Gonzalo Vecina
Coluna
Gonzalo Vecina

Médico sanitarista, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária

Dois alertas e uma previsão

  • Sam Carter/ Unsplash
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Por estes dias duas notícias estão sendo veiculadas na imprensa e estão passando meio desapercebidas ou ligadas a outros eventos, dada a turbulência econômica e política que estamos vivendo. Mas é necessário recolocá-las em um contexto específico e fundamental.

A primeira diz respeito à notícia veiculada pela Agência Brasil no dia 22/8/25 – “reações adversas possivelmente relacionadas ao uso da vacina Excell 10, contra clostidiose, podem ter resultado na morte de quase 200 animais, o que levou o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa a retirar de circulação os lotes 016/2024, e 018/2024 da vacina produzida pelo laboratório Dachra Brasil Produtos Veterinários. Segundo o Mapa até o momento foram registrados óbitos de 194 ovinos, 4 caprinos e 1 bovino.”

Essa vacina é usada na criação de animais para protegê-los de uma doença fatal causada por toxinas de bactérias do gênero Clostidium spp (da mesma família das bactérias que causam o botulismo em humanos).

O que pode ter ocorrido? As investigações estão sendo conduzidas pelo Mapa e pelo laboratório. Mas o fato é muito grave.

É importante nesse momento lembrar que o Mapa e os produtores do agro em 1999 foram contra a fiscalização da produção de medicamentos voltados para animais serem controlados pela Anvisa, como aliás ocorre nos EUA onde o FDA é o responsável pela fiscalização e segurança de medicamentos produzidos para humanos e animais. Afinal o destino destes medicamentos termina nos humanos.

Na época o argumento não mencionado, na sombra, foi que as exigências de segurança de medicamentos para humanos eram desnecessárias para animais – somente encareceria o acesso a medicamentos para animais.

O agro em geral e o Mapa esquecem que ter uma bela produtividade e eficiência produtiva de nada valem se os compradores não comparecerem. O mundo não compra alimento – compra safety food! Se não for seguro, não aceitarão correr o risco de envenenar seus cidadãos. Veja os recentes eventos relativos à gripe aviária e mais distante os relativos à vaca louca.

A liberação realizada de agrotóxicos no governo anterior está envenenando a comida vendida pelo e no Brasil. E agora, fabricas que não estão sendo adequadamente fiscalizadas estão produzindo mortes de animais. Faltam fiscais, pela economia forçada na contratação dos mesmos e o processo de fiscalização pelo Mapa tem sido falha. E ainda vale lembrar que no meio da pandemia passada se propuseram a produzir vacinas nas fábricas de animais ... para consumo humano! Ainda bem que os ignorantes do então governo não entenderam a proposta.

Mas o fato relevante a ser destacado neste momento é o risco que o Brasil corre pelo fato de não estar operando de maneira adequada a regulação da produção de medicamentos destinados a animais. Risco sanitário de cidadãos brasileiros e risco econômico pela queda da venda dos nossos produtos.

O segundo evento, muito mais grave não ocorreu aqui, mas na vizinha Argentina.

Veiculado pelo site Conversation no dia 25/8/25 - “A segurança dos medicamentos é um dos pilares da saúde publica. Na Argentina, essa responsabilidade cabe à Agencia Nacional de Medicamentos, Alimentos y Tecnologia Medica – ANMAT, encarregada de garantir a qualidade, a eficácia e a segurança dos produtos de saúde no país. O cumprimento de normas internacionais e de protocolos de fabricação transmite a ideia de que incidentes graves e mortes associadas a medicamentos são altamente improváveis.

No entanto, quando falhas ocorrem, comprometem o sistema de saúde, abalam a sua credibilidade e expõe fragilidades regulatórias até então encobertas. Foi exatamente o que aconteceu recentemente com a contaminação de lotes de fentanil – um anestésico amplamente utilizado em procedimentos hospitalares.

No dia 2/5/2025, o Hospital Italiano de La Plata notificou a ANMAT um surto de infecções graves em pacientes de terapia intensiva após a administração de fentanil. As análises identificaram a presença das bactérias Kebsiella peneumoniae e Ralstonia spp em amostras clínicas. Os mesmos patógenos foram posteriormente encontrados em ampolas do medicamento produzido pela farmacêutica HLB Pharma.

Segundo o Boletim Epidemiológico Nacional, publicado em 11/8, já haviam sido confirmados 67 casos. Em 16/8 o número de mortes registradas chegou a 96 e segue subindo.”

Infelizmente o país vizinho está passando por um período muito difícil. Visitei a ANMAT em 1998 e conheci seu fundador - Pablo Baserque. Aprendemos com a sua experiência. Tudo indica que temos uma crise na vigilância sanitária Argentina. Tudo pelo equilíbrio das contas publicas! Vidas? São detalhes e eu não sou coveiro deve dizer o mandatário local. Mas o que está acontecendo é uma crise institucional pelo desaparelhamento do estado que está sendo paralisado e o resultado são mortes evitáveis.

A Anvisa é responsável pela segurança sanitária de quase tudo que consumimos. Quase tudo, pois os alimentos têm uma divisão com o Mapa – todo o controle sanitário da porteira para dentro das propriedades rurais é do Mapa e de seus técnicos. De qualquer forma, inclusive nestes produtos a Anvisa tem uma responsabilidade não abdicável, apesar do compartilhamento das responsabilidades.

A questão, após esses dois relatos, é a previsão – o que viveremos? Já estamos vivendo?

Os órgãos de regulação estão sendo mal geridos, pois a dupla porta em muitos momentos tem prevalecido na indicação de seus dirigentes – ainda não é o caso da Anvisa, mas tem ocorrido nas demais agencias reguladoras. Além disso é notável a falta de técnicos para realizar as atividades de fiscalização e garantia das atividades de fiscalização e liberação de produtos.

E as consequências estão começando a aflorar – a vítima no momento é o já desaparelhado Mapa. Mas quanto tempo se passara até termos um caso como o da Argentina?

Como conseguir frustrar uma previsão tão terrível?