“Escrevi também para o adolescente que fui e queria ouvir que não era invisível”, diz Lázaro Ramos
Artista lança primeiro livro para o público jovem; ilustrações e playlists com músicas alinhadas com cada capítulo são algumas das novidades
“Você não é Invisível” é o título do novo livro do ator, escritor e diretor, Lázaro Ramos. Primeira obra dele escrita para o público jovem, traz a história de dois irmãos adolescentes com conflitos, inquietações e desejos próprios da fase em que estão vivendo e tudo isso em meio à pandemia.
Em entrevista à CNN, Lázaro conta como foi produzir e pensar esse livro enquanto estava confinado durante os meses mais tensos da Covid-19.
“Esse livro foi talvez uma das melhores companhias que eu tive na pandemia porque fui escrevendo sobre ética, identidade, sensação de estar preso, incomunicabilidade e todas os sentimentos que permeavam o contexto mundial. Reunindo textos sobre todos esses temas, eu entendi que era a história de Carlos e de Vitória. E aí pensei que seria um livro bacana para jovens”, contou Lázaro.
Sobre a linguagem e o desafio de escrever para um público novo no repertório do autor, Lázaro explica que a escrita dele sempre começa a partir de textos e ideias soltas que ele vai reunindo ao longo do tempo.
“Eu nunca escrevo um livro sabendo pra qual público é destinado. Sempre escrevo com muita liberdade. Esse foi nascendo aos pouquinhos. A primeira vez que eu tive contato com a uma parte dele foi quando minha filha Maria Antonia que hoje tem 7 anos, tinha dois anos e eu fui até uma loja de brinquedos. Naquela época, essas lojas ainda eram setorizadas com aqueles ditos brinquedos de meninos e os ditos brinquedos de meninas. Aí eu escrevi uma crônica pra mim mesmo com o título ‘A culpa é das princesas’. Esse texto ficou guardado e na pandemia eu comecei a escrever outros aleatórios e as coisas foram se encaixando”, relembra Lázaro.
Essa forma de ir moldando o livro a partir de narrativas soltas, que é comum em outras obras de Lázaro, também vem acompanhada de uma avaliação que normalmente ele faz, enviando o livro para que outras pessoas leiam.
“Com meus livros infantis eu sempre envio o texto para uma escola particular e uma pública e os alunos fazem comentários e anotações, sem saber de quem é a obra e eu reescrevo. Desta vez eu pedi para dois filhos adolescentes de amigos meus para lerem e comentarem e também contei com a ajuda de um grupo de teatro chamado Cine Encanto. Eles liam os textos, apresentavam cenas e faziam perguntas pra mim e assim eu fui escrevendo”.
“Você é Invisível” é um livro interativo, com recursos diferentes, ilustrações e apesar de Lázaro achar que isso não seria possível, tinha um desejo de chegar mais perto da linguagem dos jovens de hoje em dia.
Eu queria muito reproduzir a maneira que os jovens consomem informações atualmente. Eles são hiper estimulados e têm a capacidade de absorver duas mídias ao mesmo tempo. Coisa que na minha época era impossível. Pra fazer uma atividade da escola eu tinha que ficar no silêncio. Nesse sentido, tive a sorte de ter o Oga Mendonça que é esse gênio da ilustração no Brasil e ele conseguiu ordenar o pensamento que tinha no livro. Foi muito bacana perceber que deu certo e depois de tudo pronto ainda veio a ideia de colocar uma playlist com músicas que você pode ouvir enquanto está lendo.
Lázaro Ramos, escritor, ator e produtor
Os personagens do livro levam nomes de parentes de Lázaro e quando indagado sobre a ideia de colocar esses nomes, ele confessou, rindo de si mesmo, que não tem muita criatividade para nomear personagens de livro.
“Todos os meus livros têm nomes de pessoas que eu conheço. Eu não sei batizar personagem, mas esse livro, eu acho que tem algo a mais porque ele também é um livro de memórias. Várias dessas histórias eu vivi, me contaram ou tem alguma relação com a minha família.”, lembra Lázaro.
O livro, além de contar um pouco da história e rotina dessa família, também fala sobre identidade, racismo e consciência.
Esses são temas que estão no nosso dia-a-dia. Eu sempre tento nos meus livros não me limitar a assuntos como violência urbana e racismo. Entretanto, pra mim é libertador poder mostrar personagens negros trazendo o máximo de temas que existem na vida de qualquer pessoa. É muito bacana a gente poder falar sobre formação de identidade, sobre luta antirracista, mas falar também, sobre ética, paixão, conexão familiar, desejo e dúvidas.
Lázaro Ramos, escritor, ator e produtor
Durante a escrita, Lázaro também relembrou da sua juventude e fez conexões com a sua própria adolescência.
“Eu fui esse adolescente que a cabeça fervia de ideias e desejos, porém era muito fechado e não me sentia visível, não me sentia importante. O que me salvou foi o teatro. No caso do personagem Carlos, ele recorre às redes sociais. Eu escrevi para aquele adolescente que eu fui e que queria ouvir de alguém: Você não é invisível. Eu não ouvi isso. Hoje, vejo muitos adolescentes cheios de conflitos, se escondendo na sua ostra, não compartilhando nada com ninguém ou criando uma máscara do espertalhão e do divertido.”
Ele complementa que não imagina como vai ser essa geração de adolescentes.
Vejo uma angústia e um sobressalto neles que eu tenho certeza que vem desse período de pandemia. Eu acho que os cuidados com a cabecinha e com o coração dos nossos jovens precisam ser redobrados. Nessa fase tão bonita de florescer, eles viveram uma prisão. Sem poder conviver em turma, sem estar em uma escola com o grupo de amigos e poder zoar na hora do intervalo e outras coisas desse tipo. Eu percebo que isso tem um custo. Uns querem fazer muita coisa ao mesmo tempo e outros estão com medo de dar os próximos passos.
Lázaro Ramos, escritor, ator e diretor
Lázaro finaliza a entrevista dizendo que espera muito que as pessoas se divirtam com a leitura, mas que se emocionem também. “Temos andado muito duros, dando mais espaço para o ódio que nos move do que para o amor que nos cura. Então esse livro tem algo de amoroso e afetuoso para as pessoas saírem tocadas dessas páginas”.