Semana de 4 dias, tênis, home office: empresas mantêm mudanças trazidas pela pandemia
Distanciamento social provocado pelo coronavírus mostrou que certas regras profissionais não são essenciais. Com isso, muitos escritórios adotaram novo estilo de trabalhar
Se em 2019 alguém falasse que trabalha quatro dias na semana e folga três, você acharia que isso só acontece na Suécia ou qualquer outro país superdesenvolvido.
Levar o cãozinho para o escritório – ou simplesmente não ir até ele – usar chinelo, tênis e roupas mais casuais, escolher que beneficio quer receber – tudo isso parecia muito distante.
Mas a pandemia de Covid-19 trouxe essa nova realidade que muitas empresas passaram a adotar naturalmente. E o que parecia que nunca ia dar certo, hoje é estratégia para atrair novos talentos e reter os profissionais na companhia.
“Com o trabalho em casa que a pandemia forçou, as pessoas aprenderam que elas podem ser até mais produtivas sem seguir tantas regras que eram consideradas essenciais”, diz Caroline Marcon, professora de gestão estratégica de pessoas e liderança da Fundação Getulio Vargas (FGV) e consultora organizacional.
A primeira a cair foi a regra de que trabalho à distância não funciona. Mas vieram abaixo outras também. Confira o que mudou:
Home office para sempre
A startup Daki, de compras de supermercado com entregas rápidas criada em janeiro do ano passado, quando a vacinação nem tinha começado ainda. Até hoje, a empresa não tem – e nem nuca teve – uma sede física ou escritório para os funcionários administrativos. E já são 280 nessa condição.
Quando é preciso se encontrar, eles usam uma sala na primeira dark store da marca, em Pinheiros, São Paulo. “Fizemos uma pesquisa interna e a maioria das pessoas prefere continuar assim, se encontrando só quando precisa, sem regra de ir tal dia para tal lugar”, diz Andreza Venício, diretora de recursos humanos da empresa.
Para ela, a lição aprendida pelas empresas é que não é preciso controlar o trabalho dos funcionários. “Ao contrário, ao se estabelecer uma relação de confiança, deixando claro os objetivos, as tarefas, os prazos, o trabalho flui melhor.” Tanto é que hoje, muita gente não aceita trabalhar se não for à distância.
Semana de quatro dias
E já imaginou trabalhar de casa e só quatro dias na semana? É isso que empresas como a marca de acessórios para pets Zee.Dog e a empresa de software para marketing Winnin fizeram.
“Adotamos a semana de quatro dias em março de 2020 e fomos a primeira empresa brasileira a testar o modelo. Pausamos temporariamente com o início da pandemia, pelo cenário incerto daquele momento, mas retomamos em 2021”, conta Thadeu Diz, co-fundador e diretor criativo da Zee.Dog.
Na Winnin, a ideia veio da organização do trabalho durante a pandemia. Com o “home office”, a empresa percebeu que perdia menos tempo com reuniões desnecessárias.
“Não adianta querer fazer o trabalho de cinco dias em quatro. É preciso organizar tudo antes”, diz Gian Martinez, presidente da empresa carioca. A Winnin diminuiu o número de reuniões e a duração das que ainda acontecem.
E rituais que faziam as pessoas perder tempo no trabalho – como o trânsito, a hora de almoço, o cafezinho – a própria pandemia se encarregou deles. Assim, toda sexta-feira é folga para os 75 funcionários da companhia que tem sete anos no mercado.
E está dando certo? “Nossa receita triplicou em 2021 e queremos triplicar de novo este ano”, diz Martinez. Na Zee.Dog, onde as folgas acontecem às quartas-feiras, Thadeu Diz afirma que houve um ganho de colaboração e engajamento.
“A iniciativa precisava funcionar para toda a empresa. Então os times passaram a se ajudar mais para que as entregas fossem feitas com a qualidade necessária e em menos tempo”, avalia.
Roupa social nunca mais
Salto alto, calça social, camisas bem passadas, cinto com a letra inicial do nome. Tudo isso agora é símbolo de uma empresa que está no passado.
“O que as pessoas querem é conforto. Você olha para os funcionários de grandes empresas agora e eles não estão mais de terno e gravata. Estão de tênis, com roupas de cortes amplos, de tecidos como moletom, viscose”, diz Isac Silva, estilista de moda.
A consultora Caroline Marcon concorda. Quando uma pessoa se veste, ela quer comunicar algo. “Hoje, se você usa o social de antes, com salto alto, terno, quer dizer que você está seguindo um padrãozinho. Quem veste algo diferente, mostra que tem mais autonomia. E hoje esse é um valor muito importante para as empresas.”
Usar peças de grifes menores, da própria cidade, e não roupas de grandes marcas, o fast-fashion de lojas de shopping, também é uma tendência, segundo Isac. “Mostra mais personalidade.”
Vale-alimentação ou vale-internet?
Na empresa Listo, de tecnologia para o mercado financeiro, os funcionários agora podem escolher que benefícios querem ter. Alguns continuam conforme a obrigatoriedade de cada categoria profissional. Mas o funcionário pode escolher ter vale-internet em vez de vale-refeição.
Pode aumentar a categoria do seu plano de saúde e diminuir a de outro benefício. “O trabalho mudou. Então não fazia mais sentido oferecer os mesmos benefícios de sempre, iguais para todo mundo”, diz Olavo Cabral Netto, fundador e presidente da empresa, que tem 700 funcionários.
Mais verde e sol
As empresas que precisam ter um escritório estão apostando em um ambiente mais acolhedor, com plantas e luz natural, segundo a arquiteta Andréa de Paiva, arquiteta especialista em neuroarquitetura e idealizadora do projeto Neuro AU.
Paiva estuda como, por exemplo, a luz branca artificial da maioria dos escritórios pode afetar, no longo prazo, a saúde das pessoas. “Muitas empresas não estão só mais preocupadas no conforto ergonômico dos funcionários. Elas estão pensando na saúde e no bem-estar deles no longo prazo. A luz branca, por exemplo, afeta o sono”, diz ela.
Antes da pandemia, lembra a arquiteta, os profissionais se deslocavam de casa para a empresa e vice e versa – e nesse período estavam expostas à luz natural. “O impacto da luz natural nos olhos, faz o cérebro produzir serotonina. Sem isso, com o ‘home office’ e a predominância da luz artificial nos ambientes, o sono fica prejudicado e pode haver mais predisposição à depressão”, afirma. Por isso os escritórios mais inovadores têm iluminação natural, janelas abertas e muito verde.
Para quem trabalha em casa, ela diz que é importante delimitar onde é espaço profissional e onde é de descanso – para um não invadir o outro – e a pessoa acabar se sentir cansada e pressionada na própria casa. Um tapete, uma cor diferente na parede, tudo isso ajuda a definir onde é espaço para o trabalho e onde é área de descanso. Plantas por perto é até velas ajudam a espairecer o cérebro.
E massagem também!
No escritório da Alpargatas em São Paulo, a fabricante da Havaianas, resolveu fazer uma pesquisa para saber como os 400 funcionários queriam que o ambiente fosse na volta ao presencial (a empresa está no modelo híbrido).
“Por sugestão dos funcionários, implantamos uma sala com massagem, iluminação e música para garantir o bem-estar”, conta José Roberto Daniello, principal executivo de gestão de pessoas da empresa, onde mesmo antes da pandemia já era permitido ir trabalhar de chinelos.
As chamadas “salas de descompressão”, como ficaram conhecidas no início dos anos 2000, não são uma novidade. Mas agora, com o nome de salas de bem-estar, elas combinam mais com a filosofia das empresas, de que as pessoas necessitam se sentir bem no trabalho. “O escritório precisa ser um ambiente de colaboração entre as pessoas”, diz Daniello. Com a nova sala, segundo ele, as pessoas estão mais alegres e interagem melhor.
Sai a fofoca…
Esse é um costume que deve entrar em desuso com a nova configuração do trabalho, segundo Caroline Marcon. Em companhias onde as pessoas estão mais focadas no trabalho, com mais eficiência para aproveitar melhor o tempo restante com a família e a vida pessoal, a fofoca perde o sentido.
…e entram os pets
Na sede da Nestlé, em São Paulo, os funcionários podem levar seus pets todos os dias para a empresa. O Brasil é o primeiro mercado da Nestlé na América Latina a implementar esse projeto que nasceu nos Estados Unidos.
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