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    Paulo Hartung
    Coluna

    Paulo Hartung

    Economista, presidente da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ). Foi governador do Espírito Santo

    O legado de Armando Klabin

    Em tempos marcados por extremismos e pela crescente dificuldade no diálogo, a figura de Armando Klabin emerge como uma bússola

    Enfrentamos momento histórico de grande instabilidade. O século 21 nos desafia com uma complexidade crescente, marcada por conflitos que redesenham fronteiras, crises ambientais que exigem ações urgentes e uma brutal instabilidade geopolítica. Em meio a esse cenário de profundas transformações e, por vezes, de esfacelamento de valores, nossos olhos se voltam para os faróis da liderança. Buscamos, nas trajetórias de grandes homens e mulheres, inspiração, mas também as peças fundamentais para montar o quebra-cabeça de um futuro melhor.

    Tenho dedicado parte de minhas reflexões a identificar essas referências. Neste espaço, busco observar os líderes que marcaram nosso tempo e como seus legados podem nos guiar rumo a um mundo melhor. Recentemente, tive a grata oportunidade de mergulhar na história de Armando Klabin, com o sensível registro da jornalista Liana Melo em “Armando Klabin: as tacadas de um líder”. O livro é um tributo a um homem notável, falecido em 2021, cuja vida se entrelaçou de forma indelével com a história de uma das maiores empresas do país.

    Conheci Armando em 2018, quando exercia meu terceiro mandato à frente do governo do Espírito Santo. Na ocasião, estivemos juntos em homenagem prestada no Palácio Anchieta a Arthur Coutinho, seu colega na turma de 1955 da Escola Nacional de Engenharia, hoje UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Estreitamos nossa relação a partir do ano seguinte, quando cheguei à Ibá (Indústria Brasileira de Árvores). A leitura de sua biografia, agora, aprofundou meu conhecimento sobre sua trajetória.

    O empresário foi membro do Conselho de Administração da Klabin S.A. desde sua criação, em 1979, e presidiu o órgão por diversas vezes. Suas contribuições ao Conselho são testemunho do vigor de quem se dedicou, ao lado dos acionistas, à construção do que hoje é uma potência global na produção de celulose, papéis e embalagens. “Doutor Armando”, como era carinhosamente chamado, norteava suas ações por valores como paciência, humildade, coragem e generosidade, princípios que irradiavam de suas relações familiares para a condução estratégica da Klabin.

    Esses valores foram postos à prova em sua última grande “tacada”: a complexa negociação para renovar o acordo de acionistas da Klabin Irmãos & Cia., a holding que controla a empresa e congrega oito ramos da família Klabin-Lafer. Firmados desde 1980, esses acordos são considerados a base que estrutura e harmoniza a governança familiar e corporativa. O acordo é encarado como um “Talmude”, em referência aos livros sagrados que estruturam e guiam o judaísmo.

    Armando liderou o último processo de renovação, iniciado em 2020 e concluído em junho de 2021, poucos meses antes de nos deixar. Ali, demonstrou maestria na arte da conciliação, alinhando interesses e prioridades diversas sob um mesmo propósito. Sua habilidade em, como dizia, “engolir sapos e cuspir borboletas” na busca pelo consenso, revelava suas prioridades inegociáveis: a saúde e a perenidade da empresa acima das eventuais divergências. Assim operava um líder focado na continuidade e na permanência.

    As raízes dessa visão aludem à jornada de seus antepassados, imigrantes lituanos que chegaram ao Brasil no final do século 19 e lançaram as bases do grupo — sendo Maurício Klabin, o primeiro da família a cruzar o oceano, o ponto de partida dessa trajetória. O sentido de liderança para consolidar a Klabin como a empresa que hoje admiramos passou de geração para geração: Armando é filho de Wolff, importante líder empresarial de seu tempo. Ao longo dos anos, outros familiares despontaram não apenas como propulsores do empreendimento, mas como exemplos de cidadãos engajados com os rumos do país. Podemos citar como exemplos de pleno engajamento na atualidade o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer, o ambientalista Roberto Klabin, e o economista Horacio Lafer Piva, que hoje preside o Conselho Administrativo da empresa.

    Foi Armando quem, ainda nos anos 2000, com notável antevisão, direcionou a Klabin para o futuro, antecipando a crescente demanda global por soluções sustentáveis. A aposta em embalagens de papel, biodegradáveis e recicláveis, alinhava a companhia às novas exigências de consumo e responsabilidade ambiental. Essa visão se reflete em outros pilares da sustentabilidade da empresa. Hoje, dos 900 mil hectares de florestas da Klabin, 41% corresponde a áreas de conservação, onde são realizados projetos de educação ambiental, de preservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos.

    Os projetos Puma 1 e 2, marcos recentes de expansão e modernização no Paraná, ampliaram a capacidade de produção da empresa para 4,7 milhões de toneladas de celulose e papel por ano, fortalecendo a sua posição como fornecedora de produtos renováveis ao Brasil e ao mundo. A unidade Puma já nasceu sob esse espírito. A fábrica tem autossuficiência energética, a partir do reuso de subprodutos da cadeia produtiva, além de ter quase a totalidade de seus resíduos sólidos reaproveitados, evitando o acúmulo em aterros – tudo isso a partir de uma sólida lógica de circularidade. Colocar a Klabin na rota da sustentabilidade foi, sem dúvida, uma escolha fundamental.

    Em tempos marcados por extremismos e pela crescente dificuldade no diálogo, a figura de Armando Klabin emerge como uma bússola. Sua incansável busca pela conciliação e sua capacidade de construir pontes são valores indispensáveis a lideranças que trabalham por um Brasil e um mundo à altura de nossos melhores sonhos.

    Armando nos deixou a lição da perseverança na construção de convergências, da paciência estratégica e da visão de longo prazo. Seu legado não reside apenas nos números impressionantes da Klabin, mas nas sementes de sabedoria e humanidade que plantou, essenciais para cultivarmos a esperança de um futuro próspero e sustentável.

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