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    Pedro Côrtes
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    Pedro Côrtes

    Professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e um dos mais renomados especialistas em Clima e Meio Ambiente do país.

    DeepSeek nos alerta sobre a resolução da crise climática

    Nova inteligência nos lembra que inovações disruptivas podem abalar a condição atual de um sistema e provocar mudanças de rumo. Estaria nisso a resolução da crise climática?

    A inovação disruptiva é algo que pode modificar profundamente mercados ou produtos existentes, ou até mesmo dar origem a novos mercados e produtos. O conceito foi popularizado por Clayton Christensen, em seu livro The Innovator’s Dilemma, mas ele não foi o único a tratar dessa questão.

    Thomas Kuhn, físico e filósofo da ciência, estudou como as teorias científicas surgem, ganham credibilidade, perecem sendo substituídas por novas teorias à medida que a ciência progride e novos problemas têm de ser enfrentados. Esse conceito está sintetizado no livro The Structure of Scientific Revolutions.

    Clayton Christensen e Thomas Kuhn nos mostram que ideias inovadoras e disruptivas acabam por ser substituídas por ideias ainda mais inovadoras. Isso pode demorar muitos anos, mas a evolução da ciência e da tecnologia gera avanços cada vez mais rápidos.

    Estamos presenciando isso agora com o DeepSeek, sistema desenvolvido na China que fornece soluções do mesmo naipe de sistemas de inteligência artificial existentes, a maioria norte-americanos. A disrupção trazida pelo DeepSeek é o fato de ele utilizar tecnologia bem mais acessível e demandar um menor consumo de energia.

    Sam Altman, CEO da OpenAI, a empresa por trás do ChatGPT, elogiou o DeepSeek, sistema que ele considerou impressionante em relação ao que ele consegue entregar por um baixo preço.

    Crise climática

     

    O fato de o DeepSeek consumir menos energia em um mundo cada vez mais imerso em sistemas de inteligência artificial hospedados em datacenters que devoram energia é um alento. A transição energética, com a substituição dos combustíveis fósseis por fontes renováveis, é cada vez mais necessária.

    Continuamos emitindo muitos gases de efeito estufa. Recordes de temperatura estão sendo quebrados e cada vez mais energia é colocada no sistema oceano-atmosfera. Os padrões meteorológicos são alterados e os eventos climáticos ocorrem com frequência e intensidade crescentes.

    Embora muitos provedores de serviços de inteligência artificial tenham se proposto a usar fontes renováveis, é certo que nem todos pensam da mesma forma. Portanto, é de supor que o uso de combustíveis fósseis aumente com o uso de termoelétricas dedicadas a suprir a voracidade dos datacenters por energia.

    Drill, baby, drill

    O slogan, que foi amplamente utilizado pela candidata a vice-presidente Sarah Palin, na chapa com John McCain em 2008, passou a ser um dos adágios mais empregados pelo presidente Donald Trump em defesa dos combustíveis fósseis.O cancelamento de programas ambientais pelo governo Trump e o incentivo aos combustíveis fósseis poderão levar os EUA a um atraso tecnológico em relação ao desenvolvimento de soluções para transição energética.

    Com um mercado interno desestimulado, empresas americanas não vão investir em novas tecnologias voltadas ao uso de fontes renováveis.

    Esse gap será preenchido, em grande parte, pela China. É o que acontece hoje com os carros elétricos e vai se estender a outras tecnologias que priorizem o uso de energias limpas. Drill, baby, drill. Isso resume tudo.

    É interessante verificar que a novidade da vez veio em uma forma totalmente inesperada. Não se trata apenas de algum algoritmo com grande capacidade, mas um sistema que consegue fazer isso de maneira acessível, seja pelo uso de processadores convencionais, seja pelo baixo consumo de energia. Uma inovação acessível, inclusive pelo fato de o código (o conjunto de instruções) ser aberto e estar disponível para qualquer um.

    Isso ocorre em uma área considerada dentre as principais do governo Trump. Conseguem imaginar o que poderá acontecer com a transição energética, abandonada pelo atual governo? É de se esperar — e confesso ser um grande otimista — que tecnologias disruptivas surjam e acelerem a substituição de combustíveis fósseis. O fato de os EUA possivelmente ficarem à margem desse desenvolvimento não há de ser grande empecilho.

    A transição energética precisa, aceleradamente, de uma inovação disruptiva como essa proporcionada pelo DeepSeek. Se uma inovação disruptiva pode remodelar a tecnologia, ela também poderá redefinir o futuro da energia.

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