Pedro Duran
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Pedro Duran

O pai do Benjamin passou pela TV Globo, CBN e UOL. Na CNN, já atuou em SP, Rio e Brasília e conta histórias das cidades e de quem vive nelas

Gaivota da chaminé do conclave desperta alerta para dilema urbano da Europa

Animal vive "crescimento desenfreado" em diversos países próximos ao Mar Mediterrâneo, despertando estratégias governamentais de controle

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Foram três horas de clausura para 133 cardeais que votavam no conclave para eleger o novo papa.

Do lado de fora, dezenas de milhares de pessoas olhavam silenciosas para o alto, na Praça de São Pedro. No mundo todo, televisões transmitiam a imagem estática de uma chaminé.

Ou quase estática, porque alguém decidiu roubar a cena.

A gaivota-de-patas-amarelas, cientificamente batizada de "Larus michahellis", interagia com a chaminé do conclave e o telhado da Capela Sistina, no Vaticano.

Brancas e acinzentadas, as aves permaneceram em quadro durante vários momentos na espera pela fumaça que anunciaria o fim da votação.

A Itália virou o epicentro da espécie, que se espalha desenfreadamente pela Europa e pela Ásia.

"Elas vivem melhor nas cidades do que na natureza, por isso sua população tem crescido muito nesses ambientes. Se beneficiam de ambientes urbanos, principalmente pela facilidade de encontrar alimentos, construir ninhos e não ter predadores", explica à CNN o biólogo Renan Demétrio.

O especialista explica que, por mais que possa parecer, o animal não tem nada de bonzinho.

"O problema dessas gaivotas nas áreas urbanas se estende para vários aspectos: elas podem degradar fachadas de prédio, podem defecar nas pessoas nas ruas, em roupas no varal, elas podem ficar agressivas e atacar as pessoas, principalmente pessoas que alimentam esses bichos, elas favorecem a aproximação desses animais, acontecem acidentes e as fezes e as penas desses bichos nos prédios ainda podem causar entupimento de encanamento", conta Demétrio.

Gaivota da chaminé do conclave • Reprodução/Redes Sociais
Gaivota da chaminé do conclave • Reprodução/Redes Sociais

Características da espécie

A gaivota-de-patas-amarelas é uma espécie comum na Europa. O animal é considerado "oportunista e generalista", ou seja, não é muito exigente quanto ao tipo de alimento ou de ambiente para se reproduzir. Elas comem de tudo, desde restos de comida deixados por humanos até animais mortos.

Algumas gaivotas desse tipo podem pesar mais de um quilo e meio. Em um vídeo viral no TikTok, uma dessas gaivotas aparece engolindo um esquilo inteiro, com rabo e tudo.

Por que escolher o telhado e a chaminé?

Demétrio explica que a gaivota escolhe os telhados para construírem seus ninhos. As cidades litorâneas são as preferidas, porque os pescadores que jogam os restos de peixe na água contribuem para a alimentação do bicho.

Sem predadores em ambiente urbano, a gaivota encontra o local perfeito — mais protegido que a própria natureza. Onde há turistas há lixo e restos de comida, o que também acaba servindo de oportunidade para as gaivotas se alimentarem sem precisar gastar muita energia.

Considerado um animal "inteligente", Demétrio sugere que a gaivota também pode estar relacionando a chaminé com um ambiente aquecido e mais aconchegante para descansar.

Onde a gaivota urbana é encontrada?

Um mapa da plataforma Ebird mostra os locais onde há registros das gaivotas urbanas.

Locais onde há registros das gaivotas urbanas. • Reprodução/Ebird
Locais onde há registros das gaivotas urbanas. • Reprodução/Ebird

A mancha da presença do animal se espalha por todo continente europeu, da Turquia a Portugal, da Itália à Noruega, com observações na Islândia, Groenlândia, na costa dos EUA e em diversos países do norte da África e do Oriente Médio.

A plataforma registra 854 mil vezes em que a gaivota foi vista e 24.624 fotos do animal. Um dos vídeos mostra a gaivota caçando uma pomba e depenando o animal com o bico.

Manejo e controle

Há registro de ações para o controle da ave em diversos países, como Itália, Portugal, Espanha e Croácia. Uma das estratégias de controle é a retirada de ninhos e ovos.

O trabalho também inclui proteger melhor as fontes de restos de alimentos, como aterros sanitários, locais com resíduos de pesca e até intervenções no sistema de coleta de lixo.

Artigos científicos publicados em plataformas médicas descrevem ainda os riscos para a saúde, como a proliferação de bactérias causadas pela gaivota urbana.

Um deles cita especificamente Veneza, cidade italiana que fica a cerca de 500km do Vaticano.

"O resultado do controle [da gaivota] nesse local resultou na recuperação de populações de aves aquáticas, a chegada de novas espécies de aves, a ausência de acidentes com trabalhadores e a redução dos danos na produção local de sal", comenta Demétrio.