Fernanda Magnotta
Blog
Fernanda Magnotta

PhD especializada em Estados Unidos. Professora da FAAP, pesquisadora do CEBRI e do Wilson Center. Referência brasileira na área de Relações Internacionais

Análise: Trump retoma diplomacia de coerção na Venezuela

Nova ofensiva contra Maduro pode marcar o retorno de uma política externa americana baseada em pressão, que combina cálculo geopolítico, ambição energética e oportunismo eleitoral

Donald Trump, presidente dos EUA, e Nicolás Maduro, presidente da Venezuela
Donald Trump, presidente dos EUA, e Nicolás Maduro, presidente da Venezuela  • Reuters/Getty Images
Compartilhar matéria

Desde que Donald Trump retornou à Presidência dos Estados Unidos, em janeiro deste ano, a política norte-americana em relação à Venezuela voltou a se pautar por um viés de confrontação e pressão máxima. Em poucos meses, Washington retomou sanções energéticas, intensificou operações militares no Caribe e reativou instrumentos da Guerra Fria sob a justificativa do combate ao narcotráfico e à “ameaça bolivariana”.

A revogação da licença da Chevron, a imposição de tarifas a países que importam petróleo venezuelano e a reclassificação de organizações criminosas como grupos terroristas ilustram o retorno de uma diplomacia coercitiva.

A escalada não se limita à esfera econômica. Nessa semana, Trump confirmou publicamente que autorizou a CIA a conduzir operações encobertas dentro da Venezuela, enquanto ataques a embarcações no Caribe, com mortos e detenções, reacenderam denúncias de violação da soberania venezuelana.

Paralelamente, os Estados Unidos endureceram sua política migratória, restringindo o Status de proteção temporária (TPS, na sigla em inglês) e ampliando deportações em massa de venezuelanos, sob uma retórica que mistura segurança nacional e controle fronteiriço.

Ao mesmo tempo, Caracas recorreu ao Conselho de Segurança da ONU, denunciando as ações norte-americanas como ilegais e exigindo o reconhecimento de sua integridade territorial. O quadro resultante é de renovada tensão hemisférica: uma combinação de sanções, manobras militares e disputas discursivas que reposiciona a América Latina no centro da política externa trumpista.

Mais do que um episódio isolado, o caso venezuelano é o espelho de uma lógica de poder que ressurge com ênfase em coerção, unilateralismo e interesses estratégicos imediatos. Trump vê em Nicolás Maduro não apenas um inimigo ideológico, mas um ponto de inflexão geopolítico. Derrubar o regime chavista é, ao mesmo tempo, isolar a influência de China, Rússia e Irã no hemisfério, reordenar o mapa energético global e consolidar uma narrativa doméstica de força e revanche.

Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. • REUTERS
Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. • REUTERS

No plano geopolítico, a Venezuela representa o elo mais vulnerável de um eixo antiamericano sustentado por Moscou e Teerã e, mais recentemente, reanimado por Pequim. O objetivo de Washington é claro: quebrar esse elo e retomar a primazia sobre o entorno estratégico do Caribe e da América do Sul. Trata-se de uma doutrina Monroe 2.0, mais instrumental, que aposta em vitórias táticas regionais para conter rivais sistêmicos sem, necessariamente, confronto direto.

No campo energético, o cálculo é igualmente pragmático. Com as maiores reservas de petróleo do mundo, a Venezuela permanece como ativo crítico para qualquer disputa pelo controle das cadeias energéticas globais.

A queda de Maduro abriria espaço para a retomada de operações por parte de gigantes norte-americanas, como a Chevron e a ExxonMobil, e permitiria a Trump reduzir a dependência dos Estados Unidos em relação à Opep e disciplinar o mercado do Atlântico sob coordenação norte-americana. Nesse sentido, a política externa se funde ao projeto de soberania energética doméstica, um tema que ressoa fortemente junto à sua base eleitoral.

E é justamente na dimensão doméstica que se percebe outro vetor fundamental dessa estratégia. Em um ano em que Trump busca consolidar seu poder político e reafirmar a narrativa de uma “América ressurgente”, derrubar Maduro seria o símbolo perfeito: uma vitória rápida, com apelo ideológico e impacto midiático. Serviria para galvanizar a base anticomunista e evangélica em lugares importantes, como a Flórida – na qual a presença de exilados cubanos e venezuelanos é grande – e para projetar, no plano simbólico, a imagem de um presidente que “liberta” o continente do socialismo latino-americano.

O problema, porém, é que a política de coerção raramente entrega estabilidade. A derrubada de Maduro, se concretizada sem um plano de reconstrução institucional e econômica, pode precipitar um colapso humanitário em larga escala, intensificando fluxos migratórios e desestabilizando a região.

A história latino-americana mostra que transições de regime patrocinadas de fora tendem a produzir vácuos de poder, disputas entre facções e, paradoxalmente, novos ciclos de autoritarismo.

Em última instância, o caso venezuelano sintetiza o espírito da era Trump 2.0: um retorno à política de força, em que o cálculo eleitoral e o interesse econômico podem prevalecer. Derrubar Maduro não é apenas remover um adversário; é reafirmar a convicção de que a América Latina continua sendo o palco onde os Estados Unidos medem sua capacidade de projetar poder e de se reinventar como império.