Brasil e China: como a cadeia de suprimentos pode ajudar nessa aproximação

Na badalada visita à China feita no mês de abril, o governo brasileiro sacramentou cerca de vinte acordos de empresas e órgãos públicos nacionais com o país asiático. A China é o principal parceiro comercial do Brasil, e muito tem sido dito sobre o potencial da maior aproximação ensaiada entre os dois países, que contemplaria desde a construção de satélites e carros elétricos até ampliações nas compras de alimentos e commodities verde-amarelas.
Isso sem falar no ventilado acordo de cooperação monetária que, em médio prazo, dispensaria o uso do dólar nas transações entre as duas nações. Essa mudança, em si, pode causar outro impulso inédito ao intercâmbio comercial. No entanto, investimentos em logística e visibilidade na cadeia de suprimentos serão necessários para que os negócios entre os países ganhem mais agilidade e ainda maior escala.
De acordo com o nosso monitoramento de ponta a ponta dos trajetos globais de cargas, em março deste ano certas remessas chinesas para o Brasil levaram quase 60 dias para serem liberadas, por exemplo, no porto de Salvador. Estamos falando de cargas conteinerizadas que cumpriram o trajeto oceânico sem maiores problemas, mas que ficaram paradas no terminal de destino. O porto brasileiro mais rápido para a liberação de contêineres chineses é o de Santos (SP), com média de 36 dias. Essa posição vem se mantendo desde janeiro de 2022.
Para além das questões alfandegárias, muitos dos atrasos na cadeia de suprimentos não acontecem em trânsito, mas em pontos de intercâmbio modal. Ou seja, em portos, aeroportos ou docas secas, onde as mercadorias passam por transbordos para seguirem viagem por ferrovias ou, predominantemente por aqui, rodovias.
O problema é que, muitas vezes, os contêineres ingressam em uma espécie de “caixa preta” quando chegam aos terminais. Não são poucos os relatos de falta de atualizações de status e consequente perda de visibilidade de cargas, o que afeta a previsibilidade de entrega e acaba comprometendo a eficiência das operações (e a satisfação dos destinatários, evidentemente). Logo, um dos principais desafios nos transportes globais é eliminar esse e outros gargalos de transparência.
A boa notícia é que a tecnologia começa a mudar esse cenário. Os três últimos anos, de pandemia, tensões geopolíticas, oscilações na oferta de insumos e paralisações de estivadores, elevaram o papel estratégico do transporte para os negócios. Isso tem levado o setor de logística, historicamente avesso a grandes mudanças, a mergulhar na transformação digital. Já existem plataformas capazes de informar em tempo real, por exemplo, o paradeiro de um contêiner viajando em mar aberto – e com uma margem de erro de 20 metros. Integrações de sistemas de telemática e diferentes redes de rastreamento vão permitir que essa inteligência seja aplicada a todos os modais, e em nível global.
Essa revolução logística é impulsionada por inteligência artificial, aprendizagem de máquina e analytics (uso aplicado de dados). Ao fim e ao cabo, os insights instantâneos das novas tecnologias permitem que expedidores, transportadoras e prestadores de serviços logísticos internacionais não mais dependam somente de históricos para calcular tempos de entrega, podendo fazê-los por meio de análises preditivas.
À luz da aproximação entre o Brasil e a China, as novas tecnologias de monitoramento logístico também abrem oportunidades para os compromissos que os dois países firmaram acerca do meio ambiente e das mudanças climáticas.
Plataformas de visibilidade da cadeia de suprimentos também já possibilitam o monitoramento das emissões de gases nas operações de transporte, o que sempre foi uma dificuldade para as indústrias. Em alguns casos, as emissões que ocorrem fora dos ambientes de produção, e sobre as quais os fabricantes não têm controle, podem chegar a até 60% da pegada total de gases de uma operação.
Por fim, convém destacar que o atributo “de ponta a ponta” das novas tecnologias de visibilidade significa também a cobertura de entregas a consumidores finais – a etapa final, ou last mile. Pode ser algo importante em meio ao crescimento do comércio eletrônico entre Brasil e China.
Vale lembrar que no começo de abril foi anunciada uma nova rota aérea Shenzhen-São Paulo, com o intuito de estimular o e-commerce por meio de dois voos semanais com aviões cargueiros Boeing 747. No final de 2022, o Cainiao, braço de logística da Alibaba, anunciou planos de inaugurar nove centros de distribuição em solo brasileiro. Além disso, é crescente o sucesso local de marcas chinesas como Xiaomi, Huawei e Shein, para ficarmos em poucas.
A conexão entre Brasil e China só tende a crescer. E traz aos atores do comércio internacional entre os dois países a chance de superar os desafios das trocas de longa distância por meio de uma nova mentalidade, fundamentada em novas formas de gerenciar operações. Não podemos ficar de braços cruzados.
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