TCU vai atuar em impasse deixado por governo Bolsonaro que encarece contas de luz
Controvérsia diz respeito ao descumprimento de prazos na instalação de usinas geração de energia, em meio à crise hidrológica que perdurou entre 2020 e 2021
O Tribunal de Contas da União (TCU) vai atuar na busca de soluções para impasse gerado no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que aumenta o preço das contas de luz em 4,49%.
O ministro Benjamin Zymler, relator do processo, assinou na última quarta-feira (26) despachos em que ratifica manifestação do presidente do TCU, Bruno Dantas, e aceita solicitação do Ministério de Minas e Energia (MME) para negociação do impasse.
As controvérsias que serão negociadas dizem respeito ao descumprimento de prazos na instalação de usinas para geração de energia em meio à crise hidrológica que perdurou entre 2020 e 2021. Os impasses envolvem Karpowership, Âmbar, Rovema, Linhares e Tradener.
A Secretária-Geral de Controle Externo do TCU, Ana Paula Sampaio, explica em entrevista à CNN o trâmite do processo. Ela indica que o próximo passo é a constituição de uma comissão com representantes do Tribunal e demais envolvidos — que já foram acionados para que designem seus nomes
“Depois dessa fase, o Ministério Público junto ao TCU tem 15 dias para se pronunciar, e o relator tem mais 30 dias para levar o processo a plenário. O plenário pode homologar, não homologar ou sugerir melhorias à proposta”, explica.
Entenda o impasse bilionário
O processo em questão tem origem no período de estiagem que o Brasil enfrentou entre 2020 e 2021. Naquele momento, temores de insegurança energética fizeram o governo federal realizar — com custo elevado — a contratação de 17 usinas termelétricas por meio de procedimento de contratação simplificado (PCS).
Em 2022, contudo, a melhora das condições hidrológicas, o não cumprimento de prazos por parte das empresas e os altos custos ao governo fizeram com que as contratações passassem a ser discutidas.
Segundo os termos contratuais, caso as usinas não entrassem em operação na data acordada, o governo poderia rescindir os contratos, sem ônus — e mesmo que necessária eventuais indenizações às empresas poderia ser mais vantajoso incorrer em custos rescisórios do que pagar a energia mais cara.
O prazo estipulado pelo PCS era 1º de maio de 2022. A penalidade de rescisão de contratos dependia da existência de atraso superior a 90 dias.
“Esses contratos foram feitos com preços elevados e cláusulas rigorosas para que o começo do fornecimento ocorresse até maio de 2022. Como são vários contratos, não dá para uniformizar a avaliação. Mas, de maneira geral, houve uma mudança de cenário: a energia baixou de preço, já não se tem risco de desabastecimento no setor hidrelétrico e em algumas situações as empresas tiveram dificuldade de entrar em operação no prazo”, explica a Secretária-Geral.
Nenhum dos 17 empreendimentos entrou em operação até 1º de maio. Segundo dados de fevereiro deste ano do MME, 12 usinas se encontram em operação, mas cinco delas iniciaram fora do prazo, outras cinco não tinham sequer previsão de início de produção de energia.
Parte das empresas chegou a pedir excludente de responsabilidade, argumentando que os atrasos se deram por fatores externos como chuvas intensas, impactos da Covid-19 e a crise do frete marítimo em decorrência da guerra entre Rússia e Ucrânia. Os pedidos foram, contudo, negados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Segundo análise do TCU, foram contratados 24.968 Terawatt-hora (TWh) de energia, com disponibilidade de cerca de 1.220 Megawatt (MW) de potência. O pagamento previsto era de R$ 11 bilhões anuais, dos quais cerca de R$ 9 bilhões seriam repassados ao consumidor cativo, resultando em aumento de 4,49% nas tarifas de energia.
MME não conseguiu negociar questão
O MME realizou em outubro de 2022 consulta pública para obter contribuições para a resolução amigável do PCS. Como resultado, a pasta publicou portaria ofertando a possibilidade de as empresas rescindirem os contratos, por acordo entre as partes, considerando que não incorreriam nas multas milionárias decorrentes da inadimplência.
Segundo o ministério, uma empresa teve interesse no chamamento de rescisão amigável, a UTE Fênix. Então, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, solicitou ao TCU a solução consensual.
Segundo Ana Paula Sampaio, o TCU tenta garantir que “a solução seja desenvolvida de modo colaborativa entre os atores envolvidos”. Ela explica que a mediação do Tribunal pode ser decisiva na busca do consenso, já que afasta temores sobre contestações da renegociação dos contratos por parte do órgão de controle.
“Há um receio de gestores em revisitarem contratos e procurarem soluções consensuais, porque mexer em contrato — ainda mais no setor elétrico — sempre é muito delicado, o contrato é a lei para reger a situação. Existe o receio de se buscar solução e depois o órgão de controle apontar riscos e problemas que tragam responsabilização dos envolvidos”, diz a Secretária-Geral.
“Se ele [gestor] tiver o receio de o controle questionar a atuação dele, ele tende a ser o mais conservador possível e não necessariamente buscar a melhor solução para o interesse público”, completa.
Origem do impasse
No documento em que aponta a admissão da solicitação do MME, o relator explica com detalhes o impasse. Inclusive, indica como o processo de contratação gerou o encarecimento da energia contratada e — possivelmente — os atrasos.
Segundo o documento, a estiagem “fez necessário aumentar, em curto espaço de tempo, a potência instalada disponível no sistema, apta a fazer frente a períodos críticos de demanda”. Por conta disso, “uma série de flexibilizações foram feitas no procedimento competitivo a fim de conferir-lhe maior celeridade”.
Entre as flexibilizações estavam ausência de consulta pública, transferência aos empreendedores do risco de encontrar os pontos adequados para a conexão na rede, comprovação de combustível apenas após a realização do certame, entre outras.
“A ‘dispensa’ de algumas fases e estudos – como os ambientais – incrementou, por exemplo, a chance de entrada em operação posterior à data exigida, e fato é que tais incertezas invariavelmente são quantificadas pelo mercado na forma de ‘custo’. Na prática, eleva-se a potência disponível, em curto espaço de tempo; mas com contratação de energia mais cara, a onerar todo o mercado regulado”, explica o despacho.
A CNN procurou o MME e as empresas mencionadas no despacho para um posicionamento.
Em resposta, a Karpowership disse que “atende as demandas das autoridades brasileiras, além de seguir e respeitar rigorosamente a legislação nacional”. “O projeto, no Rio de Janeiro, está em operação desde o ano passado e gera energia limpa, firme e segura a partir do gás natural”, completa.
As demais empresas e a pasta não se pronunciaram até a publicação dessa reportagem, que será atualizada caso haja retornos.