Há excesso de energia solar e eólica no Brasil?
Avanço das renováveis pressiona rede de transmissão e revela necessidade de novos mecanismos de mercado

O Brasil vive um paradoxo energético. O avanço acelerado das fontes eólica e solar tem transformado a matriz elétrica e consolidado o país como referência internacional. Mas esse crescimento veloz também tem revelado gargalos importantes no Sistema Interligado Nacional (SIN), responsável por distribuir energia entre as diversas regiões nacionais.
Por meio do SIN, quando há excedente de energia em uma região, uma parte pode ser transferida para regiões onde a geração não seja suficiente ou estejam em uso fontes mais onerosas. É um sistema complexo que tem sua gestão muito bem executada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Demanda crescente
O consumo de energia elétrica mantém uma tendência de alta, especialmente nos últimos dois anos. A boa notícia é que, em determinados momentos, a oferta de energia renovável chega a superar a demanda. É o que ocorre, por exemplo, no meio do dia, quando a geração solar atinge seu pico, ou em períodos de forte regime de ventos no Nordeste. Nessas situações, os preços do mercado de curto prazo podem cair de maneira significativa.
Quando isso ocorre, produtores deixam de ser remunerados adequadamente, o que pode impactar no planejamento financeiro das empresas geradoras. Além disso, parte da energia limpa disponível acaba sendo desperdiçada pela falta de infraestrutura de transmissão que consiga dar vazão ao excedente.
Dessa forma, o aporte significativo de geração eólica e solar pode acarretar problemas de gestão do SIN. É claro que a geração eólica e solar é desejável, por terem como fonte recursos renováveis (vento e luz solar) e são fontes neutras na emissão de gases de efeito estufa na sua operação. O problema é a intermitência dessas fontes. Ventos podem oscilar, assim como a incidência da luz solar pode sofrer variações repentinas em algumas regiões ao longo do dia.
Como fazer para operar o SIN em situações como essa? A variabilidade das renováveis também exige uma retaguarda confiável. Usinas hidroelétricas têm que ficar em modo de espera (standby) para suprir a rede nacional quando ocorrem variações na geração eólica e solar. E isso tem um custo e aumenta a complexidade de operação do sistema.
Outro aspecto importante é a concentração de projetos em determinadas regiões. O Nordeste, por exemplo, tornou-se polo de usinas solares e eólicas, mas a rede de transmissão nem sempre consegue escoar toda essa energia para os grandes centros consumidores do Sudeste e do Sul. Quando isso acontece, o ONS precisa reduzir a geração dessas fontes, num processo conhecido como curtailment, a fim de preservar a estabilidade da rede. Esse procedimento evita que, caso ocorram fortes oscilações na geração eólica ou solar, isso não possa ser facilmente — ou muito rapidamente — absorvido pelo SIN.
Parte do excedente poderia ser utilizado para a gestão de usinas hidroelétricas reversíveis. A energia que seria descartada poderia ser utilizada para encher reservatórios de usinas que podem ficar em standby para facilitar a gestão das fontes intermitentes.

Gestão de reservatórios
As mudanças climáticas têm impactado os reservatórios de grandes usinas hidroelétricas. Há estudos que evidenciam uma tendência de redução do chamado volume afluente (a água que a natureza fornece) para grandes reservatórios situados na região central do Brasil. Quando há diminuição do nível d’água além do esperado, o excesso de renováveis permite poupar água. Por outro lado, há períodos em que a redução da geração eólica e solar precisa ser compensada pelo uso mais intensivo das hidroelétricas, mas nem sempre isso é possível pela falta de água.
Nesses casos, as termoelétricas entram em operação mais intensiva. O problema é que elas têm um custo operacional elevado, o que acaba sendo repassado para a tarifa final. Outro problema é que parte das termoelétricas utiliza combustíveis fósseis, aumentando a emissão de gases de efeito estufa.
Transição energética
O Brasil tem se notabilizado pela utilização de fontes renováveis com potencial para ampliar ainda mais esse uso. Entretanto, para que esse caminho continue a ser percorrido adequadamente, são necessários mais investimentos em transmissão, a criação de mecanismos de mercado mais modernos e o incentivo a alternativas de armazenamento como baterias e usinas hidroelétricas reversíveis, por exemplo.
Na prática, o desafio não é a energia renovável, mas sim a necessidade de um melhor preparo do sistema para absorvê-la plenamente. Na transição energética, o país agora enfrenta novos desafios para continuar se destacando no uso de fontes renováveis. Superar esses desafios poderá consolidar o país não somente como líder em geração limpa, mas também como exemplo mundial de inovação na integração de renováveis.