Débora Oliveira
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Débora Oliveira

Certificada pelo Programa B3 de Formação Continuada em Mercado de Capitais para jornalistas com atuação em grandes emissoras, como SBT, Band e RedeTV, e analista de economia sem economês

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Tarifa, preços e política: por que carne dos EUA virou problema para Trump?

Aumento da cota da Argentina de carne é paliativo e não resolve a falta estrutural de oferta nos Estados Unidos, diz especialista

Pedaços de carne em açougue no Rio de Janeiro  • 26/11/2024 REUTERS/Ricardo Moraes
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O governo dos Estados Unidos oficializou nesta quinta-feira (23) o aumento da cota tarifária para importação de carne bovina da Argentina para 80 mil toneladas anuais. Segundo a Casa Branca, a medida tem como objetivo reduzir os preços da carne e proteger os produtores americanos, em meio à disparada dos custos para o consumidor e à pressão política sobre Donald Trump.

A decisão vem um dia depois de Trump ter pedido publicamente, nas redes sociais, que os pecuaristas americanos baixem os preços da carne no país. Em uma postagem no Truth Social, o presidente afirmou que os produtores “estão tendo grandes lucros” desde que ele impôs tarifas sobre a carne importada — principalmente a do Brasil — e que, portanto, seria hora de “dar um alívio ao povo americano”.

O pedido, porém, gerou críticas dentro do próprio setor, já que o alto preço da carne não é resultado direto da margem de lucro dos pecuaristas, mas sim de um desequilíbrio entre oferta e demanda, agravado pela seca e pela redução do rebanho nacional.

Na prática, a ampliação da cota para a Argentina permite que um volume maior de carne entre no mercado americano com tarifas reduzidas, ampliando a oferta doméstica e ajudando a conter a inflação de determinados alimentos, problema que se tornou uma das principais dores de cabeça do governo republicano.

Porém, segundo especialistas, o efeito econômico da medida é limitado. A Argentina tinha, até agora, uma cota de cerca de 20 mil toneladas por ano, válida desde 2019, é o que diz o relatório anual de quotas tarifárias de carne bovina do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).

Portanto, o aumento quadruplica esse limite, mas representa menos de 1% do consumo anual de carne bovina dos Estados Unidos, estimado em cerca de 12 milhões de toneladas.

“Aumentar a cota tarifária da carne argentina para 80 mil toneladas pode ajudar marginalmente a reduzir os preços no varejo americano, mas não resolve o problema estrutural de oferta que os EUA enfrentam hoje”, avalia Alê De Lara, diretor da Pine Agronegócios.

O país vem de um ciclo de abate antecipado, agravado pela seca que reduziu pastagens e forçou pecuaristas a venderem o gado antes do tempo. O resultado desse movimento é a menor capacidade de reposição do rebanho bovino americano, que há décadas enfrenta uma redução significativa e em 2025 atingiu o menor patamar em 74 anos.

Essa escassez histórica, combinada com problemas climáticos que afetam as lavouras de soja e milho, têm pressionado os custos de produção e, consequentemente, os preços finais ao consumidor.

Reação dos pecuaristas americanos

A tentativa de Trump de aliviar o custo da carne gera resistência dentro dos próprios Estados Unidos. Produtores locais criticam o acordo com a Argentina e afirmam que a medida favorece concorrentes estrangeiros em detrimento da pecuária americana. A tensão reflete um impasse político: como conter a inflação sem abrir mão do discurso de proteção ao fazendeiro local?

“Na prática, eu acredito que o movimento tem mais a ver com sinalização política e controle de narrativa interna — Trump tenta mostrar que age para conter a inflação dos alimentos sem punir os produtores americanos, equilibrando o discurso entre ‘proteger o fazendeiro’ e ‘baratear o churrasco’”, explica De Lara.

A crítica não vem apenas do setor rural. Dentro da própria base republicana, Trump tem sido criticado pela mais recente aproximação com o governo Milei, depois do “socorro econômico” à Argentina visto até mesmo por aliados como um “tiro pela culatra” — especialmente diante da paralisação do orçamento americano, afinal o shutdown já passa dos 20 dias.

E a carne do Brasil?

A carne bovina brasileira exportada para os Estados Unidos continua sujeita às tarifas de até 50% impostas por Trump. E a escolha da Argentina para melhorar a oferta de carne aos americanos é, novamente, mais uma decisão política do que técnica, principalmente porque, diferente do Brasil, a produção de carne na Argentina não tem escala suficiente e nem valor competitivo para alterar preços de forma consistente para os consumidores nos Estados Unidos.

“Essa aproximação dos EUA com a Argentina é mais comercial que estratégica. Trump busca alternativas rápidas para abastecimento e para substituir o Brasil, que ainda continua competitivo em proteína bovina. Mas o gesto mostra que os EUA voltaram a olhar para o Cone Sul como zona de equilíbrio de suprimento, algo que o Brasil precisa observar de perto”, conclui Alê De Lara.

Ou seja, o aumento da cota de carne argentina é mais um gesto político de curto alcance econômico e um paliativo insuficiente para resolver o problema de fundo: a escassez estrutural de oferta de gado nos Estados Unidos.

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