Pepe Mujica: “Não compramos com dinheiro, mas com o tempo de vida”
Ao criticar o modelo de consumo atual, ex-presidente uruguaio evidenciou os riscos socioambientais envolvidos
Dirigido por Yann Arthus-Bertrand, o documentário Human (2015) reúne mais de 2.000 depoimentos em 60 países, explorando o que significa ser humano por meio de relatos sobre amor, guerra, desigualdade, perdão, felicidade, homofobia, morte e o sentido da vida. Um desses depoimentos foi o do ex-presidente do Uruguai.
Em um trecho desse documentário, Pepe Mujica foi muito assertivo ao tocar, didaticamente, em pontos fundamentais do modelo de consumo atual. Transcorridos dez anos de seu depoimento, percebe-se que a fala do ex-presidente continua atual, especialmente em uma semana em que o Brasil recebe o Fórum Mundial de Economia Circular, modelo que propõe reduzir o desperdício e reaproveitar recursos ao longo de toda a cadeia produtiva.
Mujica confronta o consumismo moderno ao afirmar que não se trata de uma apologia da pobreza, mas de uma escolha consciente pela sobriedade. Segundo ele, vivemos em um sistema que só funciona se crescer continuamente, o que nos empurra para um consumo excessivo, repleto de descartes e desperdícios.
Segundo ele, quando compramos algo, não compramos com dinheiro, mas com o tempo de vida que gastamos para consegui-lo. Mas com uma diferença: a única coisa que não se pode comprar é a vida. A vida se gasta.
A sobriedade, para Mujica, não significa renunciar ao conforto básico, muito menos regredir a condições primitivas. Sua proposta não é voltar às cavernas, mas romper com a lógica do desperdício e do consumo excessivo. Ele questiona: é realmente necessário tanto? Não seria mais sensato usar os recursos de forma equilibrada, priorizando o que de fato tem valor para a coletividade?
Mujica se refere à perda do ideal republicano no exercício da política. Para ele, o problema não está na escassez de recursos, mas na ausência de governança. Os governos se concentram em disputas eleitorais e em quem ocupará o poder, deixando de lado as necessidades reais da população. Há disputas pelo poder, mas se esquecem das pessoas.
Na visão do ex-presidente, a crise que enfrentamos não é somente ambiental, mas profundamente política. Vivemos um momento da história em que é urgente adotar uma perspectiva global, mas seguimos presos a nacionalismos estreitos e rivalidades entre potências, justamente aquelas que deveriam liderar pelo exemplo. É constrangedor, diz ele, que anos após os acordos de Kyoto ainda haja resistência em implementar ações básicas. É, nas suas palavras, vergonhoso.
Em suas reflexões, Mujica aponta com ceticismo para a máxima frequentemente repetida de que a memória evita erros do passado. Para ele, no entanto, o ser humano insiste nos mesmos tropeços. E reforça: não idealizo tanto o ser humano a ponto de acreditar que vamos aprender com a história do que aconteceu com os outros. Cada geração aprende com o que vivencia, não com o que os outros vivenciaram.
O alerta de Mujica segue atual porque aponta para escolhas individuais e coletivas que ainda estamos adiando. Em meio à emergência climática e ao esgotamento dos modelos tradicionais de desenvolvimento, sua fala continua a provocar: que tipo de sociedade queremos construir com o tempo de vida que ainda nos resta?