Newcastle é o mais rico do mundo, mas torcedores temem que time perca a alma
Clube foi comprado pelo Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita (PIF)
Foi a primeira partida de uma nova era do Newcastle United na Premier League do futebol inglês. O estádio St. James Park estava lotado de torcedores ansiosos. Os hinos cantados pela multidão encheram o ar na região de Tyneside, no norte da Inglaterra, em 17 de outubro, um domingo. Depois da aquisição polêmica do clube pelo Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita (PIF), o clima da cidade do norte da Inglaterra foi de muita comemoração e a atmosfera naquele jogo em particular foi quase delirante.
As cores preto e branco do clube podiam ser vistas em todos os estandes, em camisas e bandeiras. Uma faixa gigante foi colocada para soletrar algumas das palavras de uma famosa canção sobre o rio Tyne, que corta Newcastle:
“Esta é uma cidade poderosa construída sobre um solo sólido e tudo o que eles tentarem matar com tanto empenho, nós reconstruiremos”, diz um trecho.
A faixa faz alusão ao suposto “assassinato” do Newcastle United, uma morte percebida por muitos fãs do clube, que passaram os últimos 14 anos lamentando a aquisição do clube pelo rei do varejo do Reino Unido
Mike Ashley, que há muito é acusado de desinteresse pelo time, de não se preocupar em investir no clube e de tirar a alma dos Magpies (apelido do clube). Ashley tinha como proposta que o time se sustentasse por seus próprios meios.
No entanto, em meio às celebrações febris que ocorreram no St. James Park naquele dia, houve uma nota discordante: uma van estampava um cartaz com os dizeres “Justiça para Jamal Khashoggi” e circulava ao redor do estádio, uma referência ao assassinato em 2018 do jornalista e dissidente saudita.
O PIF, que detém 80% do capital do clube, como parte de um consórcio tripartite, é um fundo soberano presidido por Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, o homem que, segundo um relatório dos serviços de inteligência dos Estados Unidos, foi responsável pela aprovação da operação que levou ao assassinato de Khashoggi.
Khashoggi entrou no consulado da Arábia Saudita em Istambul no dia 2 de outubro de 2018 para retirar um documento necessário para se casar com sua noiva. Mas nunca mais saiu do prédio.
A investigação dos Estados Unidos concluiu que o próprio príncipe saudista aprovou a operação que culminou no assassinato do jornalista.
Em resposta à conclusão tirada pelos serviços dos EUA, o Ministério das Relações Exteriores da Arábia Saudita divulgou um comunicado dizendo que o país “rejeita completamente a avaliação negativa, falsa e inaceitável do relatório referente à liderança do Reino, e observa que o relatório continha informações e conclusões imprecisas”.
Também acrescentou que a morte de Khashoggi foi um “crime abominável e uma violação flagrante das leis e valores do reino”.
Antes da compra do time, a Anistia Internacional do Reino Unido pediu à Premier League que reconsiderasse a decisão e, desde então, exigiu que a liga alterasse a prova obrigatória aplicada aos donos e dirigentes de clubes para “abordar questões de direitos humanos”.
O presidente-executivo da Anistia Internacional, Sacha Deshmukh, disse: “em vez de permitir que os implicados em graves violações dos direitos humanos entrem no futebol inglês simplesmente porque têm muito dinheiro, pedimos à Premier League que mude a prova dos proprietários e diretores para tratar de questões de direitos humanos”.
Embora a Premier League tenha dito que recebeu “garantias juridicamente vinculativas de que o Reino da Arábia Saudita não controlará o Newcastle United”, não há como negar que o príncipe herdeiro do país supervisiona o PIF.
A CNN procurou o PIF para obter uma declaração para esta reportagem, mas seus representantes se recusaram a comentar.
Em um comunicado à imprensa emitido quando a aquisição foi anunciada, Yasir Al-Rumayyan, diretor do PIF, disse: “estamos extremamente orgulhosos de nos tornarmos os novos proprietários do Newcastle United, um dos clubes mais famosos do futebol inglês. Agradecemos aos torcedores do Newcastle por seu apoio tremendamente leal ao longo dos anos e estamos ansiosos para trabalhar com eles”.
Quando o negócio foi oficialmente fechado, Hatice Cengiz, a noiva do jornalista assassinado, escreveu no Twitter que a aquisição era uma “vergonha e constrangimento” para o Newcastle United e disse que esperava que os fãs e jogadores “cobrassem seus donos”.
A CNN entrou em contato com a Premier League e a PCP Capital Partners (que fazem parte do consórcio que assumiu o clube) para comentar, mas não obteve resposta.
No comunicado à imprensa emitido no anúncio do negócio, Amanda Staveley, CEO da PCP Capital Partners, declarou: “é um investimento de longo prazo. Estamos entusiasmados com as perspectivas futuras do Newcastle United. Pretendemos incutir uma filosofia de união em todo o clube, estabelecer um objetivo claro e ajudar a fornecer uma liderança que permitirá ao Newcastle United alcançar grandes conquistas a longo prazo”.
Desde o anúncio da aquisição, a Premier League concordou em se encontrar com a Anistia para conversas sobre a revisão da prova de proprietários e diretores. O teste é aplicado a qualquer indivíduo apontado como tendo um papel fundamental no controle de um clube na liga.
Alegria de curta duração
Enquanto boa parte dos torcedores do Newcastle segue em festa, há outros que pretendem fazer exatamente o que Cengiz pediu: responsabilizar seus novos proprietários. Ao mesmo tempo, eles lutam para aceitar que o futuro de seu clube está agora parcialmente nas mãos de um regime que foi acusado de graves violações dos direitos humanos.
Emma Holbrook acompanha o time desde criança e testemunhou muitos dos momentos mais difíceis do Newcastle, incluindo a gestão sem troféus de Ashley.
Embora a princípio tenha se sentido animada com a perspectiva de uma nova direção, a alegria logo se dissipou quando considerou o fato de que Newcastle agora estaria amarrado com o regime saudita. “Minha reação inicial à compra foi de alegria”, contou a torcedora a CNN. “Mas isso rapidamente deu lugar à inquietação quando percebi que agora éramos basicamente propriedade de um poderoso estado-nação, um lugar acusado de aprovar o assassinato de um jornalista, além de possuir um histórico terrível de direitos LGBTQIA+ e das mulheres”.
“E também me fez pensar na situação terrível em que se encontra o futebol moderno, não apenas o Newcastle”, completou.
“Como chegamos ao ponto em que nossa única escolha para os proprietários está entre Mike Ashley, cuja empresa Sports Direct tem sido acusada de abusar dos direitos dos trabalhadores, e uma entidade todo-poderosa que está enfrentando inúmeras acusações de abusos dos direitos humanos?”
Quando as acusações de abusos dos direitos dos trabalhadores surgiram em 2016, o empresário Ashley disse aos parlamentares britânicos que não tinha conhecimento de tais práticas, mas admitiu que sua empresa havia infringido a lei ao não pagar o salário mínimo nacional a seus empregados.
“Todo mundo quer que seu time tenha sucesso”, acrescentou a torcedora Holbrook. “Todo mundo quer que seu clube ganhe os maiores prêmios do futebol. Mas ninguém quer questionar a moralidade de como eles chegam lá”.
Com a aquisição do PIF e uma injeção de riqueza no clube, o Newcastle parece estar à beira de uma era de ouro, mas Holbrook quer que os outros torcedores estejam cientes do custo potencial que qualquer sucesso futuro pode acarretar.
“Parece claro para mim que a Arábia Saudita viu o que o Catar, outra nação acusada de cometer abusos de direitos humanos, fez na compra do PSG [Paris Saint-Germain], o que permitiu a esse estado reformular sua imagem global e apresentar uma nova versão de si mesmo ao resto do mundo”, disse Holbrook, refletindo sobre a ideia de lavagem esportiva.
“Não quero que Newcastle se torne apenas uma ferramenta para um regime que precisa de uma nova roupagem de relações públicas”.
Em resposta às acusações de abusos de direitos humanos no Catar, o CEO da Copa do Mundo do Catar, Nasser Al Khater, disse que as reformas trabalhistas ligadas aos trabalhadores migrantes levam tempo e não podem acontecer todas de uma vez.
“É uma mudança de cultura, uma mudança de comportamento”, afirmou. “Estaríamos mentindo para nós mesmos e nos enganando se de um ano para o outro fosse possível fazer essas mudanças e pensar que tudo vai se resolver”.
Em um nível pessoal, Holbrook sente um desconforto especial com a ideia de seu amado clube agora estar tão intimamente envolvido com um regime homofóbico.
Na Arábia Saudita, a homossexualidade é ilegal sob a lei da Sharia, e as punições aplicadas por atos sexuais e intimidade incluem chicotadas, prisão e, em alguns casos, a pena de morte.
A nação é amplamente considerada como um dos lugares mais inseguros do mundo para pessoas LGBTQIA+ – algo que Holbrook acha impossível de ignorar, visto que agora há uma ligação direta entre o Newcastle United e o Reino da Arábia Saudita por causa do papel de Mohammed bin Salman no PIF.
“É ilegal para pessoas como eu serem elas mesmas na Arábia Saudita. E o príncipe herdeiro dessa nação agora supervisiona essencialmente os novos proprietários do meu clube”, desabafou a torcedora.
Para Holbrook, o apoio do Newcastle aos torcedores LGBTQIA+ e à campanha Rainbow Laces, que usa cadarços com as cores do arco-íris, pode começar a soar vazio sob a nova direção devido à situação e perseguição contínua na Arábia Saudita e a proximidade do clube com a Coroa.
“O clube pode estar comprometido em fazer com que os fãs LGBTQIA+ sejam bem-vindos em Newcastle, mas e a solidariedade com os sauditas desses grupos? O que o clube fará para apoiá-los agora que eles têm laços tão estreitos com a Coroa que os oprime?”
Mesmo que Holbrook goste do fato de que os torcedores do Newcastle não sejam responsáveis pela conexão estreita com o regime saudita, ela acredita que eles têm o dever de cobrar seus novos proprietários por abusos de direitos humanos.
“Se vamos ser tão dedicados ao clube dentro de campo, então precisamos usar a mesma energia comum também quando se trata de questões fora do campo”.
Voltando para a várzea
Embora a aquisição do Newcastle por um consórcio ultrarrico possa parecer apenas mais um passo em direção a uma mini-Super League dentro da própria Premier League – na qual apenas os clubes mais ricos, incluindo Manchester City, Chelsea e outros podem conseguir títulos –, o aumento contínuo de riquezas no futebol moderno está levando alguns torcedores a reagir, investindo seu tempo, dinheiro e energia para apoiar os times menores e locais.
O Gateshead FC é um clube sediado na cidade de Gateshead, no norte da Inglaterra, que está ligada a Newcastle por uma das pontes que atravessa o Tyne.
O clube joga na sexta divisão do futebol inglês – a National League North, a Liga Nacional do Norte – e normalmente custa cerca de US$ 20 (cerca de R$ 109) para assistir a uma partida.
Em contraste, um ingresso para assistir o Newcastle costuma custar cerca de US$ 55 (cerca de R$ 301). O preço desses ingressos deve subir vertiginosamente caso o clube alcance as alturas do sucesso nos próximos anos, graças à sua lucrativa aquisição.
Rowan Lees é um torcedor do Newcastle que passou a acompanhar mais jogos do Gateshead do que os do seu time do coração nos últimos tempos.
À medida que mais dinheiro entra na Premier League, Lees decidiu que prefere comprar ingressos para apoiar um clube local (que já pensou em desistir do futebol) que oferece alegria uma vez por semana aos residentes de Gateshead e tem um papel essencial no espírito comunitário da cidade.
“Eu amo o Newcastle, adoro ir aos jogos do Newcastle, mas sinto que estou apoiando mais uma cidade local e seu povo sempre que vou ver Gateshead jogar, especialmente agora”, contou Lees.
“Quando soube da aquisição, uma das primeiras coisas que pensei foi o quanto isso afetaria os preços dos ingressos. Eu fiquei pensando se ficaria de fora do clube para o qual torço por não ter dinheiro para ver os jogos. Gostaria de saber se no futuro só conseguirei assistir aos jogos da Carabao Cup (Copa da Liga Inglesa), porque todo o resto estará fora da minha faixa de preço”.
Lees questiona o que isso pode significar para a cidade em que vive se os torcedores não puderem pagar os ingressos todos os fins de semana.
“O que acontece quando uma instituição da cidade deixa de servir ao povo da própria cidade? Quando os torcedores do clube histórico da cidade não podem apoiar o time pessoalmente?”, questionou Lees.
“Ironicamente, acho que a aquisição do Newcastle por torcedores extraordinariamente ricos levará alguns fãs para o futebol de base. Há muitos torcedores que preferem apoiar um clube que eles sabem que se preocupa com eles também, do que sentir pouca afinidade com apenas mais um proprietário rico que quer usar a lavagem esportiva em seu proveito”, continuou.
Além de se preocupar com a ameaça de uma desconexão entre o clube e os torcedores como resultado de sua riqueza recém-adquirida, Lees (como Holbrook) também está preocupado com a ética de Newcastle agora ligada a um estado acusado de restringir as liberdades civis.
“No início, é claro, eu estava animado com a perspectiva do Newcastle se tornar uma peça importante no futebol global e na Premier League novamente”, lembrou.
“Depois vieram as questões sobre a propriedade. Parece que podemos nos tornar um joguete do estado saudita, e eu não quero que isso aconteça”.
Mas, como o futebol moderno é agora frequentemente controlado e supervisionado por poderosos proprietários, diretorias e outras entidades, Lees sente-se “impotente como torcedor”.
Ele disse esperar que os torcedores possam usar a “enormidade do clube” (já que o Newcastle é historicamente considerado um dos gigantes do futebol inglês) e sua enorme base de fãs como “algum tipo de alavanca para cobrar responsabilidade da Arábia Saudita”. Como se viu com a capitulação da proposta da Super Liga Europeia no primeiro semestre do ano, os torcedores ainda podem usar seu poder coletivo para enfrentar até mesmo os maiores cartolas do futebol.
Lees acha que, se os torcedores do Newcastle pudessem se organizar para deixar claro que não toleram o registro de abusos dos direitos humanos na Arábia Saudita, então talvez uma atenção maior seja dada às acusações e a pressão internacional para que o país enfrente as repercussões se intensifique.
No entanto, pode ser difícil unir a base de fãs do Newcastle em protesto contra seus novos donos e sua associação com a opressão do povo saudita.
Embora Lees, Holbrook e outros possam estar desiludidos com o negócio, muitos fãs relutam em criticar a compra. Na partida do Newcastle contra o Tottenham, a primeira da nova era do clube, alguns torcedores até agitaram bandeiras sauditas e se vestiram com os trajes tradicionais sauditas.
“Como torcedores, não há muito que possamos fazer em relação às questões de direitos humanos”, disse o torcedor Paul Loraine ao jornal “The Guardian” depois que a compra do Newcastle liderada pelos sauditas foi confirmada. “Estamos todos usando roupas compradas em fábricas exploradoras em países com problemas de direitos humanos. A bússola moral é sempre estranha em tempos como este”.
Será uma inspiração?
A compra do Newcastle por proprietários extremamente ricos é apenas a última de uma série de aquisições semelhantes nos últimos 20 anos. Em 2003, o oligarca russo Roman Abramovich comprou o Chelsea naquela que foi então a maior aquisição do futebol inglês.
Em 2008, o Manchester City foi comprado pelo Abu Dhabi United Group, de propriedade do xeque Mansour dos Emirados Árabes Unidos. O PSG foi comprado pela Qatar Sports Investments, que posteriormente o tornou um dos clubes mais ricos do mundo.
Ryan Monty é um torcedor do Newcastle que pensa que o negócio com o PIC é apenas mais uma indicação de quanto o futebol moderno foi distorcido pela extrema riqueza.
Ele testemunhou o declínio do Newcastle nos últimos tempos. O clube sofreu rebaixamento e ficou sempre no final da tabela desde que voltou à competição principal. Monty está tão desiludido com o que a aquisição significa para o futebol como um todo que diz que preferiria ficar preso ao atual time e aos infortúnios do clube, se isso significasse que os Magpies não eram propriedade de um grupo de investimentos tão incrivelmente rico e a bagagem que vem com ele.
“Estou preocupado que a compra de Newcastle pelo PIF da Arábia Saudita, a compra de Man City pelos Emirados Árabes Unidos e o fato de o PSG também pertencer essencialmente a um estado-nação façam parte da abertura da caixa de Pandora”, disse Monty.
“Aonde isso vai parar? Parece que qualquer equipe que não seja apoiada por esses países todo-poderosos não terá sucesso”.
Monty menciona a arena cada vez mais desigual da Premier League e, embora queira ver o Newcastle chegar a competições de prestígio como a Champions League novamente, ele diz que prefere muito mais ver o clube pertencente a torcedores do que vê-lo assinar com os melhores jogadores do mundo.
“Gostaria de ver a Premier League apresentar um modelo de propriedade de clubes semelhante ao que existe na Bundesliga alemã”, opinou Monty. “Prefiro que o Newcastle seja propriedade dos torcedores a ver Messi, Neymar e Mbappé como o nosso trio de ataque”.
Monty se refere ao sistema da Bundesliga no qual a famosa regra “50+1” obriga os clubes a serem controlados majoritariamente por seus torcedores.
O modelo não existe na Premier League. O próprio Newcastle é agora propriedade da PIF, PCP Capital Partners e RB Sports and Media.
Nenhum torcedor está envolvido na propriedade do clube e não existe um mandato dentro do alto escalão do futebol inglês para garantir que os torcedores tenham uma palavra a dizer sobre quem dirige seu clube.
Assim como Lees e Holbrook, Monty não está apenas frustrado com o jogo de extrema riqueza que o futebol inglês de primeira linha se tornou: ele também acha impossível ignorar a forma como o clube está agora amarrado a Arábia Saudita e seu príncipe herdeiro.
“Quero que o Newcastle United seja algo para se orgulhar novamente. Mas não à custa de lavagem esportiva. A adoração pela aquisição pode rapidamente se transformar em adoração ao próprio Mohammed bin Salman, e todos nós sabemos do que ele é acusado e que tipo de opressão o povo da Arábia Saudita está enfrentando”.
Mesmo sendo crítico ao magnata do varejo Ashley e seu tempo como dono do Newcastle, Monty (como muitos outros Magpies) teme o “vazio moral” que vem com essa aquisição.
“É como se tivéssemos saltado da frigideira direto para o fogo. O clube e seus novos donos podem falar o quanto quiserem sobre como melhorar o time feminino, por exemplo, com essa nova injeção de dinheiro pode trazer novas instalações e recursos de treinamento, mas não houve nenhuma menção de como mulheres são tratadas na Arábia Saudita. Isso está sendo varrido para debaixo do tapete”.
Monty diz que qualquer promessa do clube de continuar a apoiar os direitos LGBTQIA+ vai parecer apenas “da boca para fora”. Assim como a torcedora Holbrook. ele se pergunta o que significa, se é que coisa, para os jogadores do Newcastle usar cadarços da cor do arco-íris quando agora existe uma “relação confortável entre o clube e um regime que persegue as pessoas LGBTQIA+”.
Embora a compra seja vista por muitos como uma tentativa de Mohammed bin Salman e da Arábia Saudita de recalibrar sua imagem global, Monty acha que a ótica da aquisição em si está tendo um efeito bastante indesejado no Newcastle.
O clube enfrenta atualmente críticas de vários ângulos, incluindo de outros clubes da Premier League (que têm feito reuniões de emergência para questionar como a aquisição foi autorizada tão rapidamente) e de grupos de torcedores, ativistas LGBTQIA+, organizações de direitos humanos e veículos da mídia.
“Ninguém sai desta situação com a imagem ilibada”, concluiu Monty. “Principalmente o Newcastle”.
Lembranças do passado
Se há alguém que pode se identificar com o conflito e a perplexidade que os torcedores do Newcastle estão sentindo agora, são os torcedores do Manchester City.
Eles já passaram pelo impacto de uma enorme aquisição por um grupo de investimentos incrivelmente rico que também tem laços estreitos com a soberania de um estado-nação com um histórico questionável em direitos humanos.
Kate Roper viu os Citizens (apelo do City) usurparem a coroa do Norte do irmão mais velho Manchester United. Por mais que ela tenha gostado da ascensão meteórica do clube que já foi considerado o “vizinho barulhento” do United por Sir Alex Ferguson, ex-treinador da seleção, ela alerta os fãs de Newcastle sobre as armadilhas que vêm com o sucesso financiado por uma realeza com recursos quase ilimitados.
“Apesar de todos os troféus e além das alturas que escalamos, acho que há uma nostalgia do passado para muitos fãs do City”, confessou a torcedora do time de Manchester.
“Muitos torcedores se lembram de como era antes do xeique Mansour assumir o time, quando tínhamos que lutar apenas para ficar de pé e evitar o rebaixamento novamente, e acho que eles ainda se apegam aos dias em que ninguém sabia qual seria o resultado da próxima partida ou de quando a gente ganhava um derby sobre o United e tudo virara uma loucura. Temos saudades daqueles dias”.
Roper diz que, embora ela ainda aprecie o surgimento do City como um dos clubes de maior sucesso do mundo, ela se preocupa que uma parte de sua alma tenha sido perdida para a idealização e comercialização globais – algo que ela acha que os torcedores do Newcastle devem desconfiar conforme entram nessa nova era estranha.
“Uma das razões pelas quais eu amo tanto o City é porque é um clube muito local que se orgulha de vir do Maine Road”, disse, referindo-se ao antigo estádio do clube.
“Mas, agora que há tanto foco em sua imagem internacional e em que tipo de mercados globais o clube pode entrar, eu me pergunto se todo o dinheiro que o City tem vai para as partes de Manchester que realmente precisam dele além do futebol. para a comunidade local, para bancos de alimentos e para Moss Side, onde ficava o estádio Maine Road”.
O City já declarou à CNN que seu investimento é forte na regeneração de East Manchester, já que quer construir um time de futebol de elite que regularmente disputa os principais troféus do esporte.
Com o City recebendo uma riqueza incomensurável, a torcedora se preocupa com a conexão com os torcedores que defenderam o clube como um azarão por muitos anos e que agora vão sendo substituídos por outros que chegam com o brilho dos troféus.
“Eu acho errado a enorme quantidade de dinheiro que o clube tem, a ponto de, a qualquer momento, podermos substituir jogadores famosos durante uma partida, coisa que muitos outros clubes não podem fazer”, afirmou.
Só o tempo dirá se a aquisição do PIF realmente levará o Newcastle a um novo mundo definido por sucesso, troféus e adoração global, mas uma coisa é certa: há alguns torcedores que acham que a compra é apenas mais um exemplo da obsessão do futebol moderno por riqueza e seu desprezo por qualquer outra coisa, incluindo preocupações com os direitos humanos, os sentimentos dos fãs LGBTQIA+ o dever de um clube para com sua comunidade.
Para o próprio Newcastle United, este é o início de uma jornada estranha e imprevisível que pode levar a alturas com as quais nunca poderia ter sonhado.
Para os torcedores que não querem que os Magpies se tornem um brinquedo para o estado saudita, é o início de uma relação complicada com o próprio time que eles tanto amam.
(Texto traduzido. Clique aqui para ler o original em inglês).