Maurício Pestana
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Maurício Pestana

Jornalista, escritor e especialista em Diversidade e Inclusão. Preside o Fórum Brasil Diverso e RAÇA Brasil Comunicações

Nesta semana, que tal um vinho preto?

Negros estão distantes de estarem em igual proporção no agro, mas exemplo da agricultora Miriam mostra que esse jogo pode estar começando a mudar

A agricultora Miriam Krindges  • Divulgação
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A tendência de mudança do trabalho da cidade para o campo é um fenômeno que está ocorrendo no Brasil já há algum tempo e se intensificou após a pandemia de Covid-19. De acordo com o IBGE, 84,72% da população brasileira vivem na zona urbana, enquanto a população rural representa uma parcela menor. No entanto, existe um movimento crescente de pessoas que estão optando por deixar a vida urbana e se mudar para áreas rurais, buscando uma vida mais simples e conectada com a natureza.

Essa tendência é particularmente interessante quando se considera a população negra brasileira que, embora tenha sido trazida para o Brasil como escravizada e trabalhar na agricultura por mais de 380 anos, traz consigo essa herança cultural e histórica e pode, também, estar influenciando a decisão de muitos de estarem se mudando para áreas rurais e se envolvendo em atividades agrícolas.

A conexão com a terra e a agricultura é uma parte importante da identidade negra brasileira. Muitas pessoas estão redescobrindo suas raízes e se conectando com a natureza e a terra de uma maneira mais profunda. Isso pode ser visto como uma forma de resistência e de afirmação da identidade negra, além de ser uma escolha de vida mais autêntica e significativa.

Além disso, a agricultura pode ser uma fonte de renda e de sustento para muitas famílias negras que vivem em áreas rurais. A produção de alimentos orgânicos e sustentáveis é uma tendência crescente em nosso país, e as pessoas negras podem ter um papel importante nesse movimento. Isso pode ajudar a promover a segurança alimentar e a soberania alimentar em comunidades negras, além de ser uma forma de preservar a cultura e a tradição. E não estou falando de comunidades tradicionais como os quilombolas.

Um exemplo vem do Rio Grande do Sul, em Poço das Antas, a 95 km de Porto Alegre, onde está localizado o Sítio Rosa do Vale. Do casal de produtores rurais, Miriam e Irani Krindges, com um empreendimento familiar, que se dedica ao plantio de uvas e figos, à fruticultura e à produção de vinhos, além de promover o enoturismo.

Entre as muitas experiências oferecidas pelo espaço, destaca-se o Samba da Uva, uma pisa da uva acompanhada de uma roda de samba. A ideia de misturar uva e samba surgiu de Miriam, que se mudou do grande centro urbano cidade de São Paulo para o Rio Grande do Sul em 2012. Com o nascimento de sua filha Dandara, em 2019, a produtora rural decidiu que era hora de repensar sua carreira e mudar de ritmo.

“No início, não pensava em regularizar o vinho. Estava construindo uma agroindústria para fazer geleias. O vinho eu regularizaria em um segundo momento”, admite a primeira e única empreendedora negra de que se tem notícia no Brasil a produzir vinhos. Atualmente, o Sítio Rosa do Vale oferece nove tipos de espumantes e dez vinhos, com preços a partir de R$ 80,00 para os vinhos finos e R$ 40,00 para os vinhos de mesa.

No Brasil, mais da metade da população é negra. Negros ainda estão distantes de estarem em igual proporção no agro, verdadeiro motor da economia brasileira, mas o exemplo da agricultora Miriam mostra que esse jogo pode estar começando a mudar.

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