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Restituição do INSS fora da meta fiscal mina credibilidade, dizem analistas

Valor devido a pensionistas por conta de fraudes é estimado em cerca de R$ 6 bilhões

João Nakamura e Pedro Zanatta, da CNN, em São Paulo
Fachada de prédio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
Fachada de prédio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)  • Reprodução/CNN
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O esquema de fraudes do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tirou dos pensionistas cerca de R$ 6 bilhões, que serão ressarcidos pelo governo.

Economistas ouvidos pela CNN afirmam que alguns dos caminhos propostos pelo Executivo para honrar essa dívida podem minar ainda mais a política fiscal, além de deteriorar a já abalada confiança do mercado na capacidade do governo em ajustar as contas públicas.

"Se abrir mais um flanco desses, permitindo, por exemplo, que os pagamentos para cobrir fraudes do INSS sejam contabilizados por fora das regras (fiscais — teto e primário), será péssimo para a sustentabilidade das contas, que já não estão nada bem", afirma Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos.

A equipe econômica do governo sinalizou que uma das alternativas consideradas seria ressarcir as vítimas da fraude do INSS via Requisições de Pequeno Valor (RPV). Os ressarcimentos poderiam ser feitos fora da meta fiscal até 2026, como indicou Dario Durigan, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, em entrevista ao CNN Money.

"Como a gente tem visto o crescimento das demandas judiciais para fins de ressarcimento por parte do governo, essas condenações dariam ensejo para pagamento de RPVs em via de regra, que pela decisão do Supremo segue fora da meta até 2026. O que a AGU pediu ao STF é que a gente mantenha essa linearidade, com o entendimento de 2023 de precatórios e de RPV, para que isso não acumule um passivo muito grande no judiciário", explicou.

A Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) aval para que o pagamento fique de fora das regras fiscais neste ano e no ano que vem.

Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central (BC) e presidente do conselho de administração da JiveMauá, aponta que o problema da medida não está no valor, mas nos sinais que o governo dá em, novamente, alocar gastos fora da meta fiscal.

"O governo burla algo que já está sendo burlado [arcabouço], independente se for concretizado ou não", avalia.

Estabelecido em 2023 pelo governo Lula, em substituição ao teto de gastos, o novo arcabouço fiscal determina que os créditos extraordinários estão fora do limite de despesas.

As condições para uma despesa ser editada nesse quesito são eventos como calamidade, comoção social e guerra.

"A regra é muito clara: não há como retirar despesas da meta de primário por uma questão de desejo ou vontade. O crédito extraordinário só fica de fora do limite de gastos, nas condições em que a Constituição determina, mas não da meta de primário. E é bom que seja assim", explica Salto.

Ainda sobre a questão do INSS, o economista-chefe da Warren indica que o governo poderia fazer proveito de um mecanismo de reserva de contingência, na proposta orçamentária, que é justamente para ser usada nessas situações, porém, indica que atualmente ela é totalmente abocanhada para as emendas parlamentares.

Outro mecanismo que indica seria aproveitar a tolerância da meta fiscal. Para 2025, o governo busca o déficit zero — equilíbrio entre arrecadações e despesas —, mas com margem para resultado negativo de cerca de R$ 31 bilhões.

"A banda da meta de primário deveria servir para acomodar esse tipo de choque. O problema é que o governo vem mirando não o centro, mas o piso, e aí também fura essa ideia de usar a banda inferior para acomodação de eventos não previstos", conclui Salto.

Em seu último relatório de receitas e despesas, ao notar que o curso das contas públicas, até o momento, estouraria a meta, o Executivo propôs congelamento de R$ 31 bilhões nos gastos públicos. Contudo, invés de levar o resultado ao alvo, o movimento faz com que a previsão de primário seja de déficit de R$ 31 bilhões.

E por mais que o governo consiga aval para realizar o ressarcimento do INSS via crédito fora das regras previstas e cumpra a meta fiscal, os gastos extraordinários ainda pesam sobre a dívida como um todo.

"Mesmo que o governo consiga fazer o pagamento fora, é um gasto contabilizado para a trajetória da dívida. A gente já tem um contexto hoje de fragilidade fiscal, não é só um problema de comunicação, mas é uma fragilidade do regime que o próprio governo instituiu", avalia Rafael Prado, consultor de macroeconomia da GO Associados.

"Se cada aumento de gasto for colocado fora do arcabouço, mina a credibilidade da política fiscal e a deixa mais frágil do que já é. E o que parece é que o governo não busca um equilíbrio, ainda há contexto de forte déficit", indaga, ressaltando que a GO projeta estouro da meta no cenário mais otimista.

Dentre os impactos que essa postura fiscal traz para a economia, Prado destaca uma taxa de câmbio que pode depreciar, o aumento da trajetória da dívida e a pressão sobre a curva de juros.

"Se a curva é mais pressionada, o governo se financia com dinheiro mais caro, é uma lógica que se retroalimenta muito preocupante. As medidas do próprio governo prejudicam ele próprio", explica.

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