sucessão no Vaticano. "A nossa preocupação é que o novo papa possa dar continuidade. A gente tem consciência de que a extrema-direita está muito organizada. Mas prevalece a esperança, até pela ação de Francisco ter nomeado muitos dos cardeais votantes, de que venha um papa moderado.”

Para Carvalho, o novo papa pode até não ter o mesmo carisma que Francisco, mas carregará a missão de dar continuidade à abertura da Igreja feita por ele.

“No mundo de hoje, a igreja não suportaria a volta da exclusão dos gays, a perda de papel das mulheres. Seria um desastre para a Igreja. O papa, pela cabeça dele, teria avançado muito mais possivelmente pela ordenação de mulheres e homens casados. Mas a Cúria Romana não deixou avançar mais. A igreja está perdendo muito terreno, se mudar ficará anacrônica, ultrapassada.”

Para o ex-ministro, a ida de Lula ao funeral do papa em Roma é mais do que um gesto pessoal. Significa, na visão dele, um "apelo para que o mundo reveja a linha de ódio" na política e nas relações interpessoais.