José Manuel Diogo
Coluna
José Manuel Diogo

O homem de lá e de cá. Presidente da APBRA, diretor da Câmara Luso Brasileira em Lisboa. Professor universitário no IDP em Brasília. Escritor. Especialista em relações luso-brasileiras

Como a imigração pode fortalecer a identidade nacional

Hoje, o que precisamos mais é de coragem para olhar além dos slogans políticos fáceis e reconhecer a profundidade humana por trás das malas que cada imigrante carrega

Imigrantes se entregam a um agente de fronteira depois de cruzarem a fronteira entre México e Estados Unidos em Jacumba Hot Springs, na Califórnia  • 15/05/2024 REUTERS/Adrees Latif
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Um homem equilibra-se sobre um muro estreito segurando duas malas pesadas, cada uma puxando-o para um lado oposto. Abaixo, não há chão visível, apenas um vazio que sugere queda iminente. Essa imagem, publicada no jornal norte americano New York Times para ilustrar um artigo sobre imigração e identidade nacional, é uma metáfora clara da situação em que se encontram milhões de imigrantes, forçados a caminhar numa linha tênue entre o desespero e a esperança.

Mais do que ilustração, essa cena é o retrato exato da situação vivida hoje por aqueles que deixam suas terras rumo a um futuro incerto, no caso do Brasil maioritariamente rumo a Portugal e aos Estados Unidos.

A autora da matéria, Claire Ainsley, diretora do Projeto de Renovação no Progressive Policy Institute, e principal assessora de políticas de Keir Starmer de 2020 a 2022, antes de ele se tornar primeiro-ministro do Reino Unido, defende que uma abordagem mais rigorosa nas políticas migratórias pode ser compatível com uma visão progressista do futuro. Argumentando que, para preservar a identidade nacional e os benefícios sociais, é preciso controlar fronteiras com firmeza.

É precisamente esse detalhe que a discussão pública, manipulada pela bipolarização, frequentemente omite. No meio dos debates sobre quotas, restrições e regras migratórias, esquecemos que cada política pública implica diretamente na vida concreta das pessoas.

De um lado, está a promessa sedutora da segurança nacional; do outro, a humanidade urgente daqueles que buscam simplesmente sobreviver, carregando suas vidas em malas gastas.

O muro sobre o qual cada migrante se equilibra é metáfora para outro muro que muitos países erguem silenciosamente sob o pretexto de defender suas identidades. Um muro construído com medo e indiferença, que afasta aqueles que mais precisam de solidariedade.

É preciso lembrar que a identidade nacional não é um conceito rígido, imóvel, e muito menos impermeável. Pelo contrário, as identidades mais fortes e resilientes são aquelas capazes de acolher, transformar-se e crescer com os desafios trazidos pelas diferenças.

Claro que é fundamental reconhecer que o tema da imigração é complexo. Nenhuma sociedade pode suportar políticas migratórias completamente descontroladas, assim como nenhuma democracia deveria aceitar o fechamento absoluto das suas fronteiras.

O equilíbrio difícil simbolizado na imagem do homem sobre o muro é também o que as nações precisam buscar em políticas públicas. Não se trata de evitar o debate sobre limites e condições, mas de fazê-lo com empatia genuína e responsabilidade moral.

Hoje, o que precisamos mais é de coragem para olhar além dos slogans políticos fáceis e reconhecer a profundidade humana por trás das malas que cada imigrante carrega. Esse olhar atento, compassivo e realista não enfraquece nossa identidade nacional; ao contrário, fortalece-a profundamente.

Afinal, a grandeza de uma sociedade mede-se não pelos muros que constrói, mas pela capacidade de acolher e integrar quem atravessa fronteiras à procura de dignidade e futuro.