O preço e o valor

Milhões de brasileiros sentiram no bolso o que é perder dinheiro no mercado financeiro

Thais Herédia, da CNN
Pessoas olham o painel da B3 em dia de interrupção dos negócio (circuit breaker)
Bolsa de São Paulo  • Foto: REUTERS/Amanda Perobelli
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Nas últimas duas semanas, assistimos boquiabertos à derrubada dos mercados financeiros aqui e no exterior. Numa atitude quase passiva, antigos e novos investidores acompanhavam a queda vertiginosa dos preços dos ativos financeiros, procurando entender o tamanho do ajuste que ainda viria pela frente. Além de se perguntarem quanto, afinal, sobraria depois da passagem do tsunami. 

Já vimos em outros momentos a bolsa de valores derreter e acionar o agora mais famoso ‘circuit braker’, dispositivo que paralisa os negócios e evita perdas ainda maiores. Entretanto, talvez esta seja a primeira vez que milhões de brasileiros tenham sentido no bolso o que é perder dinheiro no mercado financeiro. Com a queda recente da taxa de juros, a migração da renda fixa (menos rentável com juro menor) para outros produtos financeiros, elevou a exposição dos investimentos ao risco. 

Risco de quê, exatamente? Que risco é esse? 

Desde que temos uma moeda estável, há quase 26 anos, a maior parcela de poupança disponível às famílias brasileiras percorria duas alternativas: ou financiar o Estado, via compra de títulos públicos, ou a Poupança, investimento sem risco e sem tributos. Foram mais de 20 anos até que as reformas estruturais, especialmente a da previdência, promoveram a oportunidade tão sonhada do Brasil ter juros civilizados. 

Ao fazer esta guinada, o país passou a ser comparável ao mundo desenvolvido, não só pela taxa de juros propriamente dita, mas também pelo arcabouço que fundamenta as grandes economias. Qual seja, a canalização do investimento para o setor produtivo, não para o setor público. As “velhinhas de Kentucky”, que investem nas bolsas de valores dos EUA, são apenas uma parcela dos mais de 250 milhões de americanos que financiam empresas e negócios através do mercado de ações – não apenas o Estado. 

O risco deste tipo de investimento está nos ciclos econômicos - crescer ou não crescer – na qualidade da gestão dos negócios, na estabilidade política e regulatória dos países, no aumento da produtividade dos trabalhadores, para ficar nos requisitos básicos. Aqui no Brasil, não. Ao financiar o Estado, com ou sem alta do PIB, responsabilidade política ou eficiência econômica,  a rentabilidade dos títulos públicos estava garantida com juros altíssimos. 

O choque provocado pelo coronavírus chacoalhou o mundo. Muitas referências que mantiveram o planeta funcionando com desequilíbrios conhecidos, mesmo depois de 2008,  se perderam. Uma delas é o preço de ativos em geral, começando pelos financeiros, que de alguma forma se relacionam com a percepção sobre a qualidade do negócio que representa, mas, principalmente, com as expectativas sobre o futuro. 

Ainda estávamos tateando no escuro, tentando descobrir o novo “preço” do dinheiro nacional diante de uma inflação quase apática, testando a qualidade das nossas instituições e do ambiente de negócios, quando fomos abatidos pelo Covid-19. 

O choque do coronavirus nos afronta com uma dúvida que é global sobre o novo “preço do mundo”: petróleo, mercadorias, empresas, títulos de países seguros, moedas e o maior ativo do planeta, o dólar. 

Nesta busca que se mistura com o pânico pelo contágio da doença, pela capacidade dos sistemas de saúde suportarem os atendimentos, dos impactos no emprego e em setores inteiros como o da aviação e turismo, uma variável fica solta no ar, sem parâmetros: o valor. O valor dos negócios, dos países, das moedas, da força do trabalho. 

O preço é uma medida que reflete o agora, não necessariamente o futuro. Mas não adianta tentar medir o quanto todos os ativos estarão valendo depois que o vírus for controlado por uma vacina. É preciso tempo.

Ainda assim, o valor embutido em tantos ativos costuma ser bem mais resistente aos choques, sejam eles invisíveis como um vírus, ou fruto de pirraça de um governante, como o príncipe saudita fez recentemente com o petróleo. 

 

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