Novas térmicas de privatização da Eletrobras vão custar R$ 52 bilhões, diz EPE
Medida é criticada por especialistas, que apontam aumento de custos para o consumidor
Incluídas pelo Congresso Nacional na Medida Provisória, convertida em lei, que trata da privatização da Eletrobras, as futuras usinas termelétricas previstas para o país vão custar R$ 52 bilhões extras até 2036.
Isto, apenas em despesas de acionamento, o que especialistas criticam, por gerar impacto para o consumidor na conta de luz.
O número é da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia, e foi publicado no Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2031.
A proposta tem sido qualificada no meio político como um “jabuti”, algo que acontece quando um assunto incluído na proposta, sem ter relação com o tema principal. No caso, a capitalização da Eletrobras.
Especialistas criticam a medida e apontam que os custos serão ainda maiores para os consumidores, com a necessidade de construção de linhas de transmissão, infraestrutura para a chegada de gás para abastecer as usinas e importação de combustível.
A privatização está em análise no Tribunal de Contas da União (TCU), última etapa do processo. O tema deve voltar à pauta da corte de contas em 11 de maio.
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, já afirmou acreditar que a oferta de ações da companhia ao mercado possa ocorrer até julho deste ano.
A EPE traçou diferentes cenários. No mais conservador, chamado “Rodada Livre”, formulado a partir de decisões tomadas a partir de modelos matemáticos, baseado nos menores preços, o PDE prevê um custo de R$ 93 bilhões.
No que inclui as determinações da lei 14.182/2021, com as novas térmicas, o valor sobe para R$ 145 bilhões, ainda sem as despesas de construção das usinas.
Ex-presidente da Eletrobras, Altino Ventura Filho foi diretor técnico de Itaipu Binacional e secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia.
Ele critica a contratação dos oito mil megawatts previstos dessas usinas térmicas. Além dos custos, destaca os compromissos ambientais assumidos pelo Brasil na COP-26, em Glasgow.
“As usinas do Norte e do Nordeste serão instaladas em áreas onde não há demanda, são regiões exportadoras de energia para o Sudeste. Além disto, preveem usinas de gás em locais onde não há gás natural. Precisarão ser abastecidas com a construção de gasodutos ou por gás natural liquefeito (GNL) importado, adicionando custo cambial. É uma desotimização completa do planejamento energético e não acredito que vá prosperar”, avalia Ventura Filho.
Ex-presidente da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) ex-diretor do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Eduardo Barata corrobora as críticas e entende que o documento divulgado pela EPE é um importante alerta.
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Apesar de a discussão ter reacendido recentemente, não é a primeira vez que a privatização da Eletrobras vira tópico de debate na política e sociedade. Conheça a história da companhia, da sua criação até a MP 1.031/2021 • REUTERS/Brendan McDermid/File Photo
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Em 1961, o presidente Jânio Quadros assinou a Lei 3.870-A, que autorizava a construção das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. A instalação da empresa ocorreu oficialmente em 1962, pelo presidente João Goulart—nascia, então, a Eletrobras • Agência Brasil
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Após a posse do presidente Fernando Collor de Mello em 1990, foi anunciado o “Plano Brasil Novo”, que instituiu, entre outras medidas, a MP 155/90. Ela implementava o Programa Nacional de Desestatização (PND) que, como o nome já diz, visava transferir atividades exercidas pelo setor público ao setor privado • Foto: Wilson Dias/ Agência Brasil
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A Eletrobras foi incluída no plano, e as reformas institucionais e privatizações na década de 1990 acarretaram a perda de algumas funções da estatal e mudanças em seu perfil. Ela só foi removida do PND em 2004 --e adicionada novamente em 2021 • REUTERS/Mike Blake
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Em 2012, a MP579 mudou completamente o rumo da companhia. A medida provisória propunha a renovação antecipada de uma série de usinas hidrelétricas, com a condição do regime de cotas • George Becker/Pexels
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Isso significa que a empresa passa a ser obrigada a vender energia pelo preço que cobria basicamente o custo de operação e manutenção daquelas plantas. Quando não estão submetidas a ele, o preço de mercado da energia elétrica cobrados pelas usinas chega a R$180/MWh. Nas usinas que estão sob o regime, o valor fica em torno de R$60/MWh. Na Eletrobras, cerca de 40% da energia vendida acabava saindo por esse preço • REUTERS/Pascal Rossignol
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Além disso, a MP cortou cerca de 70% das receitas da companhia em transmissão. Isso provocou uma queda de R$10 bilhões no faturamento da Eletrobras, que somadas à crise econômica e ambiental, quase levaram a empresa à falência. • Pixabay
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Em 2016, Wilson Ferreira Júnior, CEO escolhido pelo então presidente Michel Temer, melhorou o cenário da empresa com um projeto de "turnaround" • Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Ele demitiu cerca de 53% dos funcionários da companhia, reduziu para menos da metade o número de subsidiárias e ordenou a venda das distribuidoras de energia da empresa --a medida mais polêmica do projeto. Isso fez com que o PMSO— ou seja, as despesas gerenciáveis da empresa com pessoas materiais, serviços e outros— fosse de RS$ 12 bilhões em 2016 para RS$ 9 bilhões em 2020 • Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Em 2018, a empresa volta a ser tópico de discussão em todo o país: Temer deu o primeiro passo legal para a privatização da empresa, enviando ao Congresso o PL 9463/2018. Ele argumentava que a Eletrobras estava perdendo espaço para a iniciativa privada e, diante do acúmulo de dívidas, tornava-se custosa para a sociedade. O projeto ficou parado e nem sequer chegou à fase de votação • Isac Nóbrega/PR
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O presidente Jair Bolsonaro (PL) reacendeu a discussão em 2019, com o PL 5877/2019. Esse projeto buscava demonstrar, assim como o anterior, o decaimento da estatal, sua perda de espaço no mercado e seus custos ao contribuinte. Mas ele também ficou parado no Poder Legislativo • 16/1/2021REUTERS/Adriano Machado
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Em 2021, em um cenário que o governo julgou de relevância e urgência, a MP 1.031/2021 foi editada. Na foto, vemos o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, o presidente Jair Bolsonaro, o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes e o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, durante declaração após entrega da MP • Marcelo Camargo/Agência Brasil
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A ideia é a seguinte: a Eletrobras é uma empresa de capital misto. Como o governo detém 60% de seus papéis, ela é considerada uma empresa estatal. A MP propõe reduzir a participação da União para menos de 50%, por meio da venda de novas ações no mercado • Alan Santos
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A capitalização da Eletrobras foi aprovada pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal, e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O processo foi finalizado em junho de 2022, em uma operação que movimentou mais de R$ 30 bilhões • 3/01/2019REUTERS/Pilar Olivares
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Hoje, a Eletrobras é responsável por 1/3 da energia elétrica do Brasil. Ela detém 43% das linhas de transmissão, e cerca de 29% da geração de energia do país –fazendo dela a maior companhia do setor elétrico da América Latina • Reuters
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“Não podemos fazer usinas em locais onde não há nem gás, nem carga. Foi um enorme equívoco, que só contribui para o aumento de custos. Não há como reduzir o preço da energia se as opções são sempre por fontes mais caras. Espero que esses leilões não sejam feitos. Precisamos lembrar que já contratamos, em outubro do ano passado, outros R$ 40 bilhões em geração térmica que deve entrar em operação no primeiro semestre de 2023”, afirma Barata.
Embora o Congresso Nacional seja alvo de críticas por causa da medida, o ex-presidente da Eletrobras entende que o Legislativo agiu com boas intenções em relação ao tema.
“Eles queriam garantir a oferta e o fornecimento de energia elétrica. Embora tenham uma boa atuação na área, sobretudo por meio da Comissão de Energia, eles não dispõem dos instrumentos adequados para analisar o segmento da melhor maneira. Uma usina deste tipo é um investimento de longo prazo, pelo menos 25 anos. Além das questões de preço, não podemos chegar a 2050 queimando combustível fóssil para gerar energia”, conclui Ventura Filho.