Os três perfis de cadeia de negócios que precisam ser sustentados no Norte
No momento em que a COP30 coloca a Amazônia no centro das atenções globais, lideranças de fundo de impacto refletem sobre como chegar na base do empreendedorismo regional durante missão em Santarém com o Sebrae

Em uma missão liderada pelo Sebrae, com foco na bioeconomia como motor de desenvolvimento sustentável no território do Baixo Amazonas, lideranças do fundo de impacto Estímulo estiveram presentes em Santarém, no Pará.
O diretor executivo Lucas Conrado e o cofundador da iniciativa, Wilson Poit, integraram uma delegação - encabeçada por Bruno Quick (Sebrae) -, que reuniu lideranças, empreendedores e instituições comprometidas em conectar inovação, valorização da floresta e geração de renda.

Nos dois dias de missão, o grupo visitou a Coomflona (Cooperativa da Flona Tapajós), vivenciou experiências gastronômicas de valorização da sociobiodiversidade, além de ter participado de um encontro no MuCA (Museu de Ciências da Amazônia) com empreendedores locais e incubadoras de negócios. A missão também realizou imersões em quintais produtivos e iniciativas que unem tradição, ciência e futuro.
Foi a partir dessas experiências, que eles chegaram a algumas reflexões e elegeram os três perfis de cadeia de negócios que precisam de atenção na região Norte.
“A missão escancarou tanto o enorme potencial da bioeconomia amazônica quanto os desafios que ainda travam o desenvolvimento dos pequenos negócios locais. A programação passou por empreendimentos inspiradores, hubs de inovação e quintais produtivos, trazendo à tona a riqueza cultural e empreendedora do povo paraense, mas também a dura realidade: o crédito não chega na ponta”, analisa Conrado.
Hoje, a Amazônia Legal cobre quase 60% do território nacional, mas menos de 10% da carteira de crédito vai para a região. E, quando esse crédito chega, ele se concentra nas grandes empresas já estabelecidas, com histórico de pagamento e acesso a linhas bancárias tradicionais.
Pequenos negócios — que são a base da economia, grandes geradores de emprego e renda, e que poderiam reduzir os incentivos ao desmatamento, à mineração ilegal e à criminalidade — seguem sem acesso ao capital necessário para crescer.
Os três perfis de cadeias de negócios na região
1. Negócios urbanos conectados a cadeias sustentáveis
Wilson Poit analisa que são empreendimentos que unem desenvolvimento econômico e sustentabilidade, como a Casa do Saulo, maior expoente da gastronomia amazônica, que merecem atenção.
Saulo transformou sua atuação em uma referência, integrando cadeias produtivas sustentáveis, empregando centenas de pessoas e projetando a cultura local para além do Pará.
Esses negócios urbanos têm alto potencial de impacto, mas enfrentam a mesma barreira: falta de crédito acessível e de incentivos para crescer de forma estruturada.
2. Negócios de bioeconomia, 100% ligados à floresta
Lucas Conrado comenta que ao visitar hubs como o MuCA, que reúne startups e negócios da bioeconomia em Santarém, ouviu pitches de empreendedores que transformam a biodiversidade em inovação.
Alguns exemplos incluem:
- Autris, que desenvolve soluções de saúde íntima feminina com tecnologia probiótica da Amazônia;
- BioStrepto, que cria bioinsumos para a piscicultura;
- Nunghara, que produz biojoias sofisticadas e já reconhecidas no mercado;
- MAD Bio Indústria, que atua na interseção entre saúde integral, sustentabilidade e ancestralidade, com superfoods, suplementos naturais e alimentos plant-based de alta performance a partir da biodiversidade.
Para eles, esses negócios têm potencial para consolidar uma nova economia, mas ainda sofrem com a falta de escala das cadeias, baixa integração produtiva e barreiras logísticas.
Um exemplo emblemático foi o da Coomflona, uma marcenaria que trabalha apenas com madeira certificada e legal, mas que não tem acesso à rede elétrica: opera a diesel no meio da floresta, enquanto poderia ser abastecida por energia solar abundante na região.
Isso mostra como a ausência de infraestrutura básica se torna incoerente até com a proposta sustentável.
3. Produtores rurais e quintais produtivos
Em visitas por quintais produtivos que expressam orgulho, trabalho duro e vínculo profundo com a floresta, Poit reforça que talvez seja o retrato mais nítido do desafio.
São pequenas famílias que geram alimentos, movimentam economias locais e sustentam tradições culturais, mas que seguem praticamente invisíveis ao sistema de crédito formal.
Ele explica que o desenho atual dos investimentos em sustentabilidade e crédito verde ainda não chega até eles: as exigências de documentação, regularização fundiária e garantias são barreiras quase intransponíveis. E são justamente esses produtores que carregam um dos maiores potenciais de impacto socioambiental positivo.
“Esse panorama reforça que não basta anunciar recursos para a Amazônia — é preciso criar mecanismos de financiamento sob medida, que realmente atinjam a base”, concluiu Lucas Conrado.
Neste contexto, o Sebrae cumpre um papel central: encaixar atores aptos e engajados nas diversas frentes de uma abordagem integrada e sistêmica nos territórios.
Essa é a ideia central do trabalho que o Sebrae vem fazendo em caráter piloto na região — não apenas apoiando empreendedores individualmente, mas articulando parcerias e construindo uma rede que conecta inovação, crédito, capacitação e infraestrutura local para transformar a realidade.
“Temos o objetivo claro de trazer um olhar externo sobre algo que queremos construir com a bioeconomia Amazônica. Nossa ideia é ativar todo esse conjunto de riquezas como marcenaria, gastronomia, quintal florestal, turismo, biojoias, startups para fortalecer o empreendedorismo local”, conta Bruno Quick, diretor técnico do Sebrae nacional.
Em conjunto, o Estímulo, acompanha de perto como esses empreendedores fazem a diferença no território, muitas vezes suprindo lacunas que deveriam ser de políticas públicas.
O fundo está financiando empreendedores que levam internet para zonas rurais isoladas, energia solar para comunidades do entorno de Manaus, pequenos mercados que garantem insumos básicos em áreas sem comércio estruturado, e até soluções de água potável para locais sem saneamento.
A parceria entre o Estímulo e o Sebrae - por meio do Fampe -, amplia o alcance aos pequenos, permitindo apoiar ainda mais MPEs com crédito, além de capacitação, consultoria e orientação junto ao Sebrae.
Para o primeiro ano de operação, a expectativa é de R$ 72 milhões desembolsados, dos quais R$ 24 milhões serão destinados para mulheres empreendedoras e R$ 9 milhões para empresas da Amazônia Legal, na região norte do país.
A previsão é de impactar cerca de 1 mil empresas com ticket médio de R$ 85 mil em crédito simplificado e, com isso, gerar 8,7 mil novos empregos.
“Enquanto o sistema não chega, esses pequenos negócios já estão criando a infraestrutura essencial para o desenvolvimento sustentável da Amazônia”, completa Poit.
Em um momento em que a COP30 coloca a Amazônia no centro das atenções globais, temos a responsabilidade de garantir que o capital e as políticas cheguem à ponta. Assim, pode-se transformar esse potencial em realidade, sustentando os três perfis de cadeias que, juntos, podem redesenhar o futuro da região.


