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    Lições da China: como os negócios globais mudaram para sempre

    Da organização do escritório às cadeias de produção, empresas estão se adaptando no primeiro país a viver a pandemia da COVID-19 -- e o primeiro a sair dela

    Michelle Toh, CNN Business

    Durante a maior parte deste ano, a China está vivendo sete semanas à frente dos demais países.

    A segunda maior economia do mundo foi a primeira a ser atingida pelo surto de coronavírus, que a forçou a interromper viagens, fechar lojas e parques temáticos, ordenar o uso de máscaras em público e incentivar a população a adotar o distanciamento social.

    Agora, o país está gradualmente reabrindo. Enquanto o resto do mundo se prepara para fazer o mesmo, as empresas que foram forçadas a responder primeiro ao surto na China estão usando suas primeiras experiências para formar um plano para outras regiões.

    As respostas corporativas na China viraram um ponto focal para analistas de Wall Street nos últimos meses. Marcas globais como Nike, Starbucks e Disney compartilham suas experiências no país em ligações com investidores e creditam suas equipes pelo direcionamento durante a crise.

    A Nike, por exemplo, disse recentemente que estava “vendo o outro lado da crise na China” e aprendeu as melhores práticas que poderiam ser transferidas para outros lugares. Quando a Volkswagen reabriu sua fábrica gigante em Wolfsburg, na Alemanha, nesta semana, citou sua experiência em retomar os negócios em 32 de suas 33 fábricas na China.

    As novas estratégias que as empresas estão introduzindo não trarão a vida de volta ao normal, de acordo com líderes e especialistas em negócios. Em vez disso, a crise pode virar de cabeça para baixo permanentemente a maneira como trabalhamos, compramos e gerenciamos nossos negócios.

    “Este é o novo normal”, disse Alain Benichou, CEO da IBM China. “Estamos trabalhando no momento com vários alertas soando”.

    Segue um panorama de como o futuro dos negócios mudou – e como a China está nos dando uma prévia.

    A nossa forma de trabalhar

    Para a consultora baseada em Londres Despina Katsikakis, a crise acelerou o futuro do trabalho em até uma década. Katsikakis, que é especialista em inovação e sócia da gigante do ramo imobiliário Cushman & Wakefield (CWK), vem assessorando empresas de todo o mundo no retorno ao trabalho.

    Na China, a Cushman & Wakefield já ajudou a transferir mais de um milhão de trabalhadores para os escritórios. A empresa espera capitalizar essa mudança, começando com um guia visual para seus clientes chamado “Escritório de Dois Metros” (“Six Feet Office)”. O conceito, um “laboratório vivo” no escritório de Cushman & Wakefield, em Amsterdã, foi baseado nas sugestões da China e em outros comentários de trabalhadores e clientes em todo o mundo.

    Cushman & Wakefield construiu um protótipo chamado "Escritório de Dois Metros"
    A gigante imobiliária Cushman & Wakefield construiu um protótipo chamado “Escritório de Dois Metros”, que incentiva as pessoas a manter o distanciamento social no retorno ao trabalho
    Foto: Divulgação

    “É um protótipo que basicamente existe para inspirar as pessoas a continuar usando o distanciamento social, a preparar o edifício de maneira apropriada e adotar novos comportamentos”, explicou Katsikakis.

    No novo normal, as mesas são mais espaçadas. As autoridades de saúde de todo o mundo aconselham as pessoas a manter uma distância entre um metro e meio e dois metros umas das outras para evitar a propagação do vírus.

    Os trabalhadores são instruídos a caminhar “apenas numa direção” (no sentido horário) pelo escritório, para evitar passar um pelo outro e potencialmente espalhar mais germes. Katsikakis disse que a orientação foi baseada em consultas com especialistas em saúde, que compartilharam como os médicos estavam navegando nos hospitais.

    A executiva contou que uma das maiores lições aprendidas pela empresa na China foi a necessidade de “garantir que voltaremos a um ambiente saudável”.

    Nos próximos anos, ela prevê sensores substituindo a maioria das superfícies compartilhadas que costumávamos tocar. No lugar de passar seu crachá ao entrar em ambientes fechados, por exemplo, você poderá encarar uma câmera de reconhecimento facial ou usar um código QR no seu telefone.

    As empresas também devem investir mais em sistemas de filtragem de ar no escritório para reduzir contaminantes (a Volkswagen, por exemplo, ajustou suas unidades de ar condicionado ao máximo em Wolfsburg). Alguns podem até instalar protetores de espirais em plexiglás nas mesas, disse Katsikakis. Para evitar a contaminação de superfícies, ela sugere colocar um revestimento de papel sobre sua estação de trabalho e substituí-lo diariamente.

    Desde o lançamento do protótipo “Six Feet Office”, a empresa é inundada de perguntas todos os dias – ou “a cada hora”, como lembrou Katsikakis. “Fazemos briefings diários com alguns de nossos maiores clientes globais para ajudar tanto eles como suas equipes imobiliárias a praticar essas ideias”.

    Embora o conceito exija mais espaço, isso não significa necessariamente que ter um escritório sairá mais caro. Se há uma coisa que a situação mostrou, é que o trabalho remoto é eficaz – e em grande parte veio para ficar, notou Katsikakis. Isso significa que menos pessoas estarão usando o mesmo espaço ocupado antes da pandemia.

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    A maneira como nos comunicamos no trabalho também mudou. O boom na demanda por software corporativo, como o Microsoft Teams, foi “inédito”, disse Jared Spataro, vice-presidente corporativo do Microsoft 365.

    Ele contou na última semana de abril que o programa de mensagens e videoconferência agora tem 75 milhões de usuários diários – um aumento de 70% em relação ao mês de março.

    “Temos uma máquina do tempo, já que países como China e Coreia do Sul voltaram ao trabalho e à escola, e o uso do Teams continua crescendo”, relatou ao CNN Business.

    A forma como compramos

    De algum jeito, este é o momento perfeito para as marcas conquistarem novos clientes e formarem conexões duradouras, na opinião de Deborah Weinswig, CEO da Coresight Research, uma empresa de consultoria e pesquisa focada no varejo e na tecnologia.

    As pessoas que se aconchegam em casa estão sendo forçadas a criar novas rotinas e estilos de vida, observou ela. “Dizem que para mudar um hábito são necessários 21 dias”, lembrou Weinswig. “Estamos mudando nossos hábitos de compra, e alguns deles serão bastante difíceis”.

    A Nike, por exemplo, transformou-se tanto que “poderia mudar o cenário para muitos anos à frente”, disse ela. (A Coresight já trabalhou em projetos de pesquisa para a Nike.)

    Nike
    Pedestre passa por uma loja da Nike em Xangai em março
    Foto: Getty Images

    A empresa já vinha promovendo compras online antes do surto, mas os negócios “realmente aceleraram” nos últimos meses, contou Weinswig. Foram fortes ganhos em março, em parte porque a gigante de sportswear acelerou rapidamente seus negócios online na China.

    De acordo com comunicado aos investidores do CEO John Donahoe, as vendas digitais na Grande China (que além do país continental inclui Hong Kong, Taiwan e Macau) aumentaram mais de 30% no último trimestre. Já o número de usuários ativos por semana em seus aplicativos de atividade disparou 80%.

    O aplicativo principal da empresa foi crucial para o seu sucesso. Lançado na China durante esse período, ele incentiva os usuários a se exercitar em casa através de um “clube de treinamento” virtual, de acordo com a Coresight. Weinswig observou que o aplicativo era gratuito, o que foi “crucial” para os usuários.

    A empresa também lançou mais produtos online, incluindo tênis de edição limitada, como os Air Jordans.

    A velocidade também foi fundamental. Como observou Weinswig, a Nike concorre em um espaço bem competitivo e lotado, mas foi uma das primeiras marcas a atrair clientes que ficam em casa. “A empresa se adaptou bem cedo”, opinou.

    A forma como gerenciamos as cadeias de suprimentos

    A pandemia também pode forçar uma reinvenção da cadeia de suprimentos global.

    Geralmente, as cadeias de suprimentos de bens de consumo são “projetadas para priorizar a eficiência, e não a flexibilidade e a resiliência”, escreveu John Knapp, sócio e diretor-gerente do Boston Consulting Group, em recente post em seu blog.

    Mas, nos últimos meses, “a escassez de matérias-primas e suprimentos críticos, juntamente com o espectro do aumento do absenteísmo dos trabalhadores, expuseram os riscos”, observou ele.

    As empresas estão sendo forçadas a repensar como enviam suas mercadorias.

    “As coisas que tínhamos como certas não existem mais”, desabafou William Ma, diretor da Kerry Logistics, uma companhia com sede em Hong Kong que ajuda empresas de todo o mundo a gerenciar suas cadeias de suprimentos.

    “No momento, podemos ver todas essas interrupções ao longo de quase todos os segmentos de movimentação de cargas entrando ou saindo da China. Ou na Europa, onde não é possível atravessar fronteiras com o caminhão.”

    Mercadorias em inspeção em um armazém de comércio exterior na China
    Mercadorias em inspeção em um armazém de comércio exterior na província de Jiangsu, China, em março
    Foto: Getty Images

    Antes da pandemia, as empresas planejavam interrupções de “dias”, acrescentou Ma. Agora, eles estão trabalhando com “semanas”.

    Uma empresa que espera trazer soluções é a IBM. A gigante da tecnologia, que tem um programa de gerenciamento da cadeia de suprimentos baseado em IA, diz que houve um salto “significativo” na demanda, à medida que mais clientes buscam modelagem preditiva contra a próxima crise. A IBM não quis compartilhar números específicos.

    A pandemia foi “um alerta” para muitas empresas, disse Benichou, executivo-chefe da IBM na China.

    “O que queremos fazer é ajudar claramente nas questões que descobrimos com a COVID-19. Fazer a otimização da cadeia de suprimentos, como acabamos de descobrir”.

    Até os governos estão entrando em ação. No mês passado, o Japão anunciou um plano para ajudar as empresas a mudar sua produção de volta para casa, de acordo com Andrew Staples, diretor editorial global da Economist Corporate Network. A rede é um serviço de consultoria da The Economist’s Intelligence Unit, que atende líderes empresariais seniores. “Acho que isso continuará”, opinou Staples.

    O surto também expôs rachaduras na cadeia de suprimentos que a maioria das empresas nem conhecia, segundo pesquisadores da IBM.

    Recentemente, a empresa descobriu que 90% das empresas da Fortune 1000 tinham fornecedores secundários em Wuhan, cidade central da China onde o surto começou, mas “muitas tiveram pouca ou nenhuma interação com eles”, disse Jonathan Wright, executivo da IBM, em um webcast da empresa. 

    No entanto, Ma acha que pode ser muito cedo para as empresas enfrentarem esse problema.

    Ele observou que a reconstrução das cadeias de suprimentos exige capital e tempo significativos – duas coisas que a maioria das empresas não tem no momento.

    “O mais importante para as companhias é o crescimento de caixa. Se você não vende seus produtos, não pode pagar a seus fornecedores, que por sua vez não podem pagar aos deles”, afirmou. “Só queremos superar isso o mais rápido possível.”

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