Zanin pede vista e julgamento sobre “revisão da vida toda” nas aposentadorias é suspenso no STF

Corte julga recurso em relação ao alcance da decisão sobre possibilidade de aposentados recalcularam valor do benefício

Lucas Mendes, da CNN, Brasilia
Fachada da sede do INSS, em Brasília
Em dezembro, o STF permitiu que uma parte dos segurados do INSS refaça o cálculo do valor de seus benefícios, considerando as contribuições anteriores a 1994, quando entrou em vigor o Plano Real  • Pedro França/Agência Senado via Flickr
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O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu vista - mais tempo para análise - e, com isso, suspendeu o julgamento sobre o alcance da decisão da Corte que validou a chamada “revisão da vida toda” nas aposentadorias, tese que pode ser usada para o recálculo dos benefícios.

Zanin tem até 90 dias para devolver o processo para julgamento, que então precisará ser pautado para uma nova sessão.

Até a suspensão, só o relator, ministro Alexandre de Moraes, havia votado. Ele votou para limitar os efeitos sobre a possibilidade de revisão da vida toda. O Supremo analisa um recurso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sobre pontos da decisão da Corte, de dezembro, que validou a revisão das aposentadorias.

O julgamento estava sendo feito em sessão do plenário virtual que terminaria em 21 de agosto. No formato, não há debate e os ministros depositam seus votos em um sistema eletrônico.

Em dezembro, o STF permitiu que uma parte dos segurados do INSS refaça o cálculo do valor de seus benefícios, considerando as contribuições anteriores a 1994, quando entrou em vigor o Plano Real.

A depender de cada situação, é possível aumentar a quantia a receber. Moraes rejeitou a maioria das contestações apresentadas pela autarquia à decisão do STF.

O magistrado, no entanto, entendeu que os efeitos da revisão da vida toda devem ser limitados. Ele propôs proibir a possibilidade de recálculo em duas situações:

  • benefícios já extintos (caso, por exemplo, de morte do beneficiário);
  • parcelas já pagas até dezembro de 2022 em processos com decisão judicial definitiva (que não cabe mais recurso).

Em relação a este último ponto, conforme especialistas, o voto de Moraes não permite que pessoas reivindiquem a revisão das aposentadorias em relação a parcelas já recebidas anteriores a dezembro de 2022, nos casos em que a Justiça tenha negado o direito à revisão da vida toda.

Isso porque, até a decisão do STF, não havia uma baliza sobre o tema, cabendo a cada juiz decidir sobre a possibilidade ou não da revisão.

A partir de dezembro, o Supremo fixou a tese validando o direito à revisão – e esse entendimento deve ser seguido por todas as instâncias do Judiciário.

Conforme o advogado Gustavo Bertolini, do escritório Aith Badari e Luchin, a proposta de Moraes permite que pessoas que tiveram a revisão negada pela Justiça, possam entrar com ação de novo pleiteando o recálculo. Se concedida, a revisão só valeria para parcelas a partir de dezembro de 2022 (data em que a Corte fixou sua tese sobre o assunto).

“Pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, será possível entrar novamente com o pedido [da revisão]. O ministro explica que não se pode prejudicar quem recorreu ao Judiciário”, afirmou. “Se uma pessoa teve decisão desfavorável à revisão na Justiça, Moraes propõe que ela não poderá receber retroativamente parcelas com o recálculo, mas traz parâmetros para que se possa receber a revisão, a partir de dezembro”.

Segundo o advogado Diego Cherulli, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), o voto de Moraes comporta interpretações divergentes.“O Ministro refutou em parte os pedidos, mas apresentou proposta de modulação para definir critérios acerca dos efeitos retroativos da revisão. O ministro propôs modular o tema para excluir da decisão algumas situações”, disse.

Todos os processos na Justiça estão suspensos até o fim do julgamento do recurso do INSS no Supremo, por decisão de Moraes do final de julho.

Recurso

Um dos objetivos do recurso do INSS é saber se a tese firmada pelo Supremo em dezembro pode beneficiar aposentados que já tiveram ações negando a revisão

. Ou seja, o INSS quer impedir o recálculo para casos de benefícios já extintos, quem já teve o pedido da revisão negado pela Justiça em decisão definitiva (que não cabe mais recurso), e para as situações em que os benefícios pagos obedeciam às normas vigentes antes do julgamento no STF.

A autarquia argumentou que, só depois de a Corte analisar os recursos apresentados à decisão, será possível definir o número de benefícios recalculados, estimar o impacto financeiro, e “mensurar as condições estruturais necessárias ao cumprimento” da determinação.

O órgão citou no recurso o impacto nas contas públicas da decisão do Supremo favorável ao recálculo, além de um “impacto administrativo expressivo”.

“Em conclusão, para preservação da segurança jurídica e em razão do impacto da nova tese de repercussão geral sobre as contas públicas, bem como levando em conta os limites da capacidade administrativa do INSS, é necessário modular os efeitos de forma que o Tema 1.102 tenha eficácia prospectiva”, afirmou a Advocacia-Geral da União (AGU), responsável por apresentar o recurso ao STF.

Segundo o INSS, o volume de pessoas que podem eventualmente pleitear a revisão, caso o Supremo não faça uma delimitação objetiva, “é enorme”.

A estimativa da autarquia gira em torno de mais de 88 milhões de benefícios concedidos no período em que foi autorizado requisitar o recálculo, mas “nem todos alcançados pela tese firmada na presente repercussão geral, o que ficará mais claro a partir do julgamento dos embargos de declaração [recursos] ora interpostos”.

“Há o risco, com este cenário, de colapso no atendimento dos segurados pelo INSS, em razão do incremento exponencial do número de pedidos de revisão, o que naturalmente ocorrerá devido à grande repercussão do tema na mídia”, disse o INSS.

A autarquia cita ainda a dificuldade em processar o número de recálculos. “Será necessário, por exemplo, desenvolver sistemas informatizados para extrações de dados referentes às contribuições e para simulações e elaboração de cálculos no novo formato, dentre tantas outras modificações que precisarão ser empreendidas na estrutura administrativa”.

Repercussão

Em 18 de julho, a Defensoria Pública da União pediu ao STF a criação de um grupo para debater soluções e garantir a aplicação da decisão sobre a revisão da vida toda nas aposentadorias. O órgão apresentou outra ação com essa finalidade, cuja relatoria está com o ministro Gilmar Mendes.

Segundo a DPU, é preciso dar tratamento “estrutural” ao tema “mediante construção colaborativa de soluções” para garantir a eficácia da decisão.

Na ação, a DPU disse que as “decisões administrativas reiteradas” do INSS estariam desrespeitando a decisão do Supremo sobre a revisão da vida toda. Segundo a Defensoria, o órgão responsável pela previdência tem afirmado a aposentados que não há a possibilidade de fazer o recálculo dos benefícios.

Entenda

A decisão do STF validando a revisão da vida toda foi tomada em dezembro de 2022.

A tese formada em julgamento dá a uma parte dos aposentados e pensionistas do INSS o direito de revisar e aumentar seus benefícios, incluindo o direito de receber o pagamento retroativo da diferença de todos os meses passados em que receberam a menos.

A decisão da Corte é válida para todas as milhares de ações sobre o tema abertas nos tribunais do país.

Veja se vale a pena pedir a “revisão da vida toda”

Segundo especialistas, o pedido de revisão só vale a pena para aqueles que tinham salários altos antes de julho de 1994, data em que o Plano Real entrou em vigor.

“A revisão da vida toda é uma ação de exceção, ou seja, vale para quem ganhava mais antes do Plano Real. O normal é receber menos no começo da vida laboral, por isso, obrigatoriamente, o que deve ser feito é um cálculo para ver se a revisão trará ajustes relevantes”, disse à CNN João Badari, advogado pensionista.

Desde que a decisão foi anunciada pelo STF, empresas têm acionado segurados para vender a tese de que a revisão da vida toda vale para todos.

Badari diz que, caso trabalhadores que ganhavam menos em 1994 requisitarem a revisão junto à Justiça, é possível até que as remunerações antigas diminuam o valor da aposentadoria.

Por isso, ele recomenda que os segurados procurem especialistas e advogados para fazer um cálculo “artesanal e individualizado, para evitar perdas”.

“Tem muita gente fazendo ligações e mandando cartinhas, mensagens de texto, com um suposto valor ao qual o segurado teria direito. Isso é mentira. Todo cálculo deve ser feito pelo cliente, ou a pedido do cliente”, reforça.

O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) reitera o alerta. “O IBDP alerta que a revisão deve ser calculada antes de ser distribuída na justiça. Não é aconselhável entrar com ação ‘no escuro’, ou seja, sem realização de cálculos. Pode ser que a revisão não seja vantajosa”, disse Adriane Bramante, presidente do instituto científico-jurídico, em comunicado enviado à imprensa.

O IBDP preparou uma lista de recomendações para que segurados evitem transtornos e possíveis golpes:

Não passar dados por telefone e ir pessoalmente ao local;* Pesquisar sobre a idoneidade dos profissionais que está contratando;

Checar cálculos com um profissional especializado e conferir o valor a ser revisado.

Quem pode pedir a revisão da vida toda

Segundo o IBDP, além de ter recebido salários mais altos no início da carreira, é preciso que o segurado tenha se aposentado de acordo com as regras anteriores à reforma da previdência — ou seja, antes de 13 de novembro de 2019.

Além disso, somente poderão revisar os benefícios aqueles que tiveram o início dos pagamentos (concessão) nos últimos dez anos, em razão do chamado prazo decadencial. “Se você se aposentou há dez anos e um dia, já não tem mais direito à revisão”, diz Badari.

Pensionistas e beneficiários do auxílio-doença também podem ter direitos à revisão. Caso o segurado ganhe a ação, terá direito a receber os pagamentos atrasados dos últimos 5 anos e poderá ter ainda um aumento no valor do benefício mensal, a depender dos valores de contribuição antes de julho de 1994.

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