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    Tony Volpon
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    Tony Volpon

    Ex-diretor do Banco Central e professor-adjunto na Georgetown University (EUA)

    CNN Brasil Money

    Dez anos depois, voltamos à mesma crise?

    Faço um paralelo com 2014, mas de certa forma situação hoje já é bem pior: em 2015 endividamento bruto estava ao redor de 57% do PIB versus 79% de hoje

    Foi exatamente dez anos atrás que se iniciou uma sequência de eventos que levou à queda de um governo e uma crise fiscal-financeira causando uma das maiores recessões da história brasileira.

    Como alguém que teve pequena parte naquela crise, me assusta ver os óbvios paralelos sendo ignorados pelos nossos políticos e gestores da economia – afinal, todos os envolvidos hoje “estavam lá” em 2014. Será que estão sofrendo de uma amnésia coletiva?

    Lógico que não, mas aí fica o desafio de explicar como que pessoas (em tese) bem interessadas, mas no mínimo buscando o interesse próprio, podem estar caminhando de olhos abertos rumo ao precipício.

    Fiz boa parte da minha carreira nos mercados financeiros “indo contra” momentos de excesso de pessimismo que com certa frequência abatem sobre os mercados. Mas quero ser bastante honesto com vocês: não estou vendo muita luz no final deste túnel.

    Estamos atolados em um “equilíbrio ruim”. Com isso quero dizer duas coisas: o atual conjunto de preços e taxas já precificam uma crise futura (a parte “ruim” do equilíbrio), e para mudar essa situação somente um choque positivo muito forte, o que não parece estar dentro dos cenários prováveis.

    Faço um paralelo com 2014, mas de certa forma a situação hoje já é bem pior. Começamos pelo fato que em 2015 o endividamento bruto estava ao redor de 57% do PIB versus 79% de hoje. E somente vimos o nível de juros real com qual o Tesouro trabalha hoje no pico da crise em 2015-2016.

    Hoje você pode ir ao Tesouro Direto e comprar um título indexado à inflação pagando perto de 7% ao ano.

    Usando a conta de padaria “r-g”, se a economia brasileira pode (sendo otimista) sustentar um crescimento de 2,5% ao ano, precisaríamos de um superávit primário de 4,5% para estabilizar a relação dívida/PIB. Isso é a definição de “insustentável”.

    Como explicar o que está acontecendo? O governo prometeu uma solução para sustentar seu já fraco arcabouço fiscal e não entregou. Somente um conjunto de regras que limita o crescimento das despesas em 2,5% sustentaria o arcabouço. Limitar o reajuste do salário-mínimo a 2,5%, quando o crescimento “vegetativo” é de 2% ao ano no caso da Previdência, por exemplo, não fecha a conta.

    O que o governo está sinalizando com essa decisão? Uma hipótese seria tentar empurrar o ajuste fiscal para depois de 2026, o bem conhecido “estelionato eleitoral” – outro paralelo com 2014 quando Dilma prometeu não fazer um ajuste fiscal, que estava tudo bem, e aí depois colocou Joaquim Levy na Fazenda.

    O problema é que temos muitos, muitos meses antes da eleição, e o governo não somente optou por não sustentar seu próprio arcabouço, jogou na praça a ideia de fazer um ajuste populista no Imposto de Renda (IR) que, sem surpresas aqui, começaria a vigorar no ano eleitoral de 2026.

    Brilhante!

    A outra hipótese é a de resolver a questão via inflação. Afinal, quando a relação dívida/PIB chega a um patamar insustentável, uma solução seria “engordar” o PIB nominal via inflação. Foi isso que aconteceu, por exemplo, durante a pandemia.

    Mas essa é uma dessas estratégias que para funcionarem têm que ser combinadas com os “inimigos”: neste caso, os investidores (a malvada “Faria Lima”) que são semanalmente chamados para financiar a dívida do Tesouro.

    Esses, não sendo bobos, cobram um prêmio alto hoje caso o governo de fato opte por tentar essa saída via inflação, e é assim que chegamos a ver títulos do Tesouro pagarem IPCA+7% ao ano.

    Outro ponto importante é que a “opção inflação” só funciona se o Banco Central (BC) jogar junto. Por natureza, o BC opera, dentro da normalidade, “atras da curva” – veja hoje como a Selic está em 11,25% enquanto as taxas nominais já estão em 15%.

    Mas esse jogo é bem complexo: se ficar muito “atras da curva”, a saída dos investidores será pelo câmbio, gerando uma espiral de instabilidade.

    E hoje, bem diferente de 2014, há mais opções – ETFs, cripto – para rapidamente dolarizar os investimentos. Essa mudança comportamental torna a situação atual muito mais perigosa que em 2014.

    Disse que seria um desafio explicar o que passa pela “cabeça” do governo. Confesso que falhei: não consigo entender como eles imaginam algum tipo de “final feliz”. A cada oportunidade perdida de fazer um ajuste fiscal crível, a “conta” sobe de tamanho, e 2026 simplesmente não é um horizonte funcional para ancorar os mercados.

    A opção via inflação é tóxica politicamente (veja o triste fim do governo Biden) e arrisca uma espiral cambial-inflacionária se o Banco Central errar na dosagem de juros pagos para “segurar” o dinheiro dentro do país.

    É ridículo achar que a economia vai crescer nos próximos anos com essas taxas de juros. Se alguém tiver uma explicação de como isso vai acabar bem para alguém, por favor me conte!

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