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Fernando Antônio Ribeiro Soares

Fernando Antônio Ribeiro Soares- Consultor do Barral, Parente, Pinheiro Advogados

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A incompatibilidade da empresa estatal de capital aberto

Sede da Petrobras, no Rio de Janeiro  • 16/10/2019 REUTERS/Sergio Moraes
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O título deste artigo pode ser considerado um desincentivo ao leitor. Ele irá se preocupar com o que está por vir: uma possível análise prolixa e cheia de tecnicidades. Buscaremos evitar esta conotação, mas com toda certeza é de interesse da sociedade, inclusive pelos eventos vivenciados nos últimos dias.

Tomemos, como base para discussão, a Petrobras e o histórico debate dos preços dos combustíveis. Pode-se considerar também a política de investimentos da Petrobras. Mas, este não é o ponto central, talvez um grande exemplo para fundamentar nosso raciocínio. Ou seja, um exemplo importante e significativo, mas um exemplo.

A política de preços de combustíveis no Brasil, em grande medida, é determinada pela Petrobras. Particularmente, a partir das refinarias da Petrobras. Tal política sempre foi sujeita a vários apupos e desentendimentos políticos. Façamos um breve retrospecto.

Nos já longínquos tempos do governo Fernando Henrique Cardoso, tivemos greves de petroleiros com ocupação de refinarias pelo Exército. Depois de um interregno, no governo Dilma, pressão e ameaça de greve por parte dos caminhoneiros. Motivo: preço do óleo diesel.

Pode-se imaginar, num país rodoviário como o nosso, o estrago de uma paralisação deste tipo, fato esse que veio a se materializar no governo Temer. Esse movimento, ocorrido em 2018, teve imensos impactos na economia brasileira.

No governo Bolsonaro, por sua vez, tínhamos novas disputas entre a Petrobras e o Palácio do Planalto. Pano de fundo: o preço dos combustíveis. Questionamentos que, de certa forma, continuaram a partir de 2023.

O leitor pode estar confuso com o último período do parágrafo anterior - questionamentos que, de certa forma, continuaram a partir de 2023. A verdade é que, quando estava escrevendo este artigo, na sua primeira versão, ainda não havia ocorrido a troca de comando na Petrobras, fato ocorrido em 14 de maio.

Porém, este fato, não pelo governo atual, mas pela constância dos problemas ao longo dos anos, virá a consubstanciar nosso raciocínio. O problema aqui trazido, dada a recorrência, independe do governo ou do tipo de governo. Como referenciado, a política de preços de combustíveis e a Petrobras são um exemplo importante, mas um exemplo. Não é nosso objetivo final.

As disputas ocorridas em nosso exemplo decorrem em grande medida da existência de sociedades de economia de capital aberto. Conforme a Lei das Estatais (Lei nº 13.303, de 2016), “uma sociedade de economia mista é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou a entidade da administração direta” (grifos nossos). No que tange ao capital aberto, estamos falando do capital aberto em bolsa de valores.

A princípio poder-se-ia pensar que abrir o capital em bolsa, o que geraria mais esforços e incentivos à adoção de boas práticas de governança corporativa, seria uma decisão interessante. No entanto, essa melhor governança corporativa terá efeitos diminutos diante das características de funcionamento de uma empresa estatal, em especial em uma empresa estatal de capital aberto.

A criação de uma empresa estatal no Brasil deve respeitar o mandato do art. 173 da Constituição Federal, que afirma o seguinte:

“Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado será permitida quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo” (grifos nossos).  

Imperativo de segurança nacional está associado diretamente a uma atribuição do Estado. Dessa forma, tão somente optou-se por uma organização na forma de uma empresa estatal para realizar a execução dessa função do Estado.

A interpretação do interesse coletivo é mais complexa. Trata-se de um bem ou serviço de grande interesse ou mesmo essencialidade para a sociedade, porém não há ou não há suficiente provisão privada. Com isso, o Estado opta por preencher esta lacuna (a falha de mercado) por meio de uma empresa estatal. De fato, esta empresa estatal irá prover uma política pública.

Agora considere que esta empresa estatal, que atende ao interesse da coletividade e é provedora de uma política pública, tenha o seu capital aberto em bolsa. Com esta abertura ao mercado de capital, teremos uma empresa com dois tipos de acionistas: o acionista estatal e o acionista privado.

Numa entidade empresarial ou mesmo em qualquer organização é importante entender o objetivo desta organização, que será definido por seus “controladores”, pensando-se em controladores de uma maneira mais abrangente.

O acionista privado, desde as primeiras lições de microeconomia, objetiva a maximização de lucros. Ok! Preciso respeitar os stakeholders, mas, mesmo assim, o objetivo é a maximização de lucros. O acionista público, por seu turno, objetiva a maximização da realização da política pública. Ademais, é importante dizer que a prioridade do acionista público, antes do lucro, é a realização da política pública, o motivo para a própria existência da empresa estatal.

Consequentemente, facilmente chega-se à conclusão de que os dois objetivos, maximização de lucros e realização de políticas públicas, são dificilmente conciliáveis. De outra forma, não consigo alinhar os objetivos (ou interesses) do acionista público e do acionista privado.

Sendo assim, não consigo definir o propósito, o objetivo da empresa estatal de capital aberto. Tendo em vista esta ponderação, chega-se à conclusão de que, de fato, há uma incompatibilidade da empresa estatal de capital aberto! Ou, simplesmente, é muito difícil atender a dois senhores!

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