David Uip
Coluna
David Uip

Médico infectologista, reitor do Centro Universitário FMABC, diretor nacional de Infectologia da Rede D’Or e professor convidado do Grupo Educacional CEUMA e da MasteryMed. Foi secretário de Estado da Saúde de São Paulo (2013 – 2018)

O desafio global da resistência aos antimicrobianos

Ilustração da bactéria Acinetobacter baumannii
Acinetobacter baumannii é uma bactéria resistente a muitos antibióticos  • Kateryna Kon/Science Photo Library
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A resistência de bactérias e fungos a medicamentos antimicrobianos já é considerada uma das maiores ameaças à saúde pública mundial. O problema cresce em ritmo acelerado e preocupa autoridades sanitárias porque compromete a eficácia de tratamentos antes considerados seguros e coloca em risco procedimentos médicos de rotina.

De acordo com estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 7,7 milhões de pessoas morreram em 2019 vítimas de infecções bacterianas. Desses óbitos, 4,95 milhões estiveram associados à resistência a antibióticos, sendo 1,27 milhão diretamente atribuídos a microrganismos resistentes. No Brasil, dados do estudo Global Burden of Disease indicam que, em 2021, aproximadamente 31,7 mil mortes foram causadas diretamente pela resistência antimicrobiana, enquanto 130 mil tiveram associação com o problema.

Especialistas explicam que a resistência ocorre quando microrganismos se adaptam e deixam de responder aos medicamentos disponíveis. O uso inadequado de antibióticos — como automedicação, abandono precoce do tratamento ou dosagens incorretas — acelera esse processo. O descarte irregular de medicamentos e o uso de antimicrobianos em animais e na agricultura também contribuem para o surgimento de cepas mais resistentes.

Embora o fenômeno seja global, países de baixa e média renda sofrem mais. A falta de acesso a água potável e saneamento básico, aliada a sistemas de saúde fragilizados, cria condições para a disseminação de infecções e dificulta o controle da resistência.

O impacto vai além das doenças infecciosas. Sem antibióticos eficazes, cirurgias, partos cesarianos, quimioterapia e até transplantes se tornam mais arriscados. Segundo especialistas, a resistência antimicrobiana ameaça conquistas fundamentais da medicina moderna.

A resposta exige uma ação coordenada. O Banco Mundial calcula que seriam necessários cerca de US$ 9 bilhões por ano para enfrentar o problema em países de baixa e média renda. O investimento deveria incluir pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos, ampliação do acesso à saúde, fortalecimento de programas de prevenção e controle de infecções, além de maior regulação sobre o uso de antimicrobianos na agropecuária.

Se nada for feito, até 2050 o número de mortes por infecções hospitalares pode ultrapassar o total de óbitos por câncer e doenças cardiovasculares.

Para a OMS e instituições internacionais, não há mais tempo a perder. A resistência antimicrobiana já impacta milhões de vidas todos os anos e, sem medidas urgentes, pode transformar infecções tratáveis em problemas de saúde de difícil ou impossível controle.

No Brasil, é fundamental integrar-se ao movimento global por meio de parcerias público-privadas. A indústria farmacêutica nacional tem competência técnica e, com o apoio de políticas públicas consistentes, pode desempenhar papel decisivo na luta contra a resistência antimicrobiana.