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    Conheça Sonia Guimarães, doutora em física e 1ª professora negra no ITA

    Em entrevista à CNN, cientista analisa o racismo estrutural nas universidades e os primeiros anos da Lei de Cotas

    Vitor Soarescolaboração para a CNN

    Quando Sonia Guimarães nasceu, nos anos 1950, em São Paulo, a ideia de existir uma mulher negra cientista era impensável. Afinal, o mundo assistia com novidade aos primeiros alunos negros com permissão de ir à escola — em sequência da própria escravidão, que durou mais de 300 anos, e que ainda é uma ferida aberta na sociedade brasileira.

    Hoje, aos 67 anos, na posição de inventora e primeira professora negra do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), a cientista sente que a autoestima das pessoas negras ainda não mudou. “Na academia ainda tem muita gente com vergonha de ser preta”, disse. “Dependendo do nível da pessoal, financeiro ou social, isso piora.”

    Em entrevista à CNN, ela contou sobre suas descobertas científicas, explicou a forma do racismo estrutural no ensino superior e refletiu sobre os primeiros anos da política de cotas raciais.

    A patente brasileira de sensores infravermelhos para mísseis

    Formada em física e PhD pela Universidade de Manchester, no Reino Unido, a professora Sonia Guimarães entrou para o corpo docente do ITA em 1993, quando a instituição sequer aceitava mulheres entre seus alunos. Ali, ela era não só a primeira mulher negra, mas a primeira mulher no departamento de física do instituto.

    De lá para cá, ela não só se firmou em sua função como também se destacou, recebendo homenagens e prêmios por seu trabalho. Em maio 2023, por exemplo, ela recebeu a Medalha Santos Dumont de Honra ao Mérito pelos seus 30 anos de atuação no ITA. Depois, em dezembro, foi eleita pela Bloomberg Línea uma das 100 pessoas mais inovadoras da América Latina.

    Primeira professora negra na história do ITA, Sonia Guimarães exibe sua Medalha Santos Dumont de Honra ao Mérito • Dalila Dalprat/Divulgação

    Ao longo dessas décadas, Sonia construiu sua carreira desenvolvendo tecnologias baseadas em semicondutores, materiais essenciais para a fabricação de dispositivos eletrônicos por sua capacidade de conduzir eletricidade de maneira controlada. Nesse processo, sua pesquisa rendeu a primeira patente brasileira para o uso de sensores infravermelhos em mísseis, posicionando o país na vanguarda tecnológica de defesa.

    “Uma vez encapsulados, esses sensores vão na cabeça do míssil, orientando o dispositivo para saber qual é o alvo que ele deve atacar”, explicou ela. “Essa tecnologia é militar e está patenteada pelo Brasil.”

    Sonia comentou que o tema bélico pode ser polêmico, mas que, na prática, é fundamental para o Ministério da Defesa. Ao redor do mundo, países investem milhões para criar a tecnologia que ela fez no Brasil e que, para ela, ajuda o país a defender sua soberania.

    “Outros países têm suas próprias versões, mas ninguém sai por aí vendendo sensores de infravermelho para mísseis”, disse. “Estamos ficando sem água potável e a maior reserva de água doce do mundo fica no Brasil, na Amazônia. Nunca se sabe quem pode se tornar um inimigo no futuro.”

    O racismo estrutural na academia

    Na visão da cientista, o que existe no Brasil é uma lógica excludente de ingresso no ensino superior de elite. Nesses espaços, ela explica, ainda é comum ouvir que “a universidade não é para qualquer um” e políticas de inclusão para negros estudantes e docentes não é prioridade.

    Um dos exemplos práticos do que ela define como “racismo velado” é a crítica a diversos aspectos da identidade de uma pessoa negra, mas sem nunca usar adjetivos raciais.

    “Nunca posso acusar alguém de racismo porque, em nenhum momento, tudo o que fizeram contra mim foi dito diretamente por eu ser negra ou mulher”, disse a professora.

    “Diziam que era porque eu sou incapaz, porque não sou inteligente o suficiente, porque sou a pior professora do mundo, porque não sei física, ou porque minha roupa chama muita atenção para o meu corpo. [No entanto] isso não é racismo [para as instituições].”

    Essa lógica, na opinião de Sonia, faz com que os professores e professoras negros evitem falar de raça nos ambientes acadêmicos elitistas. Ao mesmo tempo, há ainda o que ela chama de “embranquecimento” das pessoas, que, por frequentarem ambientes historicamente brancos, demoram ou acabam não se identificando como pessoas negras.

    “Eu conheço pessoas pretas, retintas, que se tornaram negras depois dos 40 anos. Gente que é negra no Carnaval, onde isso é valorizado, e deixa de ser negro no resto do ano.”

    Os primeiros anos da Lei de Cotas no Brasil

    Nos primeiros 10 anos da Lei de Cotas no Brasil, entre 2012 e 2022, o número de alunos negros nas universidades aumentou em 200%, segundo o Senado Federal. Para Sonia, essa é uma vitória das pessoas negras no Brasil, mas ainda um existe um caminho de aprimoramento. A verificação das autodeclarações, por exemplo, é algo que deve melhor, segundo a professora.

    “A equipe de verificação das autodeclarações tem que ser formada por pessoas negras. Não pode uma pessoa branca decidir se uma pessoa é negra ou não e determinar esse acesso. Eu mesmo nunca fui convidada.”

    Em outro ponto, ela indica que deve haver um esforço de melhorias nas políticas de permanência estudantil para alunos negros em universidades públicas.

    “Especialmente no ITA, os alunos têm todo o suporte, como alimentação, moradia, dentista, psicólogo, tudo incluído. Muitos mandam o salário para a família, porque vêm de situações de vulnerabilidade econômica. Esse instituto é uma oportunidade única, uma glória, mas também uma responsabilidade para nós e para esses alunos”, finalizou.

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