Gilvan Bueno
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Gilvan Bueno

Especialista em finanças, mercado de capitais e educação financeira. Foi sócio e gerente educacional no mercado financeiro. Trabalhou em bancos de investimentos e corretoras. Foi palestrante no Fórum Global South Financiers 2025, realizado em Beijin, China.

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Shutdown: Por que o mercado finge que nada está acontecendo?

Historicamente, o impacto deixa de ser ruído de curto prazo e passa a ser precificado nos modelos de risco e nos indicadores de confiança econômica

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O governo dos Estados Unidos vive mais um capítulo de paralisação parcial — o chamado shutdown. Embora a suspensão das atividades de diversas áreas públicas já esteja custando uma média estimada entre US$ 10 e 15 bilhões por dia, o mercado financeiro permanece aparentemente indiferente. Mas há um ponto de virada: o 35º dia.

A partir daí, historicamente, o impacto deixa de ser ruído de curto prazo e passa a ser precificado nos modelos de risco e nos indicadores de confiança econômica.

Por que o shutdown custa tão caro?

O orçamento federal dos EUA é de cerca de US$ 6,8 trilhões, o que representa mais de 25% do PIB americano. Quando ocorre um shutdown, esse fluxo orçamentário sofre bloqueios parciais que afetam uma série de segmentos. Entre os setores mais impactados estão:

  • Gastos militares e segurança nacional
  • Hospitais e bases militares
  • Servidores federais sem remuneração temporária
  • Parques nacionais e museus fechados
  • Projetos federais suspensos e contratos congelados
  • Controle aéreo, com riscos de atrasos e redução de efetivo

Uma pesquisa recente com mais de 1.500 empresas fornecedoras do governo americano indicou que cerca de 20% delas já relatam dificuldades para manter contratos ativos, o que aumenta a pressão sobre fluxo de caixa e empregos.

Impacto nos indicadores econômicos

O shutdown também afeta a produção de dados econômicos oficiais. Relatórios do Fed (Federal Reserve) são paralisados, dificultando a leitura da atividade econômica.

O próprio Jerome Powell, presidente do Fed, já alertou que a ausência de estatísticas pode comprometer decisões de política monetária, especialmente sobre juros.

Além disso:

  • O impacto sobre consumo e renda de servidores pode pressionar o CPI (índice de preços ao consumidor);
  • A suspensão de obras e projetos pode ser detectada com mais força nos próximos PMIs (índices de atividade industrial e de serviços);
  • Empresas de defesa, tecnologia e transporte tendem a sofrer paralisações de curto prazo na produtividade.

O precedente de Trump e o marco dos 35 dias

Durante o governo Donald Trump, entre 2018 e 2019, o país viveu o maior shutdown da história recente: 35 dias de paralisação, impulsionada pela negociação de verbas para o muro na fronteira com o México.

Esse episódio estabeleceu um marco psicológico e econômico:

  • Até 35 dias, o mercado interpreta o shutdown como um choque temporário;
  • Acima disso, os modelos começam a recalcular risco fiscal, crescimento e confiança.

É nesse ponto que analistas passam a projetar impactos mais duradouros no PIB e revisões de risco-país. Com base no custo médio diário atual, caso a nova paralisação se estenda por período semelhante, os prejuízos acumulados podem superar 1% do PIB americano.

Apesar da aparente estabilidade dos índices acionários, os efeitos sociais começam a se manifestar antes do 35º dia. Em diversas capitais americanas, movimentos populares já questionam o aumento do custo de vida, a inflação persistente e a insegurança econômica.

Esse fator pode desgastar a imagem do governo vigente e alterar expectativas sociais e eleitorais — o que, no limite, também chega ao mercado por meio de indicadores de confiança e percepção de estabilidade política.

A paralisação atual já é custosa e afeta famílias, empresas e setores-chave. No entanto, enquanto estiver dentro da “janela de tolerância histórica”, o mercado financeiro seguirá “fingindo que nada está acontecendo”.

O marco de 35 dias não é apenas um número: é o limite entre um ruído de curto prazo e um evento macroeconômico de risco real.

Se o shutdown ultrapassar essa barreira, os EUA não enfrentarão apenas uma disputa política — enfrentarão o início de uma reprecificação global de confiança na economia americana.

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