As cicatrizes da Covid-19
Estima-se que aproximadamente 400 milhões de pessoas em todo o mundo demonstram os sinais da "Covid prolongada"

Já se passaram cinco anos desde que a Organização Mundial da Saúde declarou que a doença transmitida por um vírus detectado em Wuhan, na China, havia se transformado em pandemia global. E apesar dos momentos mais drásticos da Covid-19 terem ficado no passado, ela ainda se faz presente na sociedade. Menos pelas mortes (que lamentavelmente ainda ocorrem) e internações, mas por um legado silencioso e insistente.
Dados oficiais indicam mais de 7 milhões de mortes diretamente causadas pelo vírus até setembro de 2024. Mas é possível estimar que o impacto real tenha sido ainda maior, chegando a 15 milhões de óbitos, em razão de fatores como subnotificação, formas atípicas de manifestação da doença e falta de testes suficientes para diagnóstico em algumas localidades do mundo, além das causas indiretas, tais como a indisponibilidade de estrutura de saúde para tratar pacientes oncológicos e cardíacos durante a fase mais crítica da pandemia, por exemplo.
Até hoje o rastro do vírus ainda nos acompanha. Conforme surgem mais dados e literatura sobre a doença, é possível compreendê-la melhor, e entender que uma fração importante dos infectados pela Covid-19 acabaram desenvolvendo sequelas que não podem ser ignoradas.
Para além da fase aguda da doença, há a “Covid rebote”, que ocorre quando a pessoa volta a sofrer os sintomas ou a testar positivo para o Sars-Cov-2 entre dois e oito dias após se recuperar da infecção. Também temos a “Covid prolongada”, que acomete de 20% a 30% das pessoas que contraíram a doença.
Estima-se que aproximadamente 400 milhões de pessoas em todo o mundo demonstram os sinais da Covid prolongada, que é constituída por vários sintomas que persistem cronicamente após um caso de infecção, especialmente os neuropsiquiátricos, que vão desde a fadiga extrema até “névoa mental” (dificuldade de concentração, falhas da memória, raciocínio mais lento), dores musculares e problemas cardíacos.
Entre esses sinais persistentes após a infecção pelo Sars-Cov-2, um que merece destaque é a fibrose pulmonar, que constitui a chamada “Covid cicatricial”. O vírus costuma deixar cicatrizes no sistema pulmonar das pessoas que tiveram quadros graves da doença, que endurecem o pulmão e dificultam muito a respiração.
O impacto é especialmente grave entre pessoas que não completaram o esquema vacinal recomendado pelas autoridades de saúde. Estudos já comprovaram que a vacinação reduz não só o risco de internações e a taxa de mortalidade, mas também a probabilidade de desenvolver uma síndrome crônica após a infecção pelo vírus. É alto, portanto, o risco de complicações e morte neste grupo com sequelas pulmonares, caso voltem a se infectar, inclusive pelo vírus da Covid-19.
Muitas pessoas se recuperaram da doença após internações e intubações em UTI, principalmente no auge do período pandêmico quando não havia vacina disponível, e delas se espera, em tese, que tenham cuidados redobrados com a prevenção, mantendo a vacinação em dia para evitar complicações em caso de reinfecção. Mas nem sempre isso acontece.
Entre o início da pandemia e os dias atuais, a ciência avançou consideravelmente. Foram desenvolvidos tratamentos e medicamentos anti-inflamatórios, antivirais e o monitoramento clínico personalizado tornou-se uma alternativa viável. Pesquisas avançaram a ponto de permitir ajustes rápidos nos protocolos e nas vacinas.
Ainda há muito para ser estudado. A Covid prolongada necessita de acompanhamento multidisciplinar e multiprofissional em serviços especializados.
As cicatrizes deixadas pela pandemia não são apenas simbólicas, mas em alguns casos literais, marcadas nos corpos daqueles que enfrentaram a doença. Acompanhar esses sinais é fundamental para garantir uma qualidade de vida melhor para essas pessoas.